Da ÉPOCA
O ministro Herman Benjamin proferia seu voto havia mais de
14 horas. Recuperando-se de uma pneumonia, Herman secava a testa com um lenço.
Tossia. Tomava fôlego. E prosseguia. Era a quarta sessão do julgamento da chapa
de Dilma Rousseff e Michel Temer no Tribunal Superior Eleitoral, o TSE. A
primeira fora na noite de terça-feira. A manhã de quarta-feira e todo o dia de
quinta-feira também foram dedicados a isso. Ao abrir a sessão de sexta-feira, o
presidente do TSE, Gilmar Mendes, expressara seu desejo de encerrar o
julgamento até o começo da tarde. Tinha urgência. Esperava que o relator
encerrasse seu voto e os outros seis ministros proferissem os seus. Perto das
11 horas, o ministro Luiz Fux passou um bilhetinho a Herman, solicitando que o
relator, interrompido dúzias de vezes, acelerasse. Herman brincou que não
confiava naquela conta das 14 horas, porque se tratava de um cálculo “não
periciado”. Gilmar retrucou que, hoje em dia, “até fita sem perícia vale” –
numa referência à gravação da conversa entre Joesley Batista, da JBS, e Michel
Temer. “Vejam que ele estava calmo até aqui”, reagiu Herman. Todos riram. O
chiste embrulhou a gravidade do que se desenhava naquele plenário. A Corte
estava dividida. De um lado, Herman, Luiz Fux e Rosa Weber decidiam por manter
as provas e os depoimentos da Odebrecht em suas considerações e, assim, tender
à cassação da chapa. De outro, Gilmar, Napoleão Nunes Maia, Tarcísio Vieira e
Admar Gonzaga por excluí-las e, consequentemente, absolver a chapa – absolver,
acima de tudo, Temer. O 4 a 3 encaminhava a absolvição, consumada na noite da
sexta-feira, dia 9.
Apesar de abatido, Herman foi o único dos ministros a permanecer no plenário durante todo o julgamento. Ele
pediu apenas um breve intervalo ao meio-dia da sexta-feira – e foi cobrado
pelos colegas, que, por sua vez, deixavam o plenário constantemente. Alguns
ministros iam para a sala atrás do pleno, outros ficavam em pé na própria
tribuna, como foi o caso de Napoleão, o que mais se levantou para conversar com
assistentes. O estilo imperturbável do relator, que falou de forma lenta e
pausada por tanto tempo, incomodou ministros e advogados. Novamente, embalou-se
o aborrecimento com piadas. No café dos ministros, atrás do plenário, um deles
provocou: “Vou votar com ele só para ele parar de falar”. Outro brincou que
Herman tenta estender sua estada no TSE (seu mandato termina em outubro).
Alheio à zombaria, Herman não teve pressa. Estava decidido a expor cada minúcia
das provas, vindas da Odebrecht ou não, colhidas em dois anos e meio de
processo. E a arrancar dos demais ministros as eventuais incoerências de suas
posições.
Herman, paraibano de Catolé do Rocha, especialista em
Direito do Consumidor e Ambiental, apaixonado por dar aulas, assumiu a
relatoria do caso em agosto do ano passado. Desde então, imprimiu celeridade às
apurações, acompanhou pessoalmente dezenas de depoimentos e trabalhou discreta
e incessantemente. Herman confessou algumas vezes ao longo do julgamento que
preferia não ter sido o relator dessa ação. Que prefere o anonimato. Mas não se
furtou a consumir 16 horas para ler um resumo de seu relatório de mais de 1.000
páginas, ler seu voto e exibir tudo que averiguara ao longo destes meses. Tudo
que quatro de seus colegas optavam por ignorar.
Os ministros que se alinharam no enfrentamento a Herman
foram Gilmar, Napoleão, Admar e Tarcísio. Gilmar Mendes se notabilizou por sua
verborragia antipetista. Nunca escondeu suas preferências ou sua intensa
atuação política. Desde que Temer assumiu a Presidência, Gilmar agiu como uma
espécie de conselheiro informal do novo governo. Em nome de uma amizade antiga,
dizem os dois, encontraram-se, fora da agenda oficial, ao menos oito vezes
desde maio do ano passado. Napoleão Nunes Maia, por sua vez, está acostumado a
antagonizar com Herman no Superior Tribunal de Justiça, de onde ambos são
oriundos. Seu voto contra a cassação da chapa era fava contada no Planalto.
