Cid Benjamin, O Globo
Estivesse Dias Gomes vivo, teria farto material para
inspirar novos capítulos de sua genial série “O Bem-Amado”.
Um ministro do STF classifica de “indecente” a decisão de um
colega e afirma que este deveria sofrer um impeachment.
O presidente do Senado recusa-se a receber o oficial de
Justiça que lhe daria conhecimento da liminar determinando seu afastamento do
cargo. O funcionário, intimidado, não cumpre o procedimento-padrão: registrar a
recusa do intimado.
Está aberto o precedente. Agora, diante de um oficial de
Justiça com uma comunicação que não seja do agrado de um figurão da República,
basta que este não o receba.
Parece Sucupira.
O mesmo presidente do Senado afirma que não cumprirá a
decisão liminar que o tira do cargo. Apoiado pela Mesa do Senado, diz que só
aceitaria se esta decisão fosse tomada pelo pleno do tribunal.
Nada lhe acontece, embora descumprimento de decisão judicial
— mesmo que uma liminar — possa levar à prisão. Aberto mais este precedente,
fica-se sabendo que, em certos casos, o recurso de um figurão susta uma decisão
liminar.
A presidente do STF prefere não comprar o barulho, aceita o
fato consumado e promete apressar a votação do mérito da questão no pleno do
tribunal.
Coisa de Sucupira.
No mesmo dia, o entorno da Alerj torna-se uma praça de
guerra, com agressões da PM a funcionários públicos que protestavam contra o
corte de seus vencimentos. Já as isenções fiscais para firmas amigas dos
governadores Cabral e Pezão, como se sabe, são intocáveis. Mesmo que sejam
joalherias ou termas.
O sentimento de rejeição à política e o desprezo às normas
legais vêm crescendo. Recentemente, a mesma Alerj foi ocupada por policiais
alcoolizados e armados, em revolta contra o pacote de maldades de Pezão. A PM
cruzou os braços. O grito de guerra dos policiais sublevados — “Bolsonaro” —
falava por si só. Eles ignoravam que o deputado estadual filho do capo da
dinastia Bolsonaro apoiava o pacote contra o qual se insurgiam. Porém, mais do
que nada, com seu grito queriam expressar o repúdio à “política”.
Lembra Sucupira.
A negação da política já tinha se expressado nas recentes
eleições municipais, quando o “não voto” (soma de abstenções, votos em branco e
votos nulos) foi recorde. E, no dia a dia, cada vez mais a antipolítica aparece
como forma de manifestação... política. Da direita.
Começa a se configurar um quadro perigoso. A descrença na
política como via de solução dos problemas, a falta de confiança nas
instituições, a crise econômica, o aumento do desemprego, a debilidade da
esquerda, o fortalecimento da direita truculenta e o sentimento de que a
sociedade caminha para o caos põem em risco a democracia.
A sensação de que caminhamos para a anomia e a multiplicação
de situações dignas de uma Sucupira fortalecem o risco do aparecimento de um
salvador da pátria e de saídas autoritárias de extrema-direita.
É hora de a bandeira de eleições gerais ser levantada pelas
forças democráticas.
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