Da ISTOÉ
Centro do Rio de Janeiro, terça-feira 6. Um grupo de
militares fortemente armados invade a Igreja São José, um dos templos coloniais
mais antigos e bonitos da capital carioca, onde há passagens tão estreitas que
só permitem a caminhada de uma pessoa por vez. Aos tropeços e ruidosamente, com
suas pesadas botas, os policiais do Batalhão de Choque passam pelos símbolos
sagrados, sobem as escadas correndo e se posicionam nas janelas para atirar
balas de borracha e bombas de gás lacrimogêneo nas centenas de manifestantes
que protestam em frente à Assembleia Legislativa (Alerj), na vizinha praça
Tiradentes. A inaceitável cena virou símbolo da manifestação mais violenta já
ocorrida na cidade, onde a população explode em revolta contra a corrupção
responsável maior pela falência do Estado e dos serviços públicos . Quatro
meses depois de se tornar a capital do mundo ao sediar a Olimpíada, o Rio volta
a chamar a atenção, mas agora de forma negativa.
Os servidores, e a sociedade em geral, se negam a aceitar o
arrocho proposto no pacote anticrise enviado para votação dos deputados pelo
governador Luiz Fernando Pezão (PMDB), que tem sido votado em partes na Alerj.
Calcula-se que a polícia tenha arremessado pelo menos 50 bombas, além de
utilizar spray de pimenta e balas de borracha. Já os manifestantes revidaram
com morteiros, rojões e pedras. Ao final, 30 pessoas, entre civis e militares,
ficaram feridas e nove foram levadas para prestar depoimento em delegacias
(leia quadro). Nas grades e tapumes colocados açodadamente para impedir a
invasão à Alerj, ainda há cartazes com frases que não deixam dúvidas sobre a
ligação direta entre a descoberta de que o ex-governador Sergio Cabral seria o
comandante de uma organização criminosa que teria recebido mais de R$ 220
milhões em propinas e a explosão da violência. “Por que temos que pagar pelos
crimes de vocês?”, diz uma das frases.
Segundo o procurador da República Leonardo Cardoso de
Freitas, “a crise aguda que o Rio vive, sem dúvida nenhuma, seria menor se toda
essa corrupção e desgoverno que acompanha a corrupção não tivessem sido
praticados nesse passado recente.” A prática de propinas e apropriação indevida
de recursos públicos, que vem sendo revelada pelos vários braços da operação
Lava Jato, atinge todo o País e foi a causa central das mobilizações que
ocorreram no domingo 4. Mas o Rio é o primeiro a emitir o alerta vermelho em
grau máximo. As imagens da cidade, cuja alcunha é ‘maravilhosa’, ardendo em
chamas circulou pelo mundo e consiste na parte mais visível e assustadora do
“custo-corrupção”, como escreveu o juiz Marcelo Bretas, da 7.ª Vara Federal
Criminal, no despacho que determinava a prisão de Cabral, hoje no Complexo
Penitenciário de Gericinó, antigo Bangu, como parte da Operação Calicute, da
Lava Jato.
Quem paga a conta?
Segundo ele, com a “corrosão dos orçamentos, toda a
sociedade vem a ser chamada a cobrir seguidos rombos.” Só que ninguém mais
aceita passivamente o pagamento dessa fatura. Há quase três meses, servidores
da Justiça estão em greve e lutam contra o “pacote do Pezão”, como disse
Amarildo Silva, 57 anos, que trabalha no 29º Cartório de Vara Civil e é filiado
ao Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário/RJ. Ele estava entre os
manifestantes na fatídica terça-feira 6. “O Rio está nessa crise por causa
desse combustível que mistura corrupção, isenções fiscais excessivas e má
administração”, afirma. “As manifestações são para mostrar que sabemos o que
eles faziam enquanto pensávamos que governavam o Estado.” E avisa: o protesto
na segunda-feira 12 será maior ainda.
SALDO DA GUERRA
5 horas de combate entre policiais e manifestantes
11 agentes feridos
15 manifestantes feridos
9 pessoas presas
30 atendimentos médicos
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