BRASÍLIA - O relatório final da CPI da Funai-Incra
apresentado na quarta-feira, 3, na Câmara inclui, entre mais de uma centena de
indiciados, o nome do ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo.
No relatório final da comissão apresentado pelo deputado
Nilson Leitão (PSDB-MT), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária
(FPA), Cardozo é acusado de ter cometido crimes como associação criminosa,
apoio a ações de esbulho possessório e retardamento de atos de ofício contra
disposição expressa de lei, além de improbidade administrativa.
O relatório pede ainda o indiciamento do ex-presidente da
Funai João Pedro Gonçalves da Costa por improbidade e desobediência à ordem
legal de funcionário público. O desembargador Gercino José da Silva Filho,
ex-ouvidor agrário nacional do Incra e ex-presidente da Comissão Nacional de
Combate à Violência no Campo, também é acusado de improbidade administrativa.
Ao todo, o relatório traz 144 encaminhamentos e
indiciamentos. Nas investigações atreladas ao Incra, são 41 casos. Desses, há
28 indiciamentos de pessoas ligadas ao órgão, três antropólogos e 14
procuradores da República. Em relação à Funai, o total é de 103 investigações,
envolvendo 14 procuradores, 11 antropólogos, 33 indígenas, 5 servidores da
Funai, 5 pessoas ligadas à organização Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e
21 pessoas ligadas ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi), além do
ex-ministro José Eduardo Cardoso.
Apesar dos casos frequentes de violência envolvendo
acusações de contratação de pistoleiros em casos de morte e violência contra
indígenas e camponeses, o relatório não traz nenhum ruralista para o centro das
investigações.
O relatório foi alvo de um pedido de vista conjunto
apresentado por dez deputados. O texto deve voltar ser votado na próxima
semana. De forma geral, as acusações dão conta de que a Funai e o Incra teriam
sido tomados por esquemas de corrupção e ações truculentas, que resultaram na
judicialização de quase todas as suas decisões quanto à demarcação de terras ou
desapropriação de áreas.
“Após ampla análise do vasto conteúdo probatório, não restam
dúvidas de que os equívocos de políticas pretéritas têm servido de escudo a um
falso discurso protecionista, a esconder interesses escusos, que vão desde o
enriquecimento pessoal à mitigação da soberania, passando pela publicização e
coletivização da propriedade privada, bem como pela subjugação socioeconômica
como instrumento de manutenção do poder”, afirma Nilson Leitão, em seu
relatório.
O relatório também traz duras críticas a organizações
socioambientais que atuam na defesa dos direitos de povos tradicionais e
camponeses. “Para esconder o desvio de recursos públicos e a gestão em
benefício próprio de milhões de dólares que ingressam de entidades e governos
estrangeiros, muitos dos que dizem proteger o indígena, na prática, prejudicam
e impedem o alcance da efetiva dignidade pelas próprias comunidades indígenas.”
A partir das acusações apontadas pela CPI, cabe à Polícia
Federal ou Ministério Público avançar nos casos.
Reações. Por meio de nota, o secretário executivo do Cimi,
Cleber Buzatto, afirmou que a CPI da Funai-Incra foi criada, conduzida e
relatada por ruralistas estritamente para atender os interesses do agronegócio.
“O relatório produzido é viciado e parcial. Com acusações falaciosas, promove
perseguição política e preconceito rancoroso contra os povos indígenas e seus
aliados. Não investigou os crimes do agronegócio listados em dezenas de
requerimentos não aprovados e não permitiu o contraditório aos acusados”,
declarou.
A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR)
divulgou uma nota de apoio aos procuradores do Ministério Público Federal
citados no relatório. Segundo a associação, o parecer de Leitão, que acusa
membros do MPF com atuação na Bahia, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Rio
Grande do Sul e Santa Catarina de prática de condutas ilegais, é um relatório
“sem fundamentos”.
“O parecer, na realidade, investe contra a atuação
institucional do Ministério Público Federal (MPF), que tem lutado em defesa dos
direitos dos índios às terras de sua ocupação tradicional”, declarou a ANPR.
“Causa preocupação, ainda, que o relatório da CPI, além de tentar constranger a
atuação regular e institucional do MPF, acuse e intimide antropólogos e
associações que se empenham na defesa das causas indígenas e de comunidades
tradicionais.”
Defender o direito às terras de comunidades indígenas,
afirmou a associação, é uma imposição da Constituição e um dever de toda a
sociedade. “Desconhecer estes direitos, e atacar os que atuam em sua defesa,
por outro lado, apenas traz prejuízos à democracia, à lei e à paz. Os
procuradores da República não se afastarão de seu dever institucional de
defender a ordem jurídica e os interesses sociais e individuais indisponíveis”,
informa a nota assinada pelo Presidente da ANPR, José Robalinho Cavalcanti. “A
ANPR confia que a Câmara dos Deputados também saberá exercer o seu papel
democrático e não permitirá que ocorram retrocessos quanto aos direitos das
comunidades indígenas.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário