Da ISTOÉ
O personagem que estampa a capa desta edição de ISTOÉ
chama-se Davincci Lourenço de Almeida. Entre 2011 e 2012, ele privou da
intimidade da cúpula de uma das maiores empreiteiras do País, a Camargo Corrêa.
Participou de reuniões com a presença do então presidente da construtora,
Dalton Avancini, acompanhou de perto o cotidiano da família no resort da
empresa em Itirapina (SP) e chegou até fixar residência na fazenda da
empreiteira situada no interior paulista. A estreitíssima relação fez com que
Davincci, um químico sem formação superior, fosse destacado por diretores da
Camargo para missões especiais. Em entrevista à ISTOÉ, concedida na última semana,
Davincci Lourenço de Almeida narrou a mais delicada das tarefas as quais ficou
encarregado de assumir em nome de acionistas da Camargo Corrêa: o transporte de
uma mala de dinheiro destinada ao ex-presidente Lula. “Levei uma mala de
dólares para Lula”, afirmou à ISTOÉ. É a primeira vez que uma testemunha ligada
à empreiteira reconhece ter servido de ponte para pagamento de propina ao
ex-presidente.
Ele não soube precisar valores, mas contou que o dinheiro
foi conduzido por ele no início de fevereiro de 2012 do hangar da Camargo
Corrêa em São Carlos (SP) até a sede da Morro Vermelho Táxi Aéreo em Congonhas,
também de propriedade da empreiteira. Segundo o relato, a mala foi entregue por
Davincci nas mãos de um funcionário da Morro Vermelho, William Steinmeyer, o
“Wilinha”, a quem coube efetuar o repasse ao petista. “O dinheiro estava dentro
de um saco, na mala. Deixei o saco com o dinheiro, mas a mala está comigo até
hoje”, disse. Dias depois, acrescentou ele à ISTOÉ, Lula foi ao local buscar a
encomenda, acompanhado por um segurança. “Lula ficou de ajudar fechar um
contrato com a Petrobras. Um negócio de R$ 100 milhões”, disse Davincci de
Almeida. A atmosfera lúdica do desembarque de Lula na Morro Vermelho encorajou
funcionários e até diretores da empresa a posarem para selfies com o
ex-presidente. De acordo com Davincci, depois que o petista saiu com o pacote
de dinheiro, os retratos foram pendurados nas paredes do hangar. As imagens,
porém, foram retiradas do local preventivamente em setembro de 2015, quando a
Operação Lava Jato já fechava o cerco sobre a empreiteira. Na entrevista à
ISTOÉ, Davincci diz que o transporte dos dólares ao ex-presidente não foi filho
único. Ele também foi escalado para entregar malas forradas de dinheiro a
funcionários da Petrobras. Os pagamentos, segundo ele, tiveram a chancela de
Rosana Camargo de Arruda Botelho, herdeira do grupo Camargo Corrêa. “O Fernando
me dizia que a “baixinha”, como ele chamava Rosana Camargo, sabia de tudo”,
disse Davincci.
A imersão de Davincci no submundo dos negócios, não raro,
nada republicanos tocados pela Camargo Corrêa foi obra de Fernando de Arruda
Botelho, acionista da empreiteira morto há cinco anos num desastre aéreo. Em
2011, Davincci havia virado sócio e uma espécie de faz-tudo de Botelho. A sintonia
era tamanha que os dois tocavam de ouvido. Foi Botelho quem lhe disse que a
mala que carregava teria como destino final o ex-presidente Lula: “A ordem do
Fernando Botelho era entregar para o presidente. Ele chamava de presidente,
embora fosse ex”. Numa espécie de empatia à primeira vista, os dois se
aproximaram quando Arruda Botelho se encantou com uma invenção de Davincci
Lourenço de Almeida: um produto revolucionário para limpeza de aviões, o UV30.
O componente proporciona economias fantásticas para o setor aéreo. “Com apenas
cinco litros é possível limpar tão bem um Boeing a ponto de a aeronave parecer
nova em folha. Convencionalmente, para fazer o mesmo serviço, é necessário mais
de 30 mil litros de água”, afirmou Davincci.