Enquanto transcorria o julgamento, seu sobrinho, Luciano Nunes Maia, era
aprovado pelo Senado para uma vaga no Conselho Nacional do Ministério Público.
Napoleão aparece em pelo menos uma delação premiada. O advogado Francisco Assis
e Silva, da JBS, disse a procuradores que conversou com Willer Tomaz,
ex-advogado do grupo, e que Willer relatou ter pedido uma interferência de
Napoleão a favor da empresa. Assis disse que Napoleão atendeu ao pedido. O
ministro negou veementemente na primeira parte de seu voto, no plenário.
Quando o colegiado decidiu reabrir a coleta de provas em
abril, o governo ganhou tempo para nomear dois ministros, no lugar de outros
dois que se aposentariam. Admar, que assumiu a vaga de Henrique Neves, atuou na
criação do PSD, partido fundado por Gilberto Kassab, hoje ministro de Temer. Em
2010, foi consultor da campanha de Dilma e Temer. Tarcísio Vieira entrou no
lugar de Luciana Lóssio e foi advogado de vários partidos, como PT, PMDB e
PSDB. Ambos eram vistos pelo Planalto como armas a seu favor no processo. E
assim o foram.
A dança com Gilmar
Herman enfrentou Gilmar Mendes e seus seguidores com
marcante serenidade. Não alterou o tom de sua combalida voz. Não perdeu a
linha. De saída, encurralou os demais. “Não obstante as profundas alterações do
quadro político, os fatos e as leis continuam os mesmos. Estou convencido de
que tampouco mudou a forma de julgar ou a têmpora dos ministros do TSE. Nós,
juízes brasileiros do TSE ou de qualquer instância da magistratura brasileira
federal ou estadual, julgamos fatos como fatos, e não como expedientes
políticos de conveniência oscilante.” Com Gilmar, Herman protagonizou os
embates mais ríspidos. Porque foi a incoerência de Gilmar a que Herman mais se
dedicou a explicitar. Para isso, Herman recorreu sem miséria ao voto proferido
por Gilmar em outubro de 2015. As ações pela cassação da chapa Dilma-Temer
adormeciam no tribunal. A então relatora dos casos, Maria Thereza Assis,
arquivara os pedidos do PSDB em fevereiro daquele ano, alegando falta de provas
para abrir uma investigação. A pressão pelo impeachment de Dilma cresceu e
Gilmar agiu para levar ao pleno um recurso do PSDB que pedia a reabertura dos
casos. Gilmar proferiu um voto claro e contumaz pela reabertura das ações.
Sabia que uma investigação no TSE seria um fator a mais de instabilidade do
governo Dilma. Ao perceber que agora, usando o argumento da instabilidade que
uma cassação da chapa poderia causar, Gilmar seria pela absolvição de Temer,
Herman esfregou a contradição quanto pôde na toga do colega.
Herman repisou o voto de Gilmar ostensivamente. Ainda na
noite de terça-feira, o relator avisou o presidente que faria “dezenas de
citações” de seu voto de 2015. Sagaz, Herman passou a chamá-lo de “nosso voto”.
E o que o tal voto apregoava? Gilmar versou sobre a necessidade de chegar à
“verdade dos fatos” dos crimes cometidos pela chapa. Naquele momento, quando
Dilma ainda era presidente, Gilmar liderou uma dissidência, por 5 a 2, para que
o TSE unisse as quatro ações contra a chapa Dilma-Temer num só processo –
precisamente um chamado de “investigação eleitoral”. O Gilmar de 2015: “A
referida conduta relatada na inicial e acompanhada de mínimo suporte probatório
pode sim qualificar-se como abuso do poder econômico, o que, a meu ver,
justifica a necessária instrução do feito, em busca da verdade dos fatos,
respeitando as garantias do contraditório e da ampla defesa”. Agora, o
presidente da Corte, o Gilmar de 2017, dava sinais de que a verdade dos fatos
não é mais importante do que a instabilidade política que uma eventual cassação
causaria.
Herman não estava disposto a deixar Gilmar sair impune. Ao
usar trechos do voto do colega, não esperava que Gilmar mudasse sua posição.
