Com o objetivo de ampliar vagas na educação infantil, a
gestão João Doria (PSDB) tem fechado espaços como brinquedotecas e salas de
leitura nas escolas para criar salas de aula para atender crianças de 4 e 5
anos. Professores e especialistas afirmam que essa política de expansão pode
precarizar o ensino.
A medida foi informada às escolas, a partir do final de
março, em e-mail da Secretaria de Educação. Salas de informática e vídeo também
têm sido transformadas em novas classes de pré-escola.
Emenda constitucional de 2009 tornou a matrícula de crianças
de 4 e 5 anos obrigatória. O prazo final para universalizar esse atendimento
acabou no ano passado e o não cumprimento pode provocar questionamentos
judiciais contra a administração.
Segundo a secretaria, 33 escolas passaram por algum tipo de
mudança –de um total de 558. Foram readequadas 11 salas de informática, 5 salas
de leitura e 3 brinquedotecas. Ao todo, diz a gestão, foram criadas 74 turmas
em dois turnos diurnos de seis horas. A pasta diz que a mesma medida ocorreu em
salas de informática na administração passada (leia mais abaixo).
Educadores reclamam que não houve discussão prévia com a
prefeitura e que projetos pedagógicos para esses espaços foram prejudicados.
Pais de alunos da Cemei Capão Redondo (zona sul) foram avisados nesta
quarta-feira (3) que a brinquedoteca deu lugar a uma classe. Na unidade,
funcionam creche (até 3 anos) e pré-escola.
"A professora disse que tiraram a brinquedoteca contra
a vontade dela. É um espaço a menos", diz a dona de casa Angela Rodrigues,
33, mãe de uma aluna.
Na Escola de Educação Infantil Thais Motta, em Taipas (zona
norte), duas classes foram criadas no lugar das salas de leitura e informática.
A direção improvisou a sala de leitura no pátio interno e livros foram
espalhados em outros espaços. Um educador que pediu para não ser identificado
disse que o trabalho pedagógico foi "desrespeitado" e que, em uma
dessas salas, as aulas começaram sem lousa.
Moradora de Taipas, a funcionária pública Aline Febraio, 30,
precisou transferir seu filho de 5 anos para uma escola no bairro e ficou seis
meses à espera de vaga. Conseguiu a matrícula em uma das novas salas abertas.
"Ele até chorava sem ir pra escola, então foi um alívio. Mas não achei a
melhor solução", diz. "Não faz sentido eles ficarem só na sala, era
importante ter esses espaços."
FILA
O desafio dos municípios para expandir a educação infantil
passa por restrições orçamentárias e dificuldade de obter terrenos nas
periferias.
A gestão do ex-prefeito Fernando Haddad (PT) havia prometido
zerar a demanda de pré-escola até o fim de 2016, o que não ocorreu. Houve
aumento no acesso, e o número de escolas do tipo passou de 525 para 558. Mas,
em dezembro passado, 1.269 crianças ainda esperavam vaga. Em março, mês com o
dado mais atual, a fila nessa etapa chegava a 4.352 crianças. A prefeitura
registra 219.451 matrículas em pré-escolas.
Uma decisão judicial de 2013 obrigou a Prefeitura de São
Paulo a criar 150 mil vagas na educação infantil (em creches e pré-escolas). A
Justiça pontuou que a expansão não deveria ocorrer às custas de perda de
qualidade.
Na gestão Haddad, como forma de ampliar o acesso, o número
de alunos por sala foi ampliado, chegando a 35 crianças por sala. Parâmetros de
qualidade do MEC (Ministério da Educação) indicam um limite de 20 alunos.
A pesquisadora Maria Malta Campos, consultora da Fundação
Carlos Chagas, explica que decisões como essa revelam falta de planejamento.
"Para desafogar a pressão por mais vagas, compromete-se a qualidade."
Para ela, as salas ambientes enriquecem as experiências
infantis. "Como o número de crianças por professor ainda é bastante alto,
com esses espaços é possível trabalhar em alguns horários com grupos menores de
crianças." A preparação desses espaços requer dedicação, diz ela.
"Ter que desmontar tudo de uma hora para outra pode gerar desmotivação
para o trabalho e decepção para crianças."
O advogado Rubens Naves, que integra o Grupo de Trabalho
Interinstitucional pela Educação Infantil (Gtiei), diz que a decisão deveria
ser debatida antes. "Se o prefeito, na pretensão de criar vagas, tem que
fechar uma biblioteca cujo projeto é essencial para a escola, ele pode
prejudicar essas crianças", afirma.
PREFEITURA NEGA PREJUÍZO
A secretaria de Educação da gestão João Doria (PSDB)
defendeu que a readequação de espaços para atendimento da demanda não é algo
novo e que, no processo deste ano, foram criadas 2.077 vagas. Outras 6.000
teriam sido geradas apenas com gestão interna.
Segundo a pasta, comandada por Alexandre Schneider (PSD), as
novas classes foram ocupadas por crianças sem vaga ou matriculadas em creches
conveniadas –mas em idade de pré-escola. O atendimento à demanda, diz a
prefeitura, "será efetivado sempre para garantir o direito legal das
crianças".
A pasta afirma, em nota, que metade das Emeis (Escolas
Municipais de Educação Infantil) da rede não possui salas ambiente e o trabalho
"é reconhecidamente de boa qualidade". Segundo a secretaria, 58% das
Emeis não possuem brinquedotecas e 76% não têm salas de leitura.
"O trabalho pedagógico da educação infantil se baseia
na organização dos espaços e do tempo a fim de propiciar experiências
diversas", diz. "Dentro de uma mesma sala as crianças podem ter 'cantinhos
de leitura', brinquedos e jogos, materiais pedagógicos (massa de modelar,
guache etc), instrumentos musicais e, inclusive, equipamentos de
informática."
A secretaria diz que vai providenciar os recursos adequados
para a escola Thais Motta e que, na Cemei Capão Redondo, os alunos ainda
dispõem de parquinho e de brinquedoteca no próprio prédio.
A gestão atual culpa o antecessor Fernando Haddad (PT) por
não ter realizado investimentos. Diz ainda que 71 salas de informática viraram
classes regulares no mandato anterior. "Diante do buraco orçamentário
herdado, o governo está empenhado na definição de recursos para a retomada das
obras."
A equipe do ex-prefeito disse que criou 15.787 vagas em
pré-escola e deixou R$ 5,5 bilhões em caixa. "A dificuldade da atual
gestão em definir prioridades pode ter paralisado obras que foram deixadas em
andamento, o que pode ter gerado um gargalo no objetivo de universalizar o atendimento
da pré-escola."
PERGUNTAS E RESPOSTAS
Por que Doria está substituindo salas pedagógicas por salas
de aula?
A gestão tem priorizado a matrícula de crianças fora da
escola ou que precisam de transferência, uma vez que não há prédios suficientes
para que toda a demanda seja atendida
Qual é a importância desses espaços pedagógicos?
Educadores apontam a importância do uso de espaços
diversificados, além do conteúdo tradicional na sala de aula, para o
desenvolvimento integral das crianças
O que diz a lei?
Emenda constitucional determinou que todas as crianças de 4
a 5 anos do país estivessem na escola até 2016 (antes, a obrigatoriedade
começava aos 6 anos). Decisão judicial de 2013 diz que a prefeitura deve
expandir matrículas mantendo a qualidade
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