Criada em 1560, a Câmara Municipal de São Paulo (CMSP)
esperou quatro séculos para testemunhar a chegada de uma mulher, com a eleição
de Elisa Kauffmann Abramovich (veja matéria na pág. 18), em 1947. Hoje, os
homens ainda ocupam cerca de 90% das cadeiras do Legislativo paulistano,
mostrando que a luta das mulheres pela igualdade na participação política ainda
está longe de terminar.
É uma batalha que começa no século 19, com o aparecimento
das primeiras feministas brasileiras, inspiradas em movimentos europeus e
norte-americanos. A Constituição Republicana de 1891, na mesma linha de outras
da América Latina, nem se dava ao trabalho de proibir o voto feminino, já que
apenas os homens eram considerados cidadãos. Na época, algumas militantes
tentaram usar essa brecha para obter o direito ao voto na Justiça ou pressionar
pela criação de novas leis, mas a resistência dos homens que dominavam a
política era feroz.
Mulheres nunca poderão votar, porque possuem “cérebros
infantis”, sofrendo de “inferioridade mental” e “retardo evolutivo” em relação
aos homens – era o que argumentava o deputado Tito Olívio (lembrado por Augusto
C. Buonicore em estudo incluído no livro Voto Feminino & Feminismo). A
maioria dos inimigos do voto feminino, contudo, preferia argumentos mais
condescendentes, dizendo que a mulher deveria continuar a exercer o seu nobre
papel de “rainha do lar”, evitando se meter em algo tão prosaico como a
política.
A primeira vitória ocorreu em 1928, quando o governo do Rio
Grande do Norte aprovou o direito ao voto feminino, abrindo passagem para a
eleição da primeira vereadora e da primeira prefeita (veja mais na pág. 23).
Para as outras mulheres do País, a conquista só chegou em 1932, com a
promulgação do novo Código Eleitoral.
Clubes do Bolinha
Na Câmara Municipal de São Paulo, os efeitos dessa conquista
só iriam aparecer 20 anos depois. A primeira eleição para vereadores com participação
feminina, em 1936, escolheu apenas homens. No ano seguinte, veio a ditadura do
Estado Novo, que fechou os Parlamentos. O Clube do Bolinha parlamentar só seria
desfeito com a vitória de Elisa, em 1947 – que, mesmo assim, foi cassada antes
de tomar posse. Mulher no Plenário, mesmo, é algo que o Legislativo paulistano
só foi conhecer em 1952, com Anna Lamberga Zeglio, primeira mulher a ser
empossada vereadora na cidade. Na mesma legislatura (que durou até 1955), a
suplente Dulce Sales Cunha Braga assumiu no lugar de Estanislau Rubens do
Amaral, iniciando, assim, uma longa carreira política, que a levaria até o
Senado.
Nos anos seguintes, as mulheres, ainda que em minoria,
estiveram presentes em quase todas as legislaturas, menos entre 1973 e 1977,
quando os paulistanos voltaram a reeditar o Clube do Bolinha parlamentar,
elegendo apenas homens. Em 1961, Ruth Guimarães tornou-se a primeira mulher a
ocupar cargo na Mesa Diretora, como 3ª secretária. Outro marco da época foi a
eleição da primeira vereadora negra, Theodosina Rosário Ribeiro, em 1968. Ela
ainda seria eleita a primeira deputada estadual negra por São Paulo, em 1970. Atualmente, a Mesa Diretora da Câmara abriga uma mulher:
a 2ª vice-presidente Edir Sales (PSD).
Lei que não pega
“O déficit de mulheres nos cargos de poder e de
representação política é fruto de um sistema patriarcal caracterizado pelo
monopólio do poder político, militar e econômico nas mãos dos homens,
assegurado mediante o controle físico e ideológico exercido sobre o corpo e a
vida das mulheres na esfera privada e pública”, afirma a advogada Isadora
Brandão Araújo da Silva, da Marcha Mundial das Mulheres, em artigo publicado no
relatório Direitos Humanos no Brasil 2012, da Rede Social de Justiça e Direitos
Humanos. Para Isadora, os partidos políticos tendem a reproduzir os mesmos
limites para a participação feminina. “São atribuídas às mulheres tarefas
subvalorizadas, como as de secretariado e logística, ao passo em que são
alijadas das instâncias de formulação política, deliberação e articulação.”
Na busca de abrir mais espaço para as mulheres na política,
o relatório destaca o papel das leis que implantaram as cotas de gênero. A Lei
9.100, de 1995, obrigou os partidos a reservar pelo menos 20% das vagas para
candidaturas de mulheres. Em 1997, a Lei 9.504 aumentou o percentual das vagas
para 30% (para candidaturas de cada sexo).
Foi uma lei que demorou a pegar. Entendendo que a cota
mínima de mulheres deveria ser calculada sobre o número de candidaturas que
cada partido poderia lançar, e não sobre o número real de candidaturas, a
maioria dos partidos passou anos sem atingir a cota mínima de mulheres
candidatas. Nas eleições municipais de 2008, por exemplo, as candidaturas
femininas eram apenas 19,84% do total.
A situação só mudou após uma resolução do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), em 2011, deixar claro que a cota de 30% valia para o número de
candidatos inscritos pelos partidos, e não para o número dos que poderiam se
inscrever. Nas eleições de 2012, segundo o TSE, foi a primeira vez em que a
participação feminina atingiu a cota prevista na lei, chegando a 32,57% das
candidaturas a vereador.
As seis vereadoras que atuam hoje na Câmara paulistana
correspondem a 10,9% do Parlamento, abaixo das médias do continente americano
(25,2%) e do mundo (21,8%). “A participação feminina na política, do ponto de
vista formal dos cargos eletivos, ainda é muito baixa. Enfrentamos uma política
que não abre espaço para as mulheres”, afirma a militante feminista Maria
Amélia de Almeida Teles, autora de Breve História do Feminismo no Brasil.
Para Amélia, a política de cotas é fundamental, mas só vai funcionar
quando os partidos investirem para valer na formação e na mobilização feminina.
Ela também acredita que não dá para integrar as mulheres sem criar horários de
reuniões que respeitem a lógica da dupla jornada, por exemplo. “Muitos partidos
buscam aplicar a lei de forma burocrática, chamando mulheres só para preencher
vagas, e não para ganhar eleição”, diz. Enquanto isso não mudar, “continuaremos
a ter uma política toda feita por homens para homens”.
Por Fausto Salvadori, da revista Apartes
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