Em julgamento realizado nesta terça-feira (2), a Primeira
Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu a dosimetria (cálculo do tempo
de pena) da condenação imposta em 7 de abril ao deputado Paulo Feijó (PR-RJ)
pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Condenado por
unanimidade, o parlamentar ainda pode recorrer da decisão ao pleno do STF.
A Primeira Turma deveria ter encerrado essa fase do processo
em 18 de abril. Durante o julgamento, o ministro Luís Roberto Barroso,
relator-revisor do processo, abriu um precedente com o entendimento de que cabe
à Mesa Diretora da Câmara declarar a perda de mandato do deputado, e não uma
votação de plenário. Barroso foi acompanhado pelos outros quatro colegas de
colegiado – a ministra-relatora, Rosa Weber; o presidente da turma, Marco
Aurélio Mello; e os ministros Luiz Fux e Alexandre de Moraes. Para eles, a
dimensão da pena estipulada por si só é suficiente para a perda automática do
mandato.
A defesa de Feijó só poderá interpor recurso depois da
publicação do acórdão do julgamento –
espécie de relatório com o detalhamento de cada fase do processo e a
consequente sentença. Vale como contestação da decisão do colegiado, por
exemplo, a apresentação de um embargo de declaração, por meio do qual os
advogados do deputado terão pedido esclarecimentos sobre pontos específicos da
decisão. Qualquer que seja o instrumento recursal, a análise será novamente
feita pelos cinco ministros da Primeira Turma, o que diminui as possibilidades
de mudança do resultado.
A decisão unânime pela perda automática do mandato foi
fundamentada no artigo 55, inciso III, da Constituição Federal – o dispositivo
prevê punição ao parlamentar que, em cada sessão legislativa, faltar a um terço
das sessões plenárias ordinárias, à exceção dos casos em que estiver de licença
de suas atividades ou em missão autorizada pelo Poder Legislativo. Acompanhando
o relator-revisor, os ministros avaliaram que, no caso em questão, a Mesa
determinaria a interrupção do mandato de Feijó.
Luís Roberto Barroso argumentou que, como regra geral, nos
casos em que a condenação judicial exija mais de 120 dias de reclusão em regime
fechado, a declaração automática da perda de mandato é uma decorrência lógica,
uma vez que não será facultado ao deputado o direito de exercer suas funções
legislativas in loco. O magistrado destacou que, nas hipóteses de condenação em
regime aberto ou semiaberto, caberia autorização para o trabalho externo ao
presídio, algo vedado ao regime fechado.
“A Constituição diz, com clareza, que quem faltar mais de
120 dias ou um terço das sessões legislativas perde o mandato por declaração da
Mesa e não por deliberação do plenário. Ora bem; quem está condenado à prisão
em regime inicial fechado, no qual precise permanecer por mais de 120 dias, a
perda tem que ser automática”, ponderou Barroso.
Sanguessugas
O caso envolvendo Paulo Feijó é um desmembramento da
Operação Sanguessuga, da Polícia Federal, que descobriu um esquema criminoso
espalhado por diversos estados que consistia em desvio de recursos públicos por
meio da aquisição superfaturada, por prefeituras, de veículos como ambulâncias
e demais equipamentos médicos. Segundo as investigações, licitações eram
direcionadas para favorecer o grupo Planam, com sede em Mato Grosso – as
investigações estimaram que o montante desviado foi de cerca de R$ 110 milhões,
com movimentações financeiras iniciadas em 2001.
A acusação contra o deputado argumentou que caberia ao
parlamentar fluminense apresentar emendas ao Orçamento Geral da União
destinadas a municípios das regiões Norte e Nordeste do Rio de Janeiro, com o
objetivo de beneficiar empresas do grupo. A equipe do parlamentar nega que ele
tenha cometido irregularidades.
A defesa de Paulo Feijó sustentou na tribuna, durante o
julgamento, que o deputado destinava emendas à área de saúde de forma
rotineira. Segundo os advogados, os encontros do parlamentar com representantes
da Planan – quando, segundo o Ministério Público, o pagamento de propina teria
sido oferecido –, as emendas parlamentares já haviam sido formalizadas na
Câmara. A defesa argumentou ainda que não ficou comprovado o recebimento de
dinheiro pelo parlamentar, e que um assessor citado como intermediário das negociatas
foi inocentado em primeira instância.
