sexta-feira, 5 de maio de 2017

COM A EXTREMA-DIREITA NÃO SE PODE DEBATER

Do DW
Na noite passada, alguns recordes foram quebrados: o debate entre Macron e Le Pen foi a mais brutal batalha já travada entre dois candidatos à Presidência na história da França. Nunca antes dois líderes se enfrentaram assim de forma tão frontal e agressiva. Além disso, Emmanuel Macron era o mais jovem candidato de todos os tempos, e Marine Le Pen foi responsável pelo maior número de mentiras já contadas em duas horas e meia em frente às câmeras.
O candidato liberal mostrou que tem nervos fortes. Ele estava bem preparado e teve um desempenho melhor do que se esperava. Afinal, combater no corpo a corpo uma oponente tão experiente como Marine Le Pen é como parar um tanque de guerra com as mãos. Mas Macron provou que, por trás de sua fachada levemente intelectual, reside aço.
Ele cortou a fala de Le Pen quase tanto quanto ela cortou a dele, atacou-a como parasita do sistema político, como herdeira de uma dinastia de radicais de direita, como pregadora do ódio e instigadora do medo. E acertou em cheio. Afinal, a estratégia de Le Pen foi clara desde o início: ela inundou seu rival com insultos, acusou-o de pupilo de Hollande e escravo antissocial do mercado financeiro, na esperança de que ele perdesse os nervos. Mas Macron não se abalou – e revidou tanto quanto aturou.
A força do candidato liberal reside na política econômica. Com isso, ele expôs todo o vazio da campanha de Le Pen. Ela não tem ideia de como as empresas operam, o que são divisas, como a economia da França se desenvolve, como combater o desemprego. Neste contexto, Macron colocou a líder da Frente Nacional facilmente contra a parede.
Le Pen, por outro lado, é a encarnação da propaganda. E pouco importa se suas afirmações sequer chegam perto da verdade. O que ela disse sobre o euro, o montante da contribuição francesa na UE ou os benefícios do Brexit – tudo disparates. O verificador de fatos do jornal Le Monde contabilizou dezenove mentiras e falsas afirmações feitas por Le Pen.
Macron, no entanto, acertou em cheio ao acusar Le Pen a respeito de seu chamado programa econômico: ela promete tudo e não diz como pretende financiar nada. Isso é óbvio, pois no cerne de sua política não há qualquer programa, e sim uma ideologia. Com uma enorme máquina de fazer dinheiro por trás.
Na realidade, os cerca de 40% dos eleitores franceses que supostamente deverão escolher Le Pen não podem ser tão estúpidos a ponto de realmente acreditarem nas promessas da Frente Nacional. Mas eles querem muito acreditar nisso tudo. Eles querem ser os maiores e ainda por cima globais: pouco trabalho, aposentadoria antecipada, sem concorrência, e um eterno agitar de bandeiras. No leste Europeu, a consagração do "paraíso dos trabalhadores" já foi motivo de zombaria. Agora, muitos franceses sonham com o paraíso ao estilo dos radicais de direita.
Uma nota de rodapé para o sempre recorrente ódio alemão: Le Pen também culpa a Alemanha pelos problemas econômicos franceses. Para ela, Angela Merkel é a verdadeira soberana da França. Isso não faz sentido: se fosse assim, o país estaria em melhores condições.
O próprio Macron já usou essa jogada, embora de forma um pouco mais sutil. Neste ponto, só tenho uma coisa a dizer: queridos vizinhos, olhem para seus próprios narizes e parem de procurar a culpa sempre nos outros. Vocês são responsáveis por vocês mesmos – e tenho dito.
O grau de entretenimento deste debate foi considerável. Mas teriam os telespectadores aprendido algo? No final, cerca de 61% dos franceses que pretendem eleger Macron no domingo o viram como o vencedor. Ele mostrou que entende alguma coisa de economia, que conhece os fatos e que, se necessário, pode lutar bem abaixo de seu nível.
E quem é eleitor de Le Pen continuará assim mesmo depois dessa disputa reveladora em que ela provou ser uma filha digna de seu pai fascistoide, a rainha dos insultos e da gritaria. Quem gosta disso, quem apoia os lemas nacionalistas, a xenofobia, a exclusão e o patriotismo oco vai votar em Marine Le Pen de qualquer jeito. Com a Frente Nacional, não se trata de compreensão, e sim de fé.
Nenhum debate – nem mesmo o mais afiado e inteligente – é capaz de derrotar uma ideologia como essa. Qualquer paralelo histórico não é mera coincidência. E depois que ninguém na França venha dizer que não sabia.
Barbara Wesel é correspondente da DW em Bruxelas
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