Elstor Hanzen, Observatório da Imprensa
“O modo como enxergamos o mundo seria muito diferente se
todos os nossos julgamentos pudessem ser isolados da expectativa e baseados
apenas em informações relevantes”, ou ainda: “É fácil seremos vítimas das
expectativas, e é também fácil explorá-las diante dos outros.” Essas são
reflexões trazidas pelo físico estadunidense Leonard Mlodinow, no livro O andar
do bêbado, publicado em 2009. Em palavras gerais, a obra trata de como fatores
aleatórios influenciam no resultado de sistemas complexos, como na nossa vida,
por exemplo. Especificamente, Mlodinow traz importantes lições para o
jornalismo, para tal apresenta resultados que desmistificam os salvadores da
pátria, as celebridades, os gurus do marketing, enfim, contrapõe o mundo da aparência
ao da essência.
O 2016 foi farto de problemas complexos para os quais se
vendeu soluções fáceis e rápidas. Por causa da manifestação de insatisfação da
população com a corrupção e com a crise política e econômica, a saída foi o
impeachment e a instalação de um governante salvador da pátria. E a mídia teve
um papel decisivo nesse processo porque coletou todas as evidências favoráveis
à ideia e, o pior, passou até interpretar indícios ambíguos de modo a favorecer
e respaldar a ideia como solução para a crise.
Por outro lado, não mostrou as contra razões desse processo,
mas que ao longo do ano foram se impondo naturalmente. Portanto, ignorou-se a
premissa básica que diz: para uma ideia ter o mínimo de consistência, é
necessário equilibrar os prós e os contras, contudo, o que se fez foi seguir
apenas o padrão de comportamento observado pelo filósofo Francis Bacon, em
1620. Para Bacon, “a compreensão humana, após ter adotado uma opinião,
coleciona quaisquer instâncias que a confirmem, e ainda que as instâncias
contrárias possam ser muito mais numerosas e influentes, ela não as percebe, ou
então as rejeita, de modo que sua opinião permaneça inabalada”.
Esse comportamento é chamando pelos psicólogos de viés da
confirmação, prática muito presente também nas redes sociais, em que se seguem
pessoas com as mesmas opiniões e preferências, estratagema cada vez mais
reforçado graças ao uso dos algoritmos para juntar um público homogêneo no
espaço online que, em última instância, visa o mercado e o interesse comercial
de grupos empresariais. Segundo tal lógica, quando estamos diante de uma ilusão
– ou em qualquer momento em que tenhamos uma nova ideia -, em vez de tentarmos
provar que nossas ideias estão erradas, geralmente, tentamos provar que estão
corretas. Inclusive, a tendência de confirmação de nossas expectativas não é
nova nem só coisa da internet. Conforme Mlodinow, ela pode ocorrer em várias
circunstâncias, como exemplo, quando um empregador entrevista um candidato a um
emprego, sua propensão é formar uma rápida primeira impressão do sujeito e
passar o resto da entrevista buscando informações que a corroborem.
Mundo da aparência
Quem se serve bem do mundo das aparências e das falsas
expectativas é o marketing. Para ilustrar sua obra sobre o mito das falsas verdades,
Mlodinow apresenta diversas pesquisas e análises realizadas no campo das
marcas. E num estudo feito em 2008, um grupo de voluntários deu nota melhor a
uma garrafa com etiqueta de US$90 que a outra com etiqueta de US$10, embora os
sorrateiros pesquisadores tivessem enchido as duas com o mesmo vinho. Outro
teste foi feito com vodca. De acordo com a descrição da bebida feita pelo
governo da Rússia, ela é neutra e não apresenta aroma, sabor e cor. Mas o
estudo com 21 rótulos diferentes da bebida mostrou resultados curiosos: no
primeiro teste, os rótulos e os preços ficaram à mostra, quando os envolvidos
atribuíram qualidades melhores à medida que o valor era maior e a marca mais
conhecida. Num segundo teste, às cegas, com as mesmas pessoas, a vodca mais
barata recebeu melhor cotação.