Interessado no produto químico inventado por Davincci, o
UV30, Botelho abriu com ele uma empresa de capital aberto, a Demoiselle
Indústria e Comércio de Produtos Sustentáveis Ltda. Na sociedade, as cotas
ficaram distribuídas da seguinte forma: 25% para Fernando de Arruda Botelho,
25% para Rosana Camargo de Arruda Botelho, herdeira do grupo Camargo Corrêa,
25% para Davincci de Almeida e 25% para Alberto Brunetti, parceiro do químico
desde os primórdios do UV30. Pelo combinado no fio do bigode, o casal Fernando
e Rosana entraria com o dinheiro. Davincci e Alberto, com o produto. Em janeiro
de 2012, a Camargo Corrêa lhe propôs o encerramento da empresa.
Simultaneamente, a construtora, segundo a testemunha, fez um depósito de US$
200 milhões nos Estados Unidos, no Bank of América, em nome da Demoiselle. O
dinheiro tinha por objetivo promover o produto no exterior e fechar parcerias
com a Vale Fertilizantes, Alcoa, CCR, e outras empresas interessadas na
expansão do negócio. A operação intrigou Davincci. Mas o pior ainda estaria por
vir.
Acidente ou assassinato?
As negociatas também foram reveladas em depoimento ao
promotor José Carlos Blat, do Ministério Público de São Paulo, que ouviu
Davincci em quatro oportunidades. Blat encaminhou os depoimentos à força-tarefa
da Operação Lava Jato, em Curitiba. À ISTOÉ, o promotor disse acreditar que a
Camargo Corrêa possa ter usado Davincci como “laranja”. Outro trecho bombástico
da denúncia de Davincci à ISTOÉ, reiterado ao Ministério Público, remonta ao
acidente fatal sofrido pelo empresário Fernando Botelho no dia 13 de abril de
2012, durante um voo de demonstração, a bordo de um T-28 da Segunda Guerra
Mundial, a empresários africanos, com os quais o acionista da Camargo havia
negociado o UV30 em viagem à África dias antes. Segundo Davincci, Botelho foi
assassinado. O avião, de acordo com ele, foi sabotado numa trama arquitetada
pelo brigadeiro Edgar de Oliveira Júnior, assessor da Camargo e um dos gestores
das propriedades da empreiteira. Conforme o depoimento, convencido de que o
brigadeiro havia lhe dado um aplique, depois de promover uma auditoria interna,
Botelho o demitiu na manhã do acidente durante uma tensa reunião, regada a
gritos, socos na mesa e bate-bocas ferozes, testemunhada por diretores da
Camargo. “O Fernando foi assassinado e o crime tramado pelo brigadeiro Edgar. O
avião foi sabotado”, assegura o químico.
Uma sucessão de estranhos acontecimentos que cercaram a
tragédia chamou a atenção do Ministério Público. Por exemplo: o caminhão de
bombeiros comprado por Botelho exatamente para atender a eventuais emergências
no aeródromo de sua propriedade estava trancado no hangar. “Tive que jogar meu
carro contra a porta para estourar os cadeados. Peguei o caminhão e fui para o
local. Ao chegar lá, as chamas estavam tão altas que não pude chegar muito
perto”, afirmou Davincci. Mas o então sócio de Arruda Botelho se aproximou o
suficiente para conseguir resgatar o GPS, que havia se descolado da parte
externa da aeronave. Porém, o aparelho, essencial para municiar as
investigações com informações sobre o voo, não pôde ser conhecido pelas
autoridades, segundo Davincci, a pedido do brigadeiro Edgar. “Ele tomou o
aparelho das minhas mãos, dizendo que poderia ficar ruim para a família se
entregássemos à investigação, e ainda me obrigou a mentir num primeiro
depoimento à delegacia”. Com a morte de Fernando de Arruda Botelho, o
brigadeiro acabou não tendo seu desligamento da empreiteira oficializado. Já o
ex-sócio, desde então, enfrenta um calvário. “Sofri 11 ameaças de morte”,
contou.
