NOVA YORK — O chefe da ONU, António Guterres, fez um apelo
pelos direitos dos jornalistas, num discurso para marcar o Dia Mundial da
Liberdade de Imprensa, celebrado nesta quarta-feira. O secretário-geral, que já
foi premier de Portugal, pediu que os governos e líderes internacionais
garantam que a mídia possa atuar livremente, em favor da paz e da justiça.
— Jornalistas vão aos lugares mais perigosos do mundo para
dar voz aos que não têm vez. Trabalhadores da mídia sofrem com difamação,
violência sexual, detenção, ferimentos e até morte. Nós precisamos de líderes
que defendam uma imprensa livre. Isto é crucial para combater a desinformação predominante.
Além disso, Guterres pediu o fim de medidas de repressão a
jornalistas no mundo todo, sem citar países específicos.
— Uma imprensa livre promove a paz e a justiça para todos.
Quando nós protegemos jornalistas, suas palavras e imagens podem mudar nosso
mundo.
‘LIBERDADE NUNCA TÃO AMEAÇADA’
No fim do mês passado, a ONG Repórteres sem Fronteiras (RSF)
alertou em seu relatório anual que o direito à liberdade de imprensa está sob
forte ameaça não só em regimes autoritários e ditaduras, mas também em países
democráticos. O cenário preocupante foi ilustrado no Ranking Mundial da
Liberdade de Imprensa 2017 da RSF, que denuncia ataques recorrentes à mídia,
leis que limitam a livre expressão e até mesmo violência física. Segundo a
organização, a Europa apresentou a queda mais acentuada do índice em cinco
anos, apesar de ser o continente mais bem posicionado no ranking. Outra
preocupação vem do outro lado do oceano, com a caça aos jornalistas empreendida
pelo presidente americano, Donald Trump, e a deterioração da liberdade de
imprensa e assassinatos de jornalistas na América Latina, advertiu a ONG.
“A liberdade de imprensa nunca esteve tão ameaçada. Em cinco
anos, o índice de referência usado pela RSF sofreu 14% de degradação. Este ano,
cerca de dois terços (62,2%) dos países listados registraram um agravamento de
sua situação”, destaca a organização no relatório divulgado nesta quarta-feira.
De um extremo ao outro no ranking de 180 países, a Noruega
aparece em primeiro lugar, e a Coreia do Norte, na lanterna. Segundo o
documento, em apenas um ano, o número de países nos quais a situação para a
imprensa é considerada como “boa” ou “quase boa” diminuiu em 2,3%. Tanto
Estados Unidos quanto Reino Unido caíram dois pontos, ficando na 43ª e 40ª
posição, respectivamente. Na América Latina, Cuba (173º), México (147º) e
Venezuela (137º) são os países que aparecem entre os últimos no ranking. Já o
Brasil amarga o 103º lugar, embora tenha melhorado uma posição.
— No âmbito mundial, houve uma deterioração geral do índice
global, uma espécie de banalização dos ataques à mídia e a volta da propaganda
política de repressão. Estamos muito preocupados com Trump. Ele já qualificou a
imprensa muitas vezes de inimiga do povo americano. Muitos jornalistas agora
não podem entrar na Casa Branca. Isso é muito grave e não é digno de uma
democracia como nos EUA. O governo (de Barack) Obama também contribuiu para
restringir a liberdade de imprensa — disse ao GLOBO Emmanuel Colombié, diretor
do Repórteres sem Fronteiras para América Latina.
Segundo Colombié, a América Latina está seguindo um caminho
perigoso. Com dez jornalistas assassinados no ano passado, o México é o país
mais mortífero para profissionais da mídia nas Américas, seguido por Brasil,
com três jornalistas mortos em 2017. Chamando o presidente venezuelano, Nicolás
Maduro, de “predador da liberdade da imprensa”, Colombié denunciou ataques
contra a mídia, detenções arbitrárias e censura direta no país.
— A imprensa nacional e internacional tem dificuldade de
trabalhar, jornalistas estrangeiros foram expulsos do país. Além de confiscar
materiais das redações, o governo Maduro controla a produção e entrega de
papel, e muitos jornais tiveram de fechar suas portas — criticou.
TÁTICA DOS ‘ANTISSISTEMA’
O relatório acusa os dirigentes que se consideram
“antissistema” de terem como “arma preferida desacreditar a imprensa”, usando
uma retórica antimídia. Assim como Trump, o ex-chefe do partido anti-imigrante
britânico Ukip Nigel Farage usou dessa tática, travando embates com a imprensa,
segundo o RSF. Sob pretexto de luta contra o terrorismo, o Reino Unido aprovou
no ano passado leis que autorizam a vigilância em massa sem medidas para
proteger jornalistas e suas fontes. E o Brexit (saída do Reino Unido da União
Europeia) também teria contribuído para a deterioração do quadro.
“A chegada ao poder de Donald Trump, nos Estados Unidos, e a
campanha pelo Brexit, no Reino Unido, serviram de trampolins para os discursos
antimídia altamente tóxicos, fazendo com que o mundo entre na era da
pós-verdade, da desinformação e das notícias falsas”, acrescenta o relatório.
Outro caso que chama atenção é o da Polônia, que continua
caindo no ranking, após uma queda de 29 posições em 2016. Segundo a ONG, o
governo conservador polonês instaurou uma série de reformas controversas que
permitiram, sobretudo, submeter a televisão e a rádio estatais ao controle do
Executivo e substituir seus dirigentes imediatamente.
Já na Finlândia, alçada à 1ª posição no ranking há seis
anos, o primeiro-ministro interferiu diretamente nos programas da rádio pública
Yle para que não abordasse mais um possível conflito de interesses no qual ele
estaria envolvido.
O Repórteres sem Fronteiras alerta ainda para a situação na
Turquia, que caiu quatro posições e hoje ocupa o 155º lugar. O país vive um
período de tumulto e repressão principalmente após a tentativa de golpe contra
o presidente Recep Tayyip Erdogan, tornando-se “a maior prisão do mundo para os
profissionais das mídias”.
Devastada por conflitos, a região África do Norte e Oriente
Médio é considerada a mais difícil e perigosa para um jornalista exercer sua
profissão no mundo. Na 176ª posição, a China está entre os países considerados
pela ONG “predadores da liberdade de imprensa”. E a Rússia de Vladimir Putin
permanece na base do ranking, no 148º lugar.
Do O Globo com Rádio ONU
Nenhum comentário:
Postar um comentário