Para lembrar que a força das marcas não se restringe a
produtos específicos, evidentemente, basta citar a eleição do prefeito de São
Paulo, João Doria Jr.; e do presidente dos EUA, Donald Trump. O que os dois têm
em comum: são empresários e ex-apresentadores de reality show; portanto, se
beneficiaram fortemente na política devido à construção dos seus nomes pelo
marketing. E o que o jornalismo fez para mostrar a realidade por trás dessas
aparências? Pelo menos aqui no Brasil, praticamente nada.
Já o autor do O andar do bêbado busca uma compreensão mais
ampla para o exposto. Ele avalia que a visão determinística do mercado dá conta
que o sucesso da pessoa e do produto é determinado pelos valores intrínsecos, o
que, em geral, é uma falácia, ressalta ele. Ou seja, na sociedade capitalista
se diz que os valores e os princípios são essenciais, mas se projeta o grau da
celebridade e a quantidade de dinheiro como sinônimo de sucesso. Esse tipo de
sociedade também se apressa em transformar os ricos em heróis e os pobres em
pondes expiatórios.
A origem disso vem da nossa tendência a confiar demais nas
previsões excessivamente precisas das pessoas – comentaristas, especialistas de
finanças, gurus do marketing – cujo histórico, supostamente, demonstra
conhecimento dos assuntos. Mas se visto com mais cuidado, como fazem os
historiadores, apenas se gera uma aparência de inevitabilidade, usando a
estratégia de citar fontes abalizadas pelo mercado e de trazer para o primeiro
plano as forças vencedoras e jogando para o segundo as que foram engolidas
pelas primeiras.
Mundo da essência
O bom jornalismo que procura trazer à tona a essência e a
relevância dos acontecimentos, infelizmente, está em falta nos últimos tempos.
O que se tem visto é a espetacularização dos fatos, a criação de heróis e
salvadores da pátria, publicitação de falsas polêmicas. Tudo isso se
materializou em 2016, quando acompanhamos a cobertura da tragédia com o time da
Chapecoense, a sobreposição de determinados juízes da Lava Jato a suas próprias
instituições ou a dicotomia entre o Congresso Nacional e o STF.
Esse tipo de tratamento dos fatos ajuda pouco a cumprir uma
das essências do jornalismo, levar informações às pessoas para terem sua
independência e se autogovernarem, por exemplo. Ainda mais agora, momento em
que a mídia tradicional – jornal, rádio, televisão – sofre com as
superficialidades, boataria e polarizações das informações publicadas nas redes
sociais. Para fazer frente a tal realidade, dever-se-ia ter como uma espécie de
missão a verificação e a relevância dos assuntos, antes de lançá-los à agenda
pública. Mas o que tem acontecido é o viés da confirmação de algumas verdades,
assim ampliando as falsas verdades e a tão conhecida polarização dos temas nas
plataformas online.
Acompanhar e endossar opiniões diante de movimentos de
ocasião, conforme sopra o vento, não contribui em nada a fortalecer o
jornalismo e preservar seu principal ativo: a credibilidade. Por isso, não
importa quanto a forma de fazer jornalismo e a distribuição da informação
tenham mudado com a nova tecnologia, a essência tem permanecida a mesma:
desmistificar as falsas verdade e fornecer aos cidadãos informações seguras
para tomarem suas decisões. Adotando esta postura, conforme Bill Kovach e Tom
Rosenstiel escreveram no livro “Os Elementos do Jornalismo: o que os
jornalistas devem saber e o público deve exigir”, pode até não se alcançar a
verdade, mas o público sabe reconhecer se se chegou perto – quando fontes
autorizadas, pesquisa exaustiva e métodos transparentes foram aplicados no
processo e de modo honesto.
Em 2017, para não continuar neste movimento aleatório,
culpando a crise econômica e as redes sociais e se chocando contra todos os
obstáculos que encontra pelo caminho sem saber aonde irá chegar, como o andar
do bêbado, o jornalismo precisa deixar de lado o papel do marketing e se
dedicar a desvendar os temas que de fato influenciam e ajudam a construir nossa
cidadania. Só assim a notícia será relevante e servirá como base nas decisões
da vida.
Elstor Hanzen é jornalista e especialista em convergência de
mídias
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