Da ISTOÉ
Um réu sem argumento é como um rei despido. Seus súditos,
inebriados pelo poder que um dia ele já exerceu e pela imagem imaculada de
outrora, o enxergam como se seu corpo estivesse crivado de ouro. Mas o rei está
nu, sua alma desvelada, exposta ao constrangimento. Como suas palavras não
correspondem mais aos fatos, ele busca táticas escapistas de modo a fugir da
realidade. Só que a maioria, à exceção de seu séquito cada vez mais restrito, o
vê como ele realmente é. Assim é o réu Luiz Inácio. Na última semana, numa
tentativa de livrar-se de uma condenação cada vez mais próxima, o petista
assentou sua estratégia em três pilares: o tapetão, a procrastinação e o circo.
Foi mal sucedido. Antes, durante e depois do interrogatório conduzido pelo juiz
Sergio Moro, Lula escancarou a todos sua carência de argumentos e, sobretudo,
sua fragilidade moral. Flagrantemente aturdido, agindo como quem realmente tem
culpa no cartório, o réu mentiu, recorreu a evasivas, ao já clássico “não sei
de nada” e transferiu a responsabilidade pelo tríplex à falecida esposa, Dona
Marisa. Segundo Lula, ela chegou a alimentar o desejo de adquirir o imóvel no
litoral para investimento. “Não sei se o
senhor tem mulher, mas nem sempre elas perguntam pra gente o que vão fazer”,
tergiversou o petista.
Enquanto o juiz Sergio Moro estava munido de agendas e de
uma fartura de documentos, Lula, movido por uma espécie de compulsão pela
mentira, combatia a realidade. Por exemplo, quando insistiu que não tinha ascendência
sobre o PT. O próprio petista reconheceu que, em 2014, convocou o ex-diretor da
Petrobras, Renato Duque, indicado pelo PT, para duas conversas num hangar do
aeroporto de Congonhas. O objetivo era “dar-lhe uma reprimenda”. Na conversa,
Lula foi direto: “Tenho visto na imprensa que você tem contas no exterior. Você
tem contas no exterior? Ele disse que não tinha e para mim acabou aí”. O juiz,
então, questionou Lula sobre o que o levou a inquirir Duque e não outros
ex-diretores da Petrobras, como Paulo Roberto Costa, ao que o réu respondeu,
entrando em contradição: “O Duque tinha sido indicado pela bancada do PT”. Ora,
Lula exercia ou não influência sobre o partido? Se não exercia, por que
resolveu dar uma dura em Duque, apadrinhado pelo partido? A delação do
ex-marqueteiro João Santana, tornada pública na quinta-feira 11, forneceu a
resposta definitiva, ao confirmar o relato de outros delatores. Segundo
Santana, “Lula sabia e dava a palavra final como chefe”.
As mentiras do réu
O réu Luiz Inácio também faltou com a verdade ao dizer que
só soube do tríplex em 2005, quando Marisa adquiriu uma cota do imóvel, e em
2013, ocasião em que o presidente da OAS, Léo Pinheiro, lhe falou sobre o
apartamento. Ocorre que durante esse tempo todo o imóvel já constava em sua
declaração do Imposto de Renda. E, em 2010, depois de reportagem do jornal O
Globo, uma nota oficial emitida pela Presidência da República confirmou que o
então presidente era sim dono do imóvel. Lula só passou a negar a propriedade
do apartamento depois que a OAS foi envolvida no escândalo da Lava Jato, em
2014. À primeira pergunta do juiz, Lula foi logo dizendo: “Não solicitei, não
paguei e não tenho tríplex”. Estava treinado para isso. Ao tentar justificar o
que foi fazer no imóvel em fevereiro de 2014 acompanhado pelo presidente da
OAS, Léo Pinheiro, e de sua mulher Marisa, Lula voltou a se complicar. “Estive
lá e coloquei 500 defeitos no apartamento”. Quando o juiz quis saber se ele
havia comunicado a Pinheiro a intenção de não ficar com o tríplex, o petista se
embaraçou: “Não comuniquei. Ele disse que iria analisar o que poderia fazer e
depois me falaria, mas nunca mais conversamos sobre o assunto”. Tratou-se de
mais uma mentira, porque na sequência Dona Marisa e seu filho Fábio Luiz
comandaram as reformas no apartamento. “Sua mulher voltou ao apartamento
depois?”, quis saber Moro. O réu, acuado, respondeu: “Parece que sim”. “Parece
ou foi?”, replicou o juiz. “Me parece que ela foi lá com meu filho Fábio em
agosto, mas ela não me falou nada. Soube pelo meu filho”. “Parece, quem sabe,
talvez, não sei de nada” foram as expressões mais utilizadas pelo réu Luiz
Inácio quando confrontado com questões que o incriminavam. Só o termo “não sei”
foi usado 82 vezes. Já nas situações em que ele não estava envolvido
diretamente, Lula demonstrava memória de elefante: “Quem indicou o Jorge Zelada
para a diretoria da Petrobras foi o PMDB”, disse sem titubear.