Transações suspeitas
No julgamento que resultou na condenação, referindo-se ao
crime de corrupção passiva, a ministra-relator Rosa Weber destacou ter havido a
comprovação de recebimento de vantagens ilícitas por meio de depósitos em
contas correntes de terceiros (um assessor parlamentar e sua esposa). Para a
magistrada, um livro-caixa da Planam apreendido na Operação Sanguessuga reunia
registros de pagamento ao acusado, com especificação de datas e valores de
repasses atrelados a Paulo Feijó. Com apoio unânime dos pares neste ponto do
relatório, ministra ponderou ainda que, em acordo de colaboração premiada, os
donos da empresa – os irmãos Luiz e Darci Vedoin – admitiram ter com o
parlamentar um acordo para pagamento de comissão de 10% sobre o valor da emenda
apresentada. Para comprovar a acusação, pontuou ainda Rosa Weber, os
empresários apresentaram recibos de 20 operações de crédito para interlocutores
do deputado.
Sobre o crime de lavagem, Rosa Weber entendeu que as provas
amealhadas nos autos demonstram que os valores recebidos por terceiros foram
usados no pagamento de diversas despesas do deputado, como aluguel de imóveis,
compra de veículos e quitação de impostos. Dessa forma, ainda segundo a
ministra, Paulo Feijó dissimulou valores da propina recebida, por meio de
terceiros e em benefício próprio, de maneira a legalizar dinheiro “impuro”,
fruto de corrupção, transmutando-o em bens e serviços ao seu patrimônio formal.
“Após o recebimento dissimulado da propina houve uma
conversão do produto do crime por via de nova dissimulação, em ativos de
aparência lícita em benefício do acusado, por dissimulação sucessiva, que visou
afastar o dinheiro de sua origem ilícita”, escreveu Rosa Weber.
Voto vencido, o ministro Marco Aurélio Mello optou pela
absolvição do réu quanto ao crime de lavagem de dinheiro. Contestando apenas
este ponto do processo, o ministro alegou não ter sido imputado um crime
anterior, segundo exigências legais, para que o tipo penal da lavagem esteja
configurado. Para o magistrado, o recebimento dissimulado de dinheiro ilícito é
típico do crime de corrupção, fazendo com que o delito não possa ser apontado
como o fato anterior exigido pela lei. Ainda segundo Marco Aurélio, tal delito
também não pode ser considerado como fato anterior, uma vez que foi reconhecida
a prescrição do crime de fraude em licitação.
Combustível
Esta não é a primeira complicação de Paulo Feijó nos últimos
anos. Como o Congresso em Foco revelou em abril de 2015, de setembro de 2011 a
fevereiro de 2015 o deputado gastou R$ 168,4 mil para abastecer veículos
utilizados por ele e assessores em um posto em Campos de Goytacazes (RJ). O
parlamentar foi integralmente ressarcido pela Câmara após apresentar notas
fiscais. Seria apenas mais um caso de uso da Cota para o Exercício da Atividade
Parlamentar (Ceap), o chamado cotão, benefício ao qual todo congressista tem
direito para cobrir despesas atreladas ao mandato, não fosse um detalhe: o
posto Líder Ltda, usado todas as vezes pelo parlamentar, é de propriedade de
seu genro, Leandro Souza Barroso.
Norma interna da Câmara proíbe deputados de pedirem
ressarcimento de despesas feitas em empresas de propriedade de parentes em até
terceiro grau, como filhos, pais, cônjuges, irmãos, sobrinhos, avós, sogros,
noras e genros. Depois de virar alvo de um abaixo-assinado com mais de 2.142
assinaturas, que pediam a devolução dos recursos, sob pena de representação no
Conselho de Ética e no Tribunal de Contas da União (TCU), Feijó admitiu o “lapso”
e se comprometeu a ressarcir a Câmara pelas despesas feitas indevidamente.
Em entrevista ao site, Paulo Feijó admitiu que abasteceu no
posto do genro, que, segundo ele, tem participação acionária de 5%. O deputado
afirmou que é cliente do posto há 30 anos. “É um posto de minha confiança. Mas
de sete anos pra cá, o filho do dono casou com a minha filha e eu estava
achando que o posto era só do pai do meu genro. Só depois de alertado, vi que
meu genro tem 5% de participação neste posto”, declarou na ocasião.
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