No início da década de 1970, Carlos Lacerda (1914-1977), o
ex-governador do extinto estado da Guanabara, atual Rio de Janeiro, disse ao
filho, Sebastião: “Pega essa mala aí, está cheia de fotografias muito
interessantes do Rio.” O objeto, relembra Sebastião Lacerda, 74 anos, era
“horrível, de plástico azul, esquisitíssimo.” Dentro, havia 510 fotos, a
maioria em slides de vidro e poucas de celulóide, além de umas 40 reproduções.
“Meu pai se deu ao trabalho de embrulhar em papel de seda e identificar, a mão,
cada uma.” Sebastião guardou a mala em meio a outros móveis, com o propósito de
examinar tudo com calma, mais tarde. E só a reabriu 40 anos depois, em 2014. O
acervo foi vendido ao Instituto Moreira Salles (IMS) e será disponibilizado
para o público, na internet, no segundo semestre. “É uma bonita coleção. Mostra
como era a vida nas ruas do Rio nos primeiros 30 anos do século 20.”
PRECIOSIDADES
“O potencial de informação de cada foto é muito relevante”,
diz Sergio Burgi, 60, coordenador de fotografias do IMS. Ele comanda o processo
de identificação, recuperação e digitalização do material – que dedica quase a
metade dos cliques ao Morro do Castelo, no centro, e a agonia de seu processo
de demolição. A derrubada do Morro, região em que o Rio começou a nascer, levou
junto as primeiras construções do século 16. O restante do acervo é variado: há
registros de concursos de miss, flagrantes do jurista Rui Barbosa, do Conde
d’Eu e de Santos Dumont, além de bastidores que desmontam lendas. Muitos
acreditam que o presidente Getúlio Vargas (1882-1954) viajou, com seus
liderados da Revolução de 30, do Rio Grande do Sul até o Rio de Janeiro a
cavalo. Mas a verdade foi registrada pelas lentes: todos vieram de trem,
inclusive os animais. “Na estação Central do Brasil é que eles montaram nos
cavalos para a famosa cavalgada até a Avenida Rio Branco”, diz Burgi. Uma das
fotos de maior impacto é a da cabeça da estátua do Cristo Redentor no chão do
sítio de Heitor Levy, em São Gonçalo, aguardando o momento de se juntar ao
corpo e subir para o Corcovado, em 1931.
Pouco mais de 100 fotos já foram publicadas no livro Rio
Belle Époque (Bem-Te-Vi), assinado por Sebastião Lacerda e Alexei Bueno,
lançado em 2015. O restante é inédito. O lamentável é que os trabalhos não
sejam assinados. “Estamos pesquisando em revistas da época, como Fon Fon e
Careta e O Cruzeiro”, diz Burgi.
A história em imagens
> Quantidade: 520 fotos
> Período: entre final da década de 10 e começo dos anos
1930
> Foco: metade do acervo é sobre o Morro da Conceição; a
outra parte é documentação urbana do Rio
> Material: maioria é slide de vidro. Poucas fotos em
papel
> Acesso: no segundo semestre, será disponibilizado na
internet
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