De antemão, Lula já sabia que não teria argumentos jurídicos
para enfrentar Moro. Por isso, seus advogados fizeram uma verdadeira maratona
nos tribunais. Estava em curso a estratégia do “tapetão”. No total, sua banca
impetrou sete habeas corpus no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) e
no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Lula perdeu todas. Primeiro, tentaram
tornar o juiz Moro incompetente para julgar o caso. Depois quiseram adiar a
audiência, alegando que não haviam tido tempo para analisar documentos
recebidos da Petrobras. A defesa alegou ser “materialmente impossível” analisar
o processo – “5,42 gigabytes de mídia e cerca de 5 mil documentos estimados em
cerca de 100 mil páginas” – até a data do depoimento. Esse é o típico caso,
como dizia Tancredo Neves, em que a esperteza foi demais e engoliu o dono: a
documentação que a Petrobras anexou ao processo foi requerida pela própria
defesa e não estava relacionada aos contratos indicados na denúncia. Desta vez,
a tática era da “procrastinação”. “Não há ilegalidade no não fornecimento de
contratos e documentos que não digam respeito às imputações não contidas na
denúncia”, explicou o juiz federal Nivaldo Brunoni. Em seguida, quiseram filmar
a audiência com equipe própria, ignorando o fato de que a Justiça do Paraná
divulga todos os vídeos das audiências no site oficial do tribunal impreterivelmente
meia hora depois de terminada a sessão. Ao fim e ao cabo, os advogados do
petista recorreram à Justiça para conseguir entrar na sala de audiências
portando celulares. Todas as exigências de Lula foram reprovadas.
Pena de 20 anos de prisão
Juridicamente num beco sem saída, o réu Luiz Inácio procurou
espetacularizar o evento. Mas não conseguiu transformar o interrogatório num
comício, como fizera em seu primeiro depoimento à Justiça de Brasília. Quando
tentou politizar o discurso, foi admoestado por Moro, que lembrou-lhe que ele
não estava lá para “fazer balanço” de governo. De fato, o estratagema do
“circo” não rendeu como esperado. No Aeroporto Afonso Pena, em São José dos
Pinhais, o petista desembarcou de jatinho para poder ser recebido pela
militância. O avião de prefixo PR-BIR, pertence ao ex-ministro Walfrido Mares
Guia, também réu no mensalão mineiro. Um vôo fretado de São Paulo a Curitiba
custa em média R$ 20 mil, mas Lula novamente pediu favores a um amigo. A
polêmica da viagem a jato não foi compensada pelo benefício. A carreata até o
fórum de Curitiba constituiu um fracasso de público: somente 48 pessoas o
acompanharam. Depois da audiência, Lula foi aguardado por cinco mil pessoas –
bem menos do que as 50 mil esperadas inicialmente. Em seu discurso para a
militância, chorou lágrimas de crocodilo. “Quero ser julgado pelo povo”,
entoou.
