Denis Lerrer Rosenfield, O Globo
Abalbúrdia criada pela decisão monocrática do ministro Marco
Aurélio, afastando o senador Renan Calheiros da presidência do Senado, seguida
pela decisão da Mesa Diretora desta Casa em não seguir a decisão judicial, assim
como a não validação desta liminar pelo Plenário do Supremo, é uma amostra,
particularmente sofrível, da crise institucional na qual o país está
mergulhado.
Seria simplesmente hilário se não expusesse a gravidade de
nossa situação. Não dá para rir, embora seja cômico.
Não há vencidos nem vencedores, embora alguns especialmente
vaidosos queiram se atribuir tal protagonismo. Quem perde é o Brasil, vítima de
manobras irresponsáveis, que em nada contribuem para tirar o país do buraco no
qual foi lançado pelo lulopetismo.
Satisfazer-se com as dificuldades do governo Temer só mostra
pequenez de espírito e, na verdade, o que também se poderia denominar de falta
de patriotismo, falta de cuidado e preocupação com o bem coletivo. O Brasil
ficou para trás.
Recapitulemos alguns fatos que nos mostram a forte
repercussão de todo esse processo. Seriam simplesmente episódios de uma ópera
bufa, não fossem seus intensos efeitos no agravamento da crise. É inconcebível
que o Supremo e o Senado tenham se prestado a tal pantomina.
O ministro Marco Aurélio proferiu uma decisão monocrática,
em caráter de liminar, sobre um assunto já em pauta no Supremo, aos cuidados do
ministro Toffoli, que tinha pedido vistas ao processo. Tratou-se de uma clara
ingerência em assunto a cargo de outro colega, que estava dentro do prazo,
evidenciando uma disputa interna na Corte.
Ademais, não havia nenhuma urgência no caso, pois o senador
Renan Calheiros só teria — e terá — efetivamente mais 15 dias no exercício da
presidência do Senado, pois a Casa entra logo em recesso e novas eleições
ocorrerão em fevereiro.
Foi um nítido açodamento relativo a um processo contra o
Senador que dorme há nove anos no Supremo. Tanta pressa agora não faz nenhum
sentido. Denota uma intenção política.
Goste-se ou não do Senador Renan Calheiros, o fato primeiro
consiste em ser ele presidente do Senado. Ele é aqui uma figura
jurídico-institucional. Sua destituição por decisão monocrática e em caráter
liminar é uma arbitrariedade. Por outro lado, o senador deve prestar contas à
Justiça, porém não de uma maneira que ponha a perigo nossas instituições.
Não se pode tampouco desconsiderar o efeito político de uma
decisão judicial de tal tipo. Tal efeito deveria ter merecido cuidadosa
atenção. Ela poderia ter interferido diretamente na aprovação do segundo turno
da PEC do teto e, também, na agora enviada reforma da Previdência. As
consequências de uma decisão judicial deveriam fazer parte de sua própria
elaboração.
Imagine-se um vice-presidente petista, Jorge Viana, assumindo
a presidência da Casa e fazendo a política de seu partido. Poderia em muito
prejudicar o governo Temer e, acima de tudo, o país. Seria a política do quanto
pior melhor! Ressalte-se que o senador teve uma atitude responsável, porém seu
partido não segue esta linha.
Ato seguinte desta esculhambação foi a posição do presidente
do Senado, secundado pela Mesa Diretora, de não acatar a decisão monocrática do
ministro Marco Aurélio. Se já ruim estava, pior ainda ficou. O Supremo foi
liminarmente desobedecido, como se uma decisão sua não fosse para ser cumprida.
Como pode um senador não receber uma notificação? Como pode
a Mesa Diretora da Casa simplesmente desacatar uma decisão do Supremo? Os
poderes, nitidamente, não mais se entendem. O precedente é perigoso. Pode ser o
princípio da desordem pública no nível propriamente institucional.
O Plenário do Supremo, diante deste imbróglio suscitado por
um dos seus membros, procurou uma saída política, em vez de estabelecer
princípios propriamente institucionais. Agora, a mais alta Corte do país passa
simplesmente a fazer política e não em fazer respeitar a Constituição. Eis um
resultado de seu ativismo!
Em linguagem tortuosa, sem nível propriamente jurídico,
terminou por cassar a liminar, não tendo julgado o mérito da questão, e manteve
na presidência do Senado um senador que descumpriu uma decisão do mesmo
Supremo.
A saída política traduziu-se por um apequenamento da
instituição. Ou seja, o Supremo deixou de ser uma instância recursal, um
árbitro constitucional, para se tornar parte de uma crise institucional. Isto é
particularmente grave, pois mostra um país à deriva.
O processo de enfraquecimento das instituições, evidenciado,
no caso em questão, pelo Supremo e pelo Senado, se dá em um contexto de
profunda crise econômica e social, com o PIB desabando, o desemprego
tornando-se intolerável e havendo uma quebra de expectativas em relação ao
futuro imediato.
O presidente Temer recebeu uma herança maldita. No início do
seu governo, talvez para evitar o confronto político em um quadro já
suficientemente tumultuado, não expôs com clareza a real situação do país.
Agora, corajosamente, está assumindo medidas que parecem impopulares, mas são
absolutamente necessárias para o reerguimento do país.
A PEC do teto está na iminência de ser aprovada em segundo
turno no Senado. A PEC da Previdência foi também enviada nestes dias à Câmara
dos Deputados e já tramita rapidamente. Logo deverá ser enviada uma medida
provisória que trata da modernização da legislação trabalhista.
Reiteremos. Não se trata somente do sucesso do governo
Temer. Quem olhar a situação sob este prisma sofre de miopia política. O que
está em questão é o país e a sua própria solvência. Não haverá distribuição
social sem produção de riqueza.
O enfraquecimento das instituições que estamos presenciando
não é apenas um mau augúrio para o governo, que termina por sofrer dos seus
efeitos, mas também uma ameaça para a democracia. A irresponsabilidade política
também paga o seu preço.
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