J.R. Guzzo, VEJA
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, é uma
fotografia ambulante do subdesenvolvimento brasileiro. Não há nada de especial
com ele -- é apenas mais um, na multidão de altas autoridades que constroem
todos os dias o fracasso do país. Mas o ministro habita o galho mais elevado do
Poder Judiciário, e é ali, no fim das contas, que se resolve se o Brasil é
governado sob o império da lei, como acontece obrigatoriamente nas nações bem
sucedidas, ou se, ao contrário, é governado segundo os desejos pessoais dos que
mandam na vida pública, como acontece obrigatoriamente do Terceiro Mundo para
baixo. Com as decisões que tem tomado, tirando da cadeia milionários envolvidos
no maior processo de corrupção da história nacional, Mendes optou por adotar a
figura do grão-magistrado de uma república bananeira — ele e mais outros
tantos, entre os seus dez colegas do STF. Um requisito essencial para bloquear
o desenvolvimento de um país é utilizar a lei para anular a eficácia da própria
lei e eliminar as noções de “justo” e “injusto”. É como funciona, precisamente,
a nossa mais alta corte de Justiça.
Todos sabem o que o ministro Gimar Mendes acaba de fazer.
Soltou o campeão nacional Eike Batista, empresário-modelo dos ex-presidentes
Lula e Dilma Rousseff, preso no Rio de Janeiro por corrupção e outros crimes;
em seguida, foi o voto determinante na decisão de soltar o ex-ministro José
Dirceu, cuja folha corrida não cabe no espaço desta e das demais páginas da
corrente edição. Não se vão discutir aqui, em nenhum dos dois casos, a
hermenêutica, a ideologia, a holística e outras charadas da suprema doutrina
jurídica, que nossos altos magistrados costumam utilizar para dar uma cara científica
às suas sentenças — o autor deste artigo não entende nada de direito e, além do
mais, seria inútil tratar de coisas incompreensíveis para qualquer mente humana
em regime normal de operação (…) O problema do ministro Gilmar Mendes é
muitíssimo mais simples; ele é casado com dona Guiomar Mendes, e dona Guiomar
Mendes trabalha no escritório de advocacia Sérgio Bermudes, do Rio de Janeiro,
muito procurado por magnatas em busca de socorro penal. Um deles é Eike
Batista. Ou seja: “Gil” mandou soltar um cliente do escritório de “Guio”. Pode?
É claro que não.
O ministro, pela interpretação normal da palavra
integridade, teria de ter passado o julgamento de Eike para um de seus colegas;
não pode estar no STF e, ao mesmo tempo, decidir causas em que sua mulher tem
interesses. Ele e seus admiradores alegam que o ato não foi flagrantemente
ilegal. Bom, só faltava que fosse — até as ditaduras mais soturnas tentam
evitar decisões 100% ilegais. Mas foi, com certeza, flagrantemente esquisito.
(…) Mas sempre é possível achar na lei uma pirueta para legalizar aquilo que os
julgadores querem que seja legal; há 500 anos eles estão achando saídas para
tudo. Contrariam o senso mais compreensível de justiça. Transformam qualquer
coisa em fumaça. Têm horror ao que chamam de “pensamento leigo”. Acham a lógica
comum uma ameaça ao estado de direito. Não estão preocupados com fazer justiça.
O que querem é defender os próprios interesses ou — vá lá — suas ideias e suas
vaidades pessoais. É uma história ruim.
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