Míriam Leitão, O Globo
Alexandre de Moraes é membro do PSDB, fez sua carreira no
partido e virou ministro do governo Temer. Até aí, parece o retrato no espelho
do ministro Dias Toffoli.
Esse é que é o problema.
Toffoli foi advogado do PT em campanhas presidenciais e,
mesmo assim, no julgamento do mensalão, que tratava de corrupção do PT em
campanhas eleitorais, não achou que houvesse impedimento em julgar aqueles que
defendera.
Moraes disse ontem que se declarará impedido de julgar
tucanos. Menos mal.
O presidente Michel Temer também não está sendo sutil quando
escolhe seu ministro da Justiça para assumir a vaga de Teori Zavascki, após ter
sido pessoalmente citado nas delações premiadas e ter seus ministros citados na
Operação. Quer garantir pelo menos um voto a seu favor, e, já que Toffoli abriu
o precedente, ele também poderá dizer que não vê impedimento.
Se o STF se calou daquela vez, diante do óbvio conflito de
interesses entre Toffoli e o julgamento do mensalão, o que poderá dizer agora?
O que é um voto?
Pode ser o de desempate numa Corte dividida em questões
cruciais como, por exemplo, o momento que recai sobre o réu o cumprimento da
pena. Felizmente, ele não será o ministro relator da Lava-Jato, mas seria mesmo
um acinte acima do tolerável.
Toffoli e Moraes têm outro ponto em comum: com 49 anos, vão
influenciar a vida dos brasileiros, em todos os campos e com todo o poder que
tem o Supremo, por mais 26 anos.
É natural a escolha de uma pessoa com quem o presidente ou
seu grupo no poder têm mais afinidade. Mas teria que ser uma identidade mais
sutil e não tão explícita quanto a do ministro Alexandre de Moraes.
Pode-se argumentar que o ministro Edson Fachin foi acusado
de partidarismo antes de assumir, mas se portou como um magistrado. Não há
garantia de que isso se repita.
O Brasil viu outros momentos em que ministros do STF
exibiram sua lealdade aos grupos que o indicaram.
O ministro Ricardo Lewandowski não escondeu, ao longo do
julgamento do mensalão, que tinha um lado. Começou combatendo a estratégia de
apresentação do voto do então ministro Joaquim Barbosa e não parou mais durante
todo o julgamento.
No comando do impeachment no Congresso, tomou decisões
impressionantes: considerou que o procurador de contas junto ao TCU era
suspeito e portanto não poderia ser testemunha. E julgou que o ex-ministro do
governo Dilma, autor de uma das pedaladas, Nelson Barbosa, era isento o
bastante para ser testemunha.
E no final conseguiu a proeza de preservar os direitos
políticos da presidente condenada por crime de responsabilidade.
Esses casos mostram que a escolha para ministro do STF pode
ter um peso enorme em futuras decisões do país.
O poder que a pessoa passa a ter, com a toga, é grande
demais, longo demais, incontestável demais. Por isso é que ele mesmo, Moraes,
considerou, na sua obra, que quem exerceu cargo de confiança num governo não
pode ser indicado por ele.
No episódio de sua declaração em Ribeirão Preto, ficou a
impressão de que ele sabia da operação que prenderia o adversário político
Antonio Palocci. Ele estava em evento de campanha do candidato do PSDB e fez
essa inconfidência.
Dias depois, Palocci foi preso e estourou uma crise na
Polícia Federal, que garantiu guardar até do ministro o segredo, informando- o
apenas em cima da operação.
Como ministro da Justiça, ele não podia ter falado o que
falou.
Suas declarações atrapalhadas são muitas, suas
controvérsias, também, como a de ter sido advogado de Eduardo Cunha num
processo em que o expresidente da Câmara foi acusado de ter usado documento
falso.
Mas o mais importante não é nada pessoal, nem sutil.
Integrantes deste governo, inclusive o presidente, foram citados na Lava-Jato,
que o STF passa a julgar.
Esta era a hora de indicar pessoa sobre a qual não pairasse
essa dúvida.
Míriam Leitão é jornalista
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