Paulo Nogueira Batista Jr., O Globo
O Brasil corre riscos sérios. Estou longe, mas acompanho
sempre que posso o que está acontecendo aí — e com preocupação cada vez maior.
A situação mundial, marcada por aguda polarização, oferece grandes perigos para
nações fragilizadas por conflitos internos. Existem certamente casos mais
graves que o brasileiro, países destroçados por intervenções externas e/ ou
crises domésticas: Síria, Iraque, Líbia, Grécia — para citar casos mais
notórios.
Não chegamos a esses extremos, mas não há como negar que o
nosso país está em perigo. Dos Brics, o Brasil é no momento o mais vulnerável.
E repare, leitor, que a situação da Rússia e da África do Sul é bem complicada.
A China também enfrenta desafios econômicos, institucionais e políticos. A
Índia acaba de lançar uma reforma monetária radical, com efeito
desestabilizador. Em todos os quatro países, a corrupção é problema grave.
Mas, entre os Brics, o Brasil é “hors concours”. Não
necessariamente em corrupção, mas na fragilidade do quadro econômico, social e
político. As razões parecem claras. Primeiro, a intensa polarização interna. O
que antes era patrimônio dos nossos vizinhos ao Sul — a incapacidade crônica
dos argentinos de conciliar e chegar a entendimentos — parece ter sido
importado maciçamente pelos brasileiros. A intolerância, o colapso do diálogo,
a perda de legitimidade de instituições fundamentais, o enfraquecimento da
democracia — tudo isso representa um imenso perigo para a nação brasileira. E
mais o seguinte: o triunfo da mais profunda e radical ignorância em diversos
campos da vida nacional.
A essa degradação política e social se acrescenta uma das
piores crises econômica da nossa história. Recessão forte e prolongada,
desemprego crescente, redução dos salários reais — “em casa onde falta pão...”
A crise econômica alimenta a crise política, e vice-versa. Nesse ambiente, os
governos brasileiros perderam apoio e legitimidade, a classe política atingiu o
seu nadir, a Justiça perdeu o Norte.
Criou-se, leitor, um terreno fértil para a intervenção
estrangeira — e era neste ponto que queria chegar. A intervenção externa não
precisa ser ostensiva — e muito menos militar. Ela toma formas mais sutis. Com
o enfraquecimento dos governos e a crise econômica, fica mais fácil para
investidores de outros países, não raro com apoio estratégico de seus governos,
aterrissar no Brasil e comprar empresas, terras e outros ativos brasileiros sem
controle ou restrições — e na bacia das almas. O Brasil está à venda, em
liquidação? Quem protege os nossos interesses? Quem nos representa no plano
internacional?
Leitor, não se iluda, para determinados fins estratégicos não
há substituto para o Estado nacional. Os setores privados, as organizações da
sociedade civil, as universidades, os intelectuais, os artistas — todos eles
carregam de alguma forma, bem ou mal, o estandarte nacional, por onde quer que
andem e circulem. Mas não existem instâncias supranacionais a quem um país
possa confiar a defesa dos seus interesses nacionais e dos seus objetivos
vitais. Ou existem? Peço ao leitor que me aponte uma, pelo menos uma.
As entidades multilaterais mais relevantes são internacionais,
vale dizer são associações entre nações, entre Estados — e delas só se
beneficiam aqueles países que têm um mínimo de coesão interna e um Estado
razoavelmente estruturado.
O Brasil precisa encontrar um meio legítimo de superar o
quadro de polarização destrutiva e frear o processo de desintegração em curso.
Paulo Nogueira Batista Jr. é vice-presidente do Novo Banco
de Desenvolvimento, sediado em Xangai, mas expressa seus pontos de vista em
caráter pessoal
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