Alberto Dines, Observatório da Imprensa
Na mesma edição de jornal , 21 caixões e vários corpos ”encontrados” dividem as chamadas com a privada polonesa de 500 dólares da
ex-Primeira Dama do Rio, Adriana Anselmo, e os 20 ternos Ermenegildo Zegna do
marido e então governador do Rio de Janeiro ,Sérgio Cabral, o filho. Na mesma matéria , a renúncia do ex-Ministro
da Cultura, Marcelo Calero , acusando “pressão ” de Geddel Vieira Lima pedindo
para interferir no IPHAN na liberação de um apartamento de R$ 2 .5 milhões
comprado em Salvador pelo ministro baiano. Pela explicação do ministro, foram
apenas “ponderações” , “mal entendidos” .
Enquanto um via suborno e aviltamento , o
outro ironizava sobre a ” doçura” do
diplomata Calero que não entendeu o espírito de como se faz política em
Brasília. Calero negou-se a aceitar o projeto estapafúrdio da vaquejada como
cultura e da maracutaia como forma de fazer política. Na suíte do caso, Temer
teria enquadrado Calero, o caso acabou respingando no presidente, mas Calero
saiu, Geddel ficou — só não aguentou a pressão, agora da população inteira, e
uma semana depois pediu “exoneração do honroso cargo”.Tarde. Na mesma denúncia
de propina nas páginas que destrincham a falência do Rio, vem a explicação de
uma simples “oxigenação “.
Na mesma revolta da população inteira que inclui canto de
servidores revoltados com trechos de Carmina Burana de Carl Orff e Carmen de
Bizet diante da Assembléia Legislativa do Rio, a declaração de Sergio Cabral ,
“estou com a consciência limpa, indignado com acusações “.Neste Brasil grande
cabe tudo , Caixa Dois por um lado e pressa para descriminalizar o que é crime.
Esta semana Temer montou o Conselho de Desenvolvimento
Econômico e Social alegando que assumiu um Brasil com déficits de verdade e
muito ilusionismo contábil. Garantiu “entramos na era da lucidez”. Na mesma
edição , Temer qualificava então o escândalo Calero-Geddel de “um acidente”
menor.
O mesmo ex-governador do Rio, Antônio Garotinho, que ía
levar ” um bombom Garoto” para Sérgio Cabral quando o desafeto fosse preso,
acabou em Bangu, junto com Cabral. Antes
, tentou oferecer R$ 5 milhões para não ser preso e apresentou um diploma
universitário duvidoso para escapar do xilindró.
A era do esquecimento
Um bombom, um acarajé, um kibe, bacalhau, propina não. ”
Fumar um charuto”, “tomar um vinho”, assim o ex-diretor de Serviços da Petrobrás ,Renato Duque ,
marcava encontros com os operadores para receber contratos malocados. O
ex-tesoureiro do PT, João Vaccari Neto cunhou como ” pixuleco” aquilo que
Carlinhos Cachoeira preferia denominar ” assistência social”. Luis Rogério
Gonçalves Magalhães em conversa com Wagner Garcia , preso em Bangu, preferiu
noticiar três dias antes a prisão de Cabral assim, “entregou a rapadura com
raspas de limão”. Já Cabral preferia
negociar propinas com a Andrade Gutierrez utilizando nome de mulher, Nelma de
Sá Saraca, em alusão à histórica secretária d’O Pasquim, tabloide fundado entre outros pelo Sergio
Cabral pai, criador do musical Sassaricando.
A era é a do esquecimento, Sergio Cabral não sabe como pagou
as joias da mulher em dinheiro vivo, algumas no valor de R$100 mil. Sua mulher
não sabe como R$ 10 milhões foram parar na sua conta. A era é a do
deslumbramento, da ostentação, do triplex em Guarujá que é de ninguém, de mais
uma delação premiada do senador cassado Delcídio Amaral dizendo que o
ex-presidente Lula, que não sabia de nada , tinha ” conhecimento absoluto “. E
todo Congresso, que diz não temer nada,
tremendo diante do acordo de delação dos 80 executivos da Odebrecht,
empreiteira que mantinha um departamento de propina para suprir as demandas e
agora pode atingir 130 políticos.
A era é a da pos-verdade, do virtual que não é real, da
anti-humanidade de Donald Trump respingando temores nos ilegais brasileiros. A
era é a do nacionalismo , da ultradireita antissemita, racista, xenófoba,
homofóbica, neonazista ganhando espaço no mundo. A era é a da pós Petrobrás,
empresa das mais poderosas do mundo , transformada na mais endividada do
planeta com 132 bilhões de dólares. E é ainda o pré-sal, os royalties do pré
sal que vão saldar parte do endividamento dos estados.
Na era da “lucidez ” que é a dos reality shows, devem se
suceder as operações Calicut, My Way, Nessum Dorma, Caça-Fantasma, Resta Um e
uma nação que segue atônita com verdades partidas, em busca de seus heróis– ou
pelo menos de políticos éticos –, e de um espelho que não reflita a face de uma
pós-verdade tão mentirosa.
Alberto Dines é jornalista, escritor e cofundador do
Observatório da Imprensa
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