segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

PARECE SUCUPIRA

Cid Benjamin, O Globo
Estivesse Dias Gomes vivo, teria farto material para inspirar novos capítulos de sua genial série “O Bem-Amado”.
Um ministro do STF classifica de “indecente” a decisão de um colega e afirma que este deveria sofrer um impeachment.
O presidente do Senado recusa-se a receber o oficial de Justiça que lhe daria conhecimento da liminar determinando seu afastamento do cargo. O funcionário, intimidado, não cumpre o procedimento-padrão: registrar a recusa do intimado.
Está aberto o precedente. Agora, diante de um oficial de Justiça com uma comunicação que não seja do agrado de um figurão da República, basta que este não o receba.
Parece Sucupira.
O mesmo presidente do Senado afirma que não cumprirá a decisão liminar que o tira do cargo. Apoiado pela Mesa do Senado, diz que só aceitaria se esta decisão fosse tomada pelo pleno do tribunal.
Nada lhe acontece, embora descumprimento de decisão judicial — mesmo que uma liminar — possa levar à prisão. Aberto mais este precedente, fica-se sabendo que, em certos casos, o recurso de um figurão susta uma decisão liminar.
A presidente do STF prefere não comprar o barulho, aceita o fato consumado e promete apressar a votação do mérito da questão no pleno do tribunal.
Coisa de Sucupira.
No mesmo dia, o entorno da Alerj torna-se uma praça de guerra, com agressões da PM a funcionários públicos que protestavam contra o corte de seus vencimentos. Já as isenções fiscais para firmas amigas dos governadores Cabral e Pezão, como se sabe, são intocáveis. Mesmo que sejam joalherias ou termas.
O sentimento de rejeição à política e o desprezo às normas legais vêm crescendo. Recentemente, a mesma Alerj foi ocupada por policiais alcoolizados e armados, em revolta contra o pacote de maldades de Pezão. A PM cruzou os braços. O grito de guerra dos policiais sublevados — “Bolsonaro” — falava por si só. Eles ignoravam que o deputado estadual filho do capo da dinastia Bolsonaro apoiava o pacote contra o qual se insurgiam. Porém, mais do que nada, com seu grito queriam expressar o repúdio à “política”.
Lembra Sucupira.
A negação da política já tinha se expressado nas recentes eleições municipais, quando o “não voto” (soma de abstenções, votos em branco e votos nulos) foi recorde. E, no dia a dia, cada vez mais a antipolítica aparece como forma de manifestação... política. Da direita.
Começa a se configurar um quadro perigoso. A descrença na política como via de solução dos problemas, a falta de confiança nas instituições, a crise econômica, o aumento do desemprego, a debilidade da esquerda, o fortalecimento da direita truculenta e o sentimento de que a sociedade caminha para o caos põem em risco a democracia.
A sensação de que caminhamos para a anomia e a multiplicação de situações dignas de uma Sucupira fortalecem o risco do aparecimento de um salvador da pátria e de saídas autoritárias de extrema-direita.
É hora de a bandeira de eleições gerais ser levantada pelas forças democráticas.
Bookmark and Share

Nenhum comentário:

Postar um comentário