Motivado pelos depoimentos de Davincci, o caso que havia
sido arquivado pela promotora Fernanda Amada Segato em março de 2013 foi
reaberto em setembro do ano passado por ordem da promotora Fábia Caroline do
Nascimento. As novas investigações estão a cargo do delegado José Francisco
Minelli. “Estou na fase da oitiva das testemunhas”, disse à ISTOÉ o delegado.
Dois dos quatro irmãos de Fernando de Arruda Botelho, Eduardo e José Augusto,
suspeitam de que pode ter havido mais do que um acidente. “Vou ajudar a
descobrir a verdade sobre o que aconteceu. Mas um conhecido ligado ao Exército
procurou meu irmão (José Augusto) para dizer que estavam convencidos que não
foi acidente”, disse Eduardo Botelho em mensagem, ao qual ISTOÉ teve acesso,
enviada em janeiro para Davincci.
Irmão de Botelho atesta relato
Por telefone, de sua fazenda em Itirapina, Eduardo Botelho
revelou à reportagem de ISTOÉ comungar dos indícios apontados pelo ex-sócio do
irmão morto em 2012. “O nível de nojeira da equipe que comandava os negócios do
meu irmão era muito grande. Tudo o que aconteceu naquele dia do acidente aéreo
foi estranhíssimo. Meu irmão estava sendo roubado. Como ele não tinha controle
do que acontecia com o avião, ele pode ter sido sabotado sim. Era fácil sabotar
o avião. Ele era da Segunda Guerra. Podem ter mexido no avião no dia da queda”,
disse Eduardo Botelho. “Se ele não tivesse morrido naquele dia, iria fazer uma
limpeza gigantesca nas fazendas da Camargo”, asseverou o irmão, que rompeu
relações com Rosana Camargo, a viúva, há algum tempo. “Uma máfia cercava meu
irmão. Como pode um gerente de fazenda que ganha R$ 4 mil comprar quatro casas
num condomínio fechado em São Carlos?”, perguntou Eduardo. Sobre Davincci,
confirmou que ele e seu irmão eram realmente muito próximos e que, desde a
morte de Fernando de Arruda Botelho, os antigos sócios dedicam-se a tentar
tomar a empresa dele. “Ele (Davinci) morou na minha casa aqui na fazenda. Meu
irmão dizia que eles iriam fazer chover dinheiro com o produto. Depois que meu
irmão morreu, tentaram quebrar a patente, criaram outras empresas similares à
Demoiselle. Tudo para tirá-lo da jogada”, confirmou.
Uma das empresas às quais o irmão do ex-acionista da Camargo
se refere está sediada em São Paulo. No endereço mora Rosana, a bilionária
herdeira da segunda maior construtora do País, que, por meio de seus advogados,
se disse alvo de “crimes de calúnia, difamação e injúria por parte de
Davincci”. “Ele responde a diversas ações judiciais, já tendo sido obrigado
pela Justiça a cessar a divulgação de ameaças”, afirmou o advogado Celso
Vilardi. A Muniz e Advogados Associados, que também representa a Camargo
Corrêa, diz que Edgard de Oliveira Júnior, em razão dos desentendimentos entre
os sócios, deixou espontaneamente a sociedade que mantinha com Davincci. “A
empresa foi dissolvida, liquidada e a patente colocada à disposição”, afirma.
Procurada para confirmar a negociação intermediada por Lula, conforme
depoimento de Davincci, no valor de R$ 100 milhões, a Petrobras não respondeu
até o fechamento desta edição. William Steinmeyer, da Morro Vermelho, confirma
que conhece Davincci (“um cara excêntrico”), mas jura que não recebeu qualquer
encomenda dele.
Desde o último mês, a empreiteira se prepara para
incrementar sua delação premiada ao Ministério Público Federal. As novas – e
graves – revelações, trazidas à baila por ISTOÉ, deverão integrar o glossário
de questionamentos aos executivos da empreiteira pelos procuradores da Lava
Jato.
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