O Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela, máxima
instituição do Judiciário e controlado pelo chavismo, assumiu nesta
quinta-feira (30) as funções da Assembleia Nacional. A decisão, classificada
pela oposição de "golpe de Estado", agravou a crise política no país.
Desde o início de 2016, a Justiça venezuelana considera que
o Legislativo, sob controle da oposição, age em desacato à Constituição por ter
juramentado três deputados do Estado de Amazonas acusados de fraude eleitoral.
Embora a Câmara tenha exonerado os parlamentares posteriormente, o TSJ diz que
o ato não foi formalizado.
Os três legisladores eram importantes porque, com eles, a
oposição tinha a maioria qualificada de 112 das 167 cadeiras da Casa (dois
terços). Isso permitiria aprovar emendas à Constituição, mudar leis orgânicas,
como a de controle de preços, e inclusive remover a cúpula do próprio TSJ.
"Enquanto persistir a situação de desacato e invalidez
das ações da Assembleia Nacional, esta Sala Constitucional garantirá que as
competências parlamentares sejam exercidas diretamente por esta sala ou pelo
órgão que ela definir, a fim de preservar o Estado de Direito", diz
sentença publicada pelo TSJ na noite de quarta (29).
Na prática, isso significa que, por um prazo indeterminado,
o tribunal pode escrever as próprias leis ou indicar um órgão que passe a
legislar no lugar da Assembleia.
O gesto ocorre dois dias depois de o TSJ retirar a imunidade
dos congressistas e autorizar o governo do presidente Nicolás Maduro a
processar opositores por crimes militares e de terrorismo.
Opositores protestaram diante do TSJ e entraram em confronto
com a polícia. Em outros pontos de Caracas, manifestantes bloquearam rodovias.
Não foi divulgado se houve feridos nesses atos.
O presidente do Legislativo, Julio Borges, declarou que a
decisão é um "golpe de Estado" e dá a Maduro "poder de fazer o
que quiser".
Borges também pediu que as Forças Armadas reajam e convocou
manifestações para o sábado (1º)."Esperamos que o povo nos acompanhe.
Sabemos que há medo e repressão, mas este é o momento para nos levantarmos. A
Venezuela tem fome de comida, justiça e liberdade."
O governista PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela)
considera a sentença necessária para "preservar o Estado de Direito ante o
desacato do Legislativo".
O deputado Diosdado Cabello, número dois do chavismo, atacou
os "lacaios da direita e o imperialismo norte-americano" que, para
ele, pedem uma intervenção militar. Maduro não se manifestou até o momento.
REUNIÃO DA OEA
O secretário-geral da OEA (Organização dos Estados
Americanos), Luis Almagro, classificou de "autogolpe" a decisão do
TSJ e convocou reunião urgente do Conselho Permanente da organização.
"As sentenças da Suprema Corte são os últimos golpes
com os qu o regime subverte a ordem constitucional. Aquilo que vínhamos
advertindo infelizmente se concretizou."
Na terça (28), os membros da OEA se reuniram em Washington,
após pedidos de Almagro e da oposição venezuelana, para discutir a suspensão do
país por violar a Carta Democrática Interamericana.
O encontro terminou sem acordo, mas 20 países, inclusive o
Brasil, assinaram declaração na qual expressaram "preocupação" com a
crise e reconheceram a autoridade da Assembleia. Os chavistas comemoraram a
falta de quórum para uma punição.
Desde que comanda a Assembleia, a oposição tenta antecipar
as eleições presidenciais, marcadas para o final de 2018. O primeiro recurso
foi tentar convocar um referendo que revogaria o mandato de Maduro, mecanismo
previsto na Constituição.
Em outubro, porém, a Justiça bloqueou o processo para a
consulta, impedindo que houvesse a votação antes de 10 de janeiro, quando o
presidente chegou a dois terços de seus seis anos de mandato. A partir daí, se
Maduro fosse derrubado, quem assumiria é seu vice, hoje o chavista radical
Tareck el-Aissami.
Eleições locais, que deveriam ter ocorrido em dezembro,
também foram adiadas duas vezes: uma em outubro, sob a justificativa de falta
de verba, e outra em fevereiro, para recadastramento de partidos.
REAÇÕES
Em nota divulgada nesta quinta (30), o Itamaraty
"repudiou a sentença" do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da
Venezuela e a considerou um "claro rompimento da ordem
constitucional".
"As decisões do TSJ violam [o princípio da
independência dos poderes] e alimentam a radicalização política no país",
diz o documento.
O Brasil afirmou, porém, que "a responsabilidade
primária de inverter o rumo da crise cabe hoje ao próprio governo
venezuelano".
O governo dos EUA acusou o TSJ de "usurpar" os
poderes do Legislativo e "romper as normas democráticas e
constitucionais".
"Nós consideramos [a decisão da corte] um retrocesso
sério para a democracia na Venezuela", diz um comunicado do Departamento
de Estado americano.
Em conversa com jornalistas na quarta-feira (29), um alto
funcionário do Departamento de Estado deixou claro que os EUA apostam na OEA
(Organização dos Estados Americanos) como o "veículo apropriado para
tentar considerar os próximos passos" sobre a Venezuela.
Questionado pela Folha sobre que papel o governo Trump
espera do Brasil diante da crise no país vizinho, o diplomata disse que
Washington não vai "ditar" um papel específico para o governo
brasileiro, mas que espera o apoio do Brasil à OEA "como o canal
apropriado para buscar uma solução".
Em protesto às ações do governo venezuelano, a chancelaria
do Peru anunciou a "retirada de maneira definitiva" de seu embaixador
em Caracas. O presidente peruano, Pedro Pablo Kuczynski, afirmou que "a
América Latina é democrática" e que "é inaceitável o que está
acontecendo na Venezuela".
A ministra de Relações Exteriores venezuelana, Delcy
Rodríguez, rebateu, afirmando que "rechaça o apoio grosseiro do governo
peruano aos setores violentos e extremistas da Venezuela" e citou um
"plano da direita na região para atacar o sistema democrático venezuelano".
A Chancelaria da Argentina expressou sua
"preocupação" com a situação na Venezuela e pediu que o governo
"retome o diálogo" para resolver a crise no país.
O ministro de Relações Exteriores do Chile, Heraldo Muñoz,
também manifestou preocupação "ante o agravamento da crise política".
Horas depois, a presidente Michelle Bachelet convocou o embaixador chileno em
Caracas para consultas.
A Chancelaria da União Europeia disse que a separação de
poderes é crucial para retomar a estabilidade e pediu um "calendário
eleitoral claro e respeito à Assembleia".
Diferentemente do informado anteriormente, o órgão eleitoral
venezuelano cancelou duas vezes as eleições regionais: em outubro e fevereiro,
não em dezembro. Apenas na segunda a justificativa foi recadastramento dos
partidos.
A Justiça venezuelana também não suspendeu a votação da
Assembleia Nacional pelo abandono de cargo de Maduro. O TSJ proibiu, mas a
votação ocorreu, embora tenha sido anulada dias depois.
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