João Filho, The Intercept _Brasil
MAQUIAGEM E MUITA CARA DE PAU DÃO O TOM DO PRIMEIRO MÊS DO
GOVERNO DORIA EM SÃO PAULO
VESTINDO UNIFORME DE GARI e sapatênis Osklen, o prefeito de
São Paulo João Doria Jr plantou uma muda de pau-brasil na avenida 23 de maio e
discursou para as câmeras: “Essa é uma muda de pau-brasil. Vou dedicar o
plantio dessa muda ao Lula, Luiz Inácio Lula da Silva, o maior cara de pau do
Brasil. Presente para você, Lula”. Logo o Doria, um político que se elegeu
negando ser político mesmo tendo construído carreira na iniciativa privada
escorado na mais pura politicagem.
Espetáculos midiáticos desse tipo têm sido a grande marca da
nova gestão até aqui. Dia sim, dia não, lá está o prefeito vestido de operário
e fazendo algum serviço braçal diante da plateia. Todas essas ações fazem parte
do programa Cidade Linda, que parece ser a menina dos olhos da administração
tucana. Segundo o prefeito, o objetivo é “fazer da cidade de São Paulo um local
mais agradável para se viver e para se frequentar”.
Mas parece que nem todos os paulistanos irão desfrutar das
maravilhas deste embelezamento. Numa das primeiras ações do programa, a
prefeitura retirou moradores em situação de rua de uma praça no centro e os
colocou debaixo do viaduto 9 de julho. Hoje, eles ocupam uma das duas quadras
de futebol improvisadas que eram utilizadas diariamente por jovens e crianças
da Bela Vista – região carente de equipamentos esportivos públicos. E para o
programa ser cumprido com louvor, foi instalada uma tela verde para impedir que
os moradores sejam vistos por quem passa pela avenida.
Soninha Francine, secretária de Assistência e
Desenvolvimento Social, diz que a tela é para dar “privacidade” e “segurança”
aos novos moradores do viaduto e nega a intenção de escondê-los: “se fosse para
esconder as pessoas, a gente colocava um tapume”. Um dos moradores em situação
de rua entrevistado pelo UOL dá outra versão: “eles (funcionários da
prefeitura) vieram com madeirite, queriam tapar tudo. A gente bateu o pé,
porque a gente precisa de ar. Aí eles vieram com essa tela mais fina”.
Doria também deu uma maquiada em um decreto de Haddad ao
retirar um veto à remoção de “papelões, colchões, colchonetes, cobertores,
mantas, travesseiros, lençóis e barracas desmontáveis dos moradores de rua” –
provavelmente mais uma ação do Cidade Linda. Na frente das câmeras, o prefeito
abraça a população de rua. Longe delas, dá liberdade para a Guarda Civil
Metropolitana roubar os bens de quem já não tem quase nada.
A maquiagem parece ser mesmo a principal ferramenta de
trabalho da gestão Doria. As avenidas Paulista e 9 de Julho passaram por uma
operação tapa-buraco, mas, em duas semanas, alguns buracos já reapareceram – o
que significa que mais dinheiro será gasto para consertar a maquiagem. A
eficiência e a produtividade da iniciativa privada prometidas pelo novo prefeito
ainda não saíram do discurso.
Doria não achava bonito os murais de grafite da avenida 23
de maio e teve a grande ideia de pintar tudo de cinza. Deixar a cidade ainda
mais cinzenta pareceu genial na mente do prefeito. Como parecia óbvio, ninguém
gostou do resultado. Nem ele. Mas um bom gestor toma decisões rápidas e a
prefeitura já anunciou que irá trazer de novo o colorido através de um
“Festival de Grafite com artistas selecionados e materiais fornecidos pela
gestão”. Ou seja, a exemplo da operação tapa-buraco, gastou-se dinheiro público
para pintar de cinza e agora vai gastar mais pra colocar os grafites de volta.
A isso chamam de boa gestão.
Mesmo assim, Doria não tem dúvidas de que sua administração
já é um sucesso. Nem completou um mês, e o prefeito já estava preparando uma
palestra cujo tema seria “’O impacto de uma gestão eficiente na cidade de São
Paulo’”. A palestra em si já representa grande impacto para os que zelam pela
transparência na administração pública, já que quem a oferecerá é a Lide –
famosa empresa de lobby da família do prefeito.
Os interessados em sentar ao lado do prefeito no evento
deveriam contribuir com R$ 50 mil (quase o dobro do salário de prefeito, de R$
24 mil – valor que o Doria prometeu doar
para entidades carentes). Depois das críticas, o prefeito voltou atrás mais uma
vez e cancelou a palestra, mas continuou negando haver algum conflito ético no
episódio.
Em outra ação cinematográfica, o prefeito de Hollywood
convocou uma coletiva de imprensa para compartilhar sua generosidade. Como se
fosse um apresentador fofo de programa que ajuda pobre na TV, Doria anunciou
que conseguiu emprego de gari para o irmão do vendedor ambulante assassinado
numa estação de metrô. Foi bonito demais. Só faltou um close nos olhos marejados
do prefeito e uma trilha sonora para emoldurar a emoção do momento.
A torcida organizada de Doria segue empenhada em sua defesa.
É uma relação bonita, tal qual Sílvio Santos e seu auditório. A caravana do IG,
um dos portais mais acessados do Brasil, publicou uma propaganda travestida de
editorial com o seguinte título: “Em
menos de 2 semanas, Doria mudou o jeito de governar São Paulo. Para melhor”.
A caravana do MBL também encerou o seu chapabranquismo e já
não consegue mais maquiar aquele apartidarismo de fachada:
Os jovens do MBL provavelmente não se importam com as
promessas que ele não irá cumprir, tais como: congelamento de tarifa de ônibus
(aumentou a tarifa), o fim das filas em creches em um ano (secretário já
sinalizou que não será possível) e o corte de 15% dos contratos com empresas de
ônibus (empresários de ônibus pressionaram e Doria retrocedeu).
Nem vou falar sobre o aumento da velocidade nas marginais –
que contraria a tendência internacional e uma recomendação da ONU –, já que
esta era uma das principais promessas de campanha de um prefeito eleito em
primeiro turno com amplo apoio da população paulistana. Para provar que a
decisão foi correta, a prefeitura apresentou essa semana números bastante
diferentes do relatório apresentado pela CET no ano passado. Segundo a nova
contabilidade, as mortes por acidentes nas marginais mais que triplicaram
depois da redução de velocidade. A prefeitura não explicou a mudança drástica
nos números, o que me leva a acreditar que esta maquiada é mais uma ação do
projeto Cidade Linda.
Por enquanto, Doria só mostrou eficiência em uma área:
marketing. Fez cosplay de diversas profissões, convocou coletiva para anunciar
que conseguiu emprego para um único cidadão, participou de mutirões e até virou
cadeirante por um dia. Não nego a importância de gestos simbólicos por parte
dos nossos representantes, mas Doria exagera, espetaculariza e faz da
prefeitura o seu programa de auditório. Agora só está faltando vestir aquele
terninho impecável, esquecer um pouco dos holofotes e encarnar a profissão
prefeito. Se formos levar em conta o seu primeiro mês de gestão, Doria já
merece um imenso latifúndio plantado de pau-brasil.
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