O petista foi o último dos sete réus da ação do tríplex a
ser ouvido pelo juiz Sergio Moro. O magistrado abriu prazo de cinco dias para
que os advogados das partes anexem os últimos documentos necessários. No
próximo dia 16, Moro vai abrir prazo para que a defesa e o Ministério Público
Federal façam as considerações finais. O prazo termina no dia 31 de maio. A
partir daí, o juiz estará pronto para a sentença, possivelmente até o final de
junho. Lula é acusado de corrupção passiva e lavagem de dinheiro por ter
recebido R$ 3,7 milhões da OAS – para a aquisição do tríplex e para o pagamento
da Granero pela mudança a São Paulo, quando deixou a Presidência. A estimativa
de advogados especialistas na Lava Jato é que ele possa ser condenado a 20 anos
de prisão.
O depoimento, as circunstâncias que o cercaram, bem como as
estratégias adotadas pelo petista para não encarar a realidade dos fatos,
deixaram claro: Lula não é inocente. Confirmada a condenação por Moro, Lula
poderá recorrer à segunda instância. Em geral, o TRF4 leva de seis meses a um
ano para despachar sobre um recurso. Por isso, a tendência é que até junho do
ano que vem Lula possa ter a pena confirmada. Condenado em segunda instância,
torna-se automaticamente um “ficha-suja”, razão pela qual não poderá disputar
as eleições em 2018. Seu destino pode ser a cadeia. Por isso, o réu Luiz Inácio
é hoje um personagem que desperta comiseração: um político que hoje busca
alcançar a todo custo o Palácio do Planalto. Não para governar um País e
fazê-lo retomar a trilha da prosperidade, mas para servir-lhe de refúgio
jurídico, tornando-o imune a processos criminais, condenações e prisões. E
saciar sua vingança contra opositores, agentes públicos e a imprensa. Como
dizia Voltaire, no entanto, quem se vinga depois da vitória é indigno de
vencer.
Terceirizar a culpa para alguém que já faleceu,
principalmente quando esta pessoa é sua mulher, constitui o cúmulo da apelação.
Primeiro porque ela encontra-se impossibilitada de fazer sua defesa. Depois,
porque é de uma perversidade sem igual. No dialeto chulo de presidiários, o
comportamento de Lula se traduz pela frase: “joga tudo no morto”. No caso, na
esposa morta. “As afirmações em relação à Dona Marisa é um tanto triste de se
ver feitas”, lamentou o procurador Carlos Fernando dos Santos. Nas redes
sociais, a sociedade também reagiu indignada. E com razão.
Para ampliar a gravidade do gesto, trata-se de uma mentira
deslavada. Ao transferir o peso da responsabilidade pelas negociações do imóvel
à esposa morta, o petista conferiu à companheira de quatro décadas um papel que
ela jamais e em tempo algum exerceu: a da mulher que cuida das finanças e do
patrimônio do casal. O perfil “Marisa investidora” não guarda qualquer conexão
com a realidade. Quando Lula era presidente da República, a entourage do
governo fazia questão que Dona Marisa mantivesse uma distância regulamentar do
governo e das negociatas – políticas ou não – do marido. A esposa formava a
retaguarda afetiva de Lula. Avocou para si a tarefa de cuidar do jardim,
plantar horta, de se preocupar com a dieta do marido e cuidar dos filhos e
netos. “Vamos, bem. O menino está sem chave”, disse, certa feita, Marisa,
interrompendo Lula num churrasco oferecido aos amigos. O casal deixou o evento
de mãos dadas para, juntos, abrirem a casa onde moravam ao filho caçula, antes
de o petista alcançar o poder. Na última semana, esse elo, definitivamente, foi
quebrado. Por Lula. Triste fim.
O Instituto da Corrupção
Há uma expressão popular que se aplica até hoje: “O peixe
morre pela boca”. Foi justamente uma declaração do ex-presidente Lula em seu
depoimento à Justiça que embasou a determinação do juiz Ricardo Leite, da 10ª
Vara Federal de Brasília, de suspender por tempo indeterminado as atividades do
instituto que leva o nome do petista réu em cinco processos judiciais. Para a
Justiça, o Instituto Lula pode ter sido local da trama de vários crimes, entre
os quais, os relacionados com a Lava Jato. Lula disse que o Instituto virou o
“Posto Ipiranga”, onde se tratava de assuntos nem sempre relacionados com a
entidade.
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