Artigo de Fernando Gabeira
O que será de nós? É uma pergunta que ouço com frequência
nas ruas, feiras e bares. Respondo com um discreto otimismo. Ninguém exige
precisão na resposta, pois todos sabem quão nebuloso é o momento… Mas o que
vejo na face e nos olhos das pessoas é ansiedade. Não tenho condições de
estudar o assunto mais amplamente. Creio que outros o farão: qual o impacto
psicológico de anos de notícias negativas na vida de um país?
A decomposição do sistema político eleitoral é uma novela
longa e arrastada. Um roteirista de cinema já teria acabado com ela para não
aborrecer os espectadores. Ainda que fosse uma série, do tipo “House of cards”,
ele certamente estaria pensando em férias para escrever a nova temporada.
O ritmo dos acontecimentos no Brasil depende dos trâmites da
Justiça. Além disso, as evidentes mentiras se arrastam. Quem acompanha fica
irritado, sabe que não é bem aquilo, mas o processo legal não pode ser
concluído como uma novela.
Minha experiência pessoal é a de que o trabalho em campo me
diverte e que os momentos de lazer, diante do noticiário, trazem mais
ansiedade. Se é assim com todos, imagino como estão os que não perdem, por
interesse ou dever de ofício, um simples lance do psicodrama político-policial.
A experiência histórica talvez possa nos confortar. Isaac
Deutscher, na célebre biografia de Trótski, oferece uma boa pista. Ele afirma
que certas forças políticas tomam decisões estúpidas, não porque sejam
necessariamente pouco inteligentes, mas sim porque sua margem de manobra
torna-se muito estreita na crise.
Isso aconteceu com Dilma e acontece agora com Temer. Basta
analisar a sucessão de erros que seus movimentos defensivos provocam para dizer
que, nessas circunstâncias, o maior adversário de Temer é sua própria cabeça.
Temer substituiu o ministro da Justiça e esqueceu de
comunicar ao que saía, tal a pressa em conter o avanço da PF. Demitido sem honras,
o ministro voltou à sua cadeira no Parlamento e desalojou Rodrigo Rocha Loures,
o homem da mala de Temer. Resultado: Temer não conseguirá controlar a PF, e um
dos seus cúmplices está preso, sob o risco de delação premiada.
E como se não bastassem tantas saídas estúpidas, Temer
desmentiu a notícia de que viajou num avião de Joesley Batista para, logo em
seguida, admitir que o fez sem, contudo, saber quem era o dono do avião ou quem
pagava pela viagem. Sabemos que é mentira, inclusive Temer. Nesse momento, já
não se preocupa mais com credibilidade, apenas a se agarrar ao cargo.
O julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE foi mais um momento
em que fatos exasperam e provocam enjoo de estômago nos espectadores. O
ministro Herman Benjamin fez um excelente trabalho, mas desde o início o
resultado final do julgamento já estava definido.
A Odebrecht constava da petição inicial, Herman Benjamin
realizou audiências na presença de todos, mas os juízes pró-Temer consideram
que os dados da Odebrecht deveriam ser retirados do processo. Ambos argumentos,
de defesa e acusação, podem ser desenvolvidos ad nauseam, inclusive com
citações de juristas, professores acadêmicos e o diabo a quatro.
Herman Benjamin apenas cumpriu seu trabalho, foi atrás da
verdade, respeitando a petição inicial que se referia à Odebrecht várias vezes.
O que aconteceu depois, com as delações, foram novas evidências perfeitamente
articuladas com as denúncias.
Ao excluir as evidências da Odebrecht, os ministros não
negam sua realidade, apenas acham que chegaram tarde demais. Fora dos prazos.
O julgamento nos ajuda a compreender que não estamos diante
de um fenômeno linear no Brasil, do tipo todos contra a corrupção. Na verdade,
existe muita gente do lado de lá. Em, primeiro lugar os próprios corruptos, que
sonham com a impunidade.
Todas as maiores forças políticas são contra a Lava-Jato.
Lula tentou bombardeá-la, e ouvimos suas lamúrias, nos grampos da PF, sobre a
passividade do STF. O PMDB tentou, e as gravações colhidas na delação premiada
de Sérgio Machado indicam que a cúpula do partido queria deter a Lava-Jato.
Aécio Neves, na época presidente do PSDB, também foi descoberto, em grampos,
articulando anistia ao caixa dois e leis que inibem juízes e promotores.
Em torno do PT existe um grande número de militantes que
acreditam que a Lava-Jato é apenas um processo de perseguição a Lula e seus
líderes. Admitir a verdade obrigaria a um exame muito profundo da própria
situação, assim como foram as denúncias dos crimes de Stálin. Para não ameaçar
o edifício ideológico é melhor ignorar suas mazelas.
Artigo publicado no Segundo Caderno do O Globo em 11/06/2017
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