Lutou como poucos contra a ditadura, foi preso, casou na
prisão, teve de deixar o país. Regressou depois do 25 de Abril para ser um
pouco de tudo na política (deputado, ministro, primeiro-ministro, Presidente da
República e eurodeputado). Mário Soares, o rosto maior da democracia
portuguesa, morreu neste sábado aos 92 anos, avança a Lusa.
Estava internado desde terça-feira, 13 de Dezembro, no
Hospital da Cruz Vermelha, onde entrou em situação crítica, depois de uma
indisposição. Passou dez dias nos cuidados intensivos, para onde regressou na
véspera de Natal, depois de um súbito agravamento do estado de saúde e onde
esteve até este sábado.
Quem olhar para os últimos 50 anos da história de Portugal
vai encontrar sempre Mário Soares: no ataque à ditadura, na libertação
democrática, na resistência ao comunismo, na opção europeia, na solidez democrática.
Foi, nos momentos decisivos, o líder de que Portugal precisava – e é por isso
que hoje o país lhe deve muito.
As suas exéquias fúnebres durarão três dias, em horários
ainda a determinar. Nos dois primeiros o corpo estará em câmara ardente no refeitório
do Mosteiro dos Jerónimos, para onde será levado de sua casa, no Campo Grande,
com passagem e paragem na Câmara Municipal de Lisboa. Mário Soares era
agnóstico e por isso não será velado em nenhuma capela nem haverá missa de
corpo presente.
Ao terceiro dia será levado para centro do claustro daquele
monumento, onde se realiza uma cerimónia com intervenções da família, do
Presidente da República, do primeiro-ministro e do presidente da Assembleia da
República, e com a actuação do coro do Teatro S. Carlos. Dali, o cortejo
fúnebre segue para o Cemitério dos Prazeres, passando pelo Palácio de Belém,
Fundação Mário Soares, Assembleia da República e Largo do Rato, onde se
encontra a sede do PS, partido de que é fundador.
Nascido a 7 de Dezembro de 1924 em Lisboa, Mário Alberto
Nobre Lopes Soares era filho de João Lopes Soares, um antigo padre e professor
que fundou o Colégio Moderno, e de Elisa Nobre Soares, professora.
Mário Soares destacou-se desde cedo na política. Ainda como
estudante universitário (licenciou-se em Ciências Histórico-Filosóficas em 1951
e em Direito em 1957), foi secretário da Comissão Central da Candidatura do
General Norton de Matos à Presidência da República, em 1949, e estaria 11 anos
depois na Comissão da Candidatura do General Humberto Delgado à Presidência da
República.
Fez parte de vários movimentos de oposição à ditadura do
Estado Novo, o que lhe valeu ser preso 12 vezes pela PIDE, a polícia política
do regime. Cumpriu quase três anos de prisão e foi na cadeia, em 1949, que casou
com Maria de Jesus Barroso. Foi deportado para São Tomé em 1968 e dois anos
depois obrigado a exilar-se em França.
Foi no exílio que se tornou um dos fundadores do Partido
Socialista, em 1973, e assumiu o cargo de secretário-geral dos socialistas durante
praticamente 13 anos.
Regressou a Portugal três dias depois da revolução de 25 de
Abril de 1974 para uma intensa actividade política, que o levou a ser uma
espécie de farol da democracia portuguesa.
“Mário Soares sempre teve visão. Visão ainda no tempo da
ditadura quando conseguiu afirmar a autonomia dos socialistas no quadro da
oposição. Teve visão quando, em pleno PREC [Processo Revolucionário em Curso,
Verão de 1975], percebeu que missão fundamental do PS era defender a liberdade
e a democracia. Teve visão quando afirmou o desígnio europeu”, disse António
Costa, então secretário-geral do PS, num depoimento ao PÚBLICO em 2014, a
propósito dos 90 anos de Mário Soares.
Soares foi ministro dos Negócios Estrangeiros no I, II e III
Governos provisórios, ficando com o dossier da descolonização, e ministro sem
pasta no IV Governo, do qual se demitiu na sequência do caso República. Graças
à vitória do PS nas eleições de 1976, torna-se primeiro-ministro, liderando o I
Governo Constitucional (entre 1976 e 1977) e o II (1978). Voltaria a chefiar o
Governo, pela terceira vez entre 1983 e 1985, no chamado Bloco Central com o
PSD – nestas passagens pelo Governo, conduziu Portugal à adesão à então
Comunidade Económica Europeia.
Depois de Cavaco Silva ter assumido a liderança do PSD e
vencido as eleições de 1985 frente ao socialista Almeida Santos, Mário Soares
lançou-se na corrida às eleições presidenciais de 1986. Zangou-se com o amigo
Salgado Zenha, mas chegou à segunda volta, em que a esquerda (PCP incluído) se
uniu para ajudar Soares a derrotar Freitas do Amaral.
Foi Presidente entre 1986 e 1996, depois de em 1991 ter sido
reeleito com 70% dos votos. Destacou-se como um Presidente interventivo,
especialmente no seu segundo mandato, em que criou as famosas presidências
abertas, percorrendo o país.
Depois de deixar Belém ainda foi eurodeputado (entre 1999 e
2004) e tentou o regresso à Presidência em 2006, para tentar travar Cavaco
Silva. Só que com a esquerda dividida (Manuel Alegre também se candidatou),
Cavaco ganhou à primeira volta e Soares ficou em terceiro, atrás de Alegre, com
quem se zangou e só faria as pazes anos mais tarde.
Mesmo afastado dos cargos políticos activos, Soares manteve
a sua influência no PS e uma voz activa na sociedade portuguesa, tendo sido
particularmente contundente no período do Governo de Passos Coelho, em que
Portugal esteve sob um programa de assistência financeira.
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