Luiz Fernando Janot, O Globo
O que fazer quando o governo do estado e a prefeitura não
dispõem de recursos para obras essenciais? O que fazer quando o governo federal
restringe drasticamente as linhas de crédito e de financiamento? O que fazer
quando o empresariado desiste de investir em parcerias público-privadas pela
falta de viabilidade dos empreendimentos idealizados? Difícil responder
objetivamente a estas questões.
No entanto, temos consciência de que o futuro do Rio poderá
ser mais ou menos auspicioso em função da qualidade das obras realizadas nos
dias de hoje. Nesse sentido, é preciso evitar propostas casuísticas ou
midiáticas nas intervenções planejadas para a cidade. Apesar da preocupante
crise financeira, não dá para esmorecer e muito menos perder a esperança diante
desse conjunto de dificuldades circunstanciais.
É preciso compreender que o Rio de hoje é muito mais
complexo do que no tempo em que ficou conhecido como Cidade Maravilhosa. Com o
passar dos anos, a cidade perdeu o glamour da época em que era a capital federal,
e a sociedade adquiriu um novo perfil sociocultural. No início deste século, o
tradicional Centro Histórico viveu um longo período de ostracismo em
decorrência do fechamento da Bolsa de Valores e da transferência das sedes das
grandes instituições financeiras para São Paulo.
A retomada do seu desenvolvimento só veio ocorrer após a
expansão das atividades da Petrobras. Todavia, a recente crise na estatal
acarretou o fechamento de várias empresas prestadoras de serviços e,
consequentemente, o esvaziamento de inúmeras salas comerciais. Só não
assistimos à total decadência dessa área pelo fato de as edificações
corporativas do Porto Maravilha não terem alcançado o sucesso de venda
imaginado. Era óbvio que não haveria demanda para tanta oferta de imóveis
empresariais.
Em paralelo, uma nova centralidade começou a ser formada na
Barra da Tijuca, incentivada por grandes investimentos públicos e privados —
expansão do metrô, linhas diversificadas do BRT, novos centros empresariais e
comerciais — o que agravou ainda mais o quadro de recessão na área central. A
afirmação de que novas centralidades costumam provocar a decadência edilícia e
urbana dos velhos centros históricos é verdadeira. Basta ver o caso da cidade
de São Paulo.
Geralmente, as soluções propostas para enfrentar esta questão
têm caráter imediatista e não apresentam qualquer preocupação com o
desenvolvimento do restante da cidade. No caso do Rio, enquanto perdurarem as
atuais dificuldades econômicas e financeiras, as administrações estadual e
municipal deveriam concentrar os seus esforços no enfrentamento das mazelas
urbanas e ambientais que resultaram do descaso do poder público e da própria
sociedade ao longo dos anos.
O comprometimento do patrimônio ambiental — poluição da Baía
da Guanabara, das lagoas da Barra da Tijuca, dos rios e canais e o desmatamento
das encostas — reflete uma face dessa realidade. Crimes ambientais associados à
especulação imobiliária — formal e informal — precisam ser controlados com
absoluto rigor. Sabemos que alguns sistemas de tratamento de esgoto utilizados
em condomínios residenciais e comerciais na Barra da Tijuca e arredores não dão
conta do recado. Da mesma forma, que o despejo in natura do esgoto sanitário
das ocupações informais não pode continuar sendo tolerado.
Na verdade, o que falta é um modelo eficaz de planejamento
urbano que pense a cidade globalmente e estabeleça simultaneamente as
diretrizes para as intervenções pontuais localizadas. A partir de um
macrodiagnóstico será possível equacionar os problemas gerais e estabelecer os
vetores adequados para um desenvolvimento urbano sustentável em contraposição
às intervenções urbanas de caráter predatório.
Exigir o projeto executivo nas licitações poderia, sem
dúvida, melhorar a qualidade das obras públicas e dificultar as falcatruas
habituais. Para isso, é necessário barrar no Congresso Nacional a aprovação do
Regime Diferenciado de Contratação (RDC), que permite a contratação integrada
do projeto e da obra com a mesma empreiteira. O projeto executivo deve ser
contratado e elaborado antecipadamente para subsidiar o edital de licitação da
obra.
Em suma, a boa imagem do Rio só será conquistada se houver,
de fato, um esforço solidário entre a administração pública e a sociedade para
evitar que atitudes nefastas possam comprometer em definitivo o que resta da
nossa Cidade Maravilhosa.
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