Artigo de Fernando Gabeira
Começou o fim do mundo com a delação da Odebrecht. Temer,
creio, deu uma resposta adequada, pedindo celeridade nas investigações para
poder tocar o barco da reconstrução econômica.
Ele pode não ter sido sincero, porque, segundo a imprensa,
no Planalto se falou na anulação do depoimento do diretor da empresa. Mas a
celeridade, respeitando simultaneamente direito de defesa e ritmo de uma
investigação séria, é a melhor saída para libertar o processo econômico dos
sobressaltos políticos. Para almejar essa celeridade, porém, é preciso primeiro
responder a uma pergunta: se não existiu até agora, por que passaria a existir
de uma hora para outra?
Ela é necessária também para o processo político em 2018.
Muitos investigados vão querer se reeleger. Mas nem todos têm êxito em situação
pós-escândalo. Lembro-me da CPI dos sanguessugas, deputados que ganhavam
propina para emendas de compras de ambulâncias superfaturadas. A maioria foi
derrotada nas urnas, em 2006.
Sem julgamento, contudo, o abismo entre sociedade e eleições
em 2018 pode se aprofundar ainda mais. As ruas têm se manifestado, mas não se
pode esperar delas a solução final do problema. No meu entender, ela está nas
mãos do Supremo, que precisa fazer um extraordinário esforço de adaptação às
necessidades do momento.
O Supremo parece-me perdido em suas prioridades. As duas
últimas intervenções, proibição da vaquejada e descriminalização do aborto,
posições com as quais posso concordar, não trilharam o bom caminho.
Existe uma diferença entre uma sentença e uma política para
enfrentar os temas. No caso da vaquejada, um processo adequado seria definir o
que os americanos chamam de phase out, para que todo o universo econômico que
gira em torno da vaquejada se adaptasse. Pelo que vi, seu núcleo central é a
criação e o comércio de cavalos de raça. No caso do aborto, o processo político
se dá de outra forma. Discussão no Parlamento e referendo popular.
Embora o panorama político seja desolador, quando juízes
assumem decisões que deveriam nascer no Parlamento ou nas urnas, eles são
obrigados a pensar como categorias políticas. Apesar de ter desaguado no STF,
na longa luta política para banir o amianto foi preciso negociar e até formular
um projeto de adaptação.
O fim do mundo não é o fim de tudo. Se o Supremo, creio eu,
se dedicar integralmente a julgar com rapidez e se reorganizar para a tarefa,
pode se queimar menos do que buscando saída para tensões políticas.
As manifestações de rua conseguem fixar alvos. Hoje Cunha,
amanhã Renan. Elas não trazem a saída: são contra a corrupção e, em alguns
cartazes, pelo fim do cheque em branco dos governos, alusão ao ajuste fiscal.
Mas o nó só pode ser desatado pelas instituições. Agora, por
exemplo, o Supremo vai entrar em recesso. Com a situação tão delicada, os
responsáveis vão sair de cena. Creio que isso nasce do equívoco de subestimar o
alcance da Lava Jato.
Gilmar Mendes, quando esteve no Senado, foi bastante
explícito, as operações policiais existem todos os anos. Naquele momento, a
Odebrecht fechava o maior acordo de leniência do mundo, pagando cerca de R$ 6,
bilhões de multa. E a delação do fim do mundo começava.
Se o Supremo decidir trabalhar a fundo na sua tarefa
específica, vai ajudar, indiretamente, a economia e também a política, na
tarefa de buscar algum tipo de renovação que a aproxime da sociedade.
É uma difícil travessia. Nela o comandante Temer tem de
enfrentar a tempestade e jogar alguns corpos ao mar. E evitar que ele próprio
tenha de se jogar na água.
Mas são essas as circunstância e não é possível enfrentá-las
suprimindo pedaços da realidade. A maior investigação da História do Brasil
chega ao coração do atual governo, que era apenas a costela do governo petista.
Agora, ele tem nas mãos a tarefa de conduzir a economia em frangalhos, sob
suspeita e com baixa popularidade.
Temer disse que era preciso coragem para governar o Brasil e
que ele teria essa coragem. Talvez seja preciso também um pouco de resignação
diante do futuro pessoal.
A tarefa de conduzir a reconstrução econômica é decisiva,
sobretudo, para os 12 milhões de desempregados. Temer e o mundo político não
têm outro caminho exceto continuar trabalhando, enquanto a terra treme sob os
seus pés.
Num mundo ideal, nem o Supremo nem os políticos entrariam em
férias neste ano de 2016. Talvez todos nós precisemos de umas férias do Supremo
e dos próprios políticos.
Mas assim que voltarem, a realidade pedirá respostas mais
rápidas e complexas. Se houvesse um projeto de trânsito para 2018, o ritmo de
julgamentos seria mais rápido, os vazamentos seriam evitados e o processo de
renovação na política seria posto na agenda.
Existem forças poderosas tentando deter ou deturpar a Lava
Jato. Elas se aproveitam da confusão, dos impasses. É uma tática que existe nos
mínimos detalhes, como a atuação dos advogados de Lula, discursos no
Parlamento, notícias inventadas.
Digam o que quiserem das ruas. Não houve violência nas
manifestações contra a corrupção. Elas cumprem o seu papel. No fundo, acreditam
nas instituições e na possibilidade de que encontrem uma saída.
Algumas instituições entraram em férias. Durante o recesso
poderiam pensar no ano que entra. É possível fazer melhor e mais rápido.
É uma ilusão supor que o Brasil não mudou, que será
governável com as mesmas práticas do passado. Hoje será menos doloroso avançar
do que recuar no projeto de fortalecer a economia e dar à política uma chance
de reconciliação com a sociedade. No meio de tanta confusão, na qual estou
também envolvido, é assim que vejo o caminho imediato e os dois objetivos
principais.
Deve haver centenas de outras visões. Seria salutar discutir
como chegar a 2018, e não apenas o clássico quem comprou quem, quem é a bola da
vez… A bola da vez é a ameaça de caos.
Artigo publicado no Estadão em 16/12/2016
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