Mas sabia que poderia irritá-lo e constrangê-lo. Quando Gilmar ponderou que o
ímpeto de cassar candidatos eleitos não pode ser exagerado e que o Tribunal
Eleitoral cassa hoje mais do que cassavam políticos na ditadura, Herman
desancou o colega, elegantemente: “Mas na ditadura os cassados eram a favor da
democracia. O TSE cassa hoje quem é contra a democracia”. Gilmar se diz hoje um
severo crítico da “sanha cassadora” de mandatos. Não disse isso no voto de
2015. Naquele momento, Gilmar até ressaltava que adota “posição restritiva”
quanto a cassações. Mas, em seguida, argumentou que tal “posição minimalista”
não poderia “fulminar” a ação proposta pelo PSDB, que se baseava em provas que
deveriam ser investigadas pela Corte. Em 2015, Gilmar criticava com ressalvas o
ímpeto de cassar. Agora critica o ímpeto de cassar, ponto.
Outra discórdia entre Herman e Gilmar era a ampliação da
“causa de pedir”. O que estava em discussão era se Herman, ao incluir os
depoimentos dos executivos da Odebrecht e as provas apresentadas por eles, além
dos depoimentos de João Santana e Mônica Moura, extrapolava o que o PSDB
solicitava em sua petição inicial, de 18 de dezembro de 2014. A questão era
capital porque sem esses depoimentos e provas o voto pela cassação da chapa se
enfraqueceria. Herman insistia em que a petição inicial, ao falar em
“financiamento de campanha mediante doações oficiais de empreiteiras
contratadas pela Petrobras como parte da distribuição de propinas”, abrangia a
Odebrecht e suas relações espúrias com a chapa Dilma-Temer. Além disso,
argumentou o relator, os autores da ação solicitavam na inicial cópia dos
inquéritos referentes à Operação Lava Jato – toda ela. Assim, para Herman, as
revelações trazidas pelos executivos da Odebrecht estariam incluídas nesse
pedido.
Para completar, a decisão da Corte em 2015, liderada por
Gilmar, dava aval à instrução tocada por Herman. Naquele ano, quando Gilmar
votou pela reabertura das ações, ele disse que era a favor de investigar como
fora financiada a chapa e se o dinheiro era oriundo de propina da Petrobras.
“Não se cuida em transportar para o Tribunal Superior Eleitoral análise de
todos os fatos apurados na Operação Lava Jato”, dizia Gilmar, argumentando que
essa não era a competência do TSE. “Busca-se tão somente verificar se, de fato,
recursos provenientes de corrupção na Petrobras foram ou não repassados para a
campanha presidencial.” Herman destacou uma passagem específica nesse quesito
para expor a contradição de Gilmar. Há dois anos, o presidente da Corte disse
que era “desnecessário qualquer esforço jurídico-hermenêutico para concluir que
recursos doados a partido, provenientes, contudo, de corrupção, são derramados
(também!) nas disputas eleitorais, mormente naquela que exige maior aporte
financeiro, como a disputa presidencial”. Gilmar dizia que havia fortes
indícios, apontados na petição inicial, que trazia trechos do depoimento de
Paulo Roberto Costa à Lava Jato, de que dinheiro de propina da estatal
abastecera a campanha.
Agora, o “esforço jurídico-hermenêutico” de Gilmar é para
dizer que as provas colhidas de março para cá, no que diz respeito à Odebrecht,
“matriarca entre os elefantes da manada” na corrupção da Petrobras, não valem.
Mais adiante, Herman mostraria ainda a inconsistência de Gilmar ao sugerir que
nada colhido de março em diante deveria valer. No dia 4 de abril, o caso foi a
julgamento pela primeira vez. A composição do colegiado ainda contava com
Henrique Neves e Luciana Lóssio. Por unanimidade, com Gilmar presidente,
decidiu-se reabrir a coleta de provas – para se incluírem os depoimentos de
João Santana e Mônica Moura. Agora, a turma de Gilmar queria excluí-los.
Na manhã de quarta-feira, Gilmar voltou a dizer que a busca
pela “verdade real” no processo tem de encontrar limites, sob pena de ter de
incluir cada fato novo que surgir enquanto não se encerra o processo. “Agora
Vossa Excelência tem mais um desafio: manter o processo aberto e trazer a
delação da JBS e talvez na semana que vem do [ex-ministro Antonio] Palocci.
Para mostrar que o argumento de Vossa Excelência é falacioso”, exaltou-se
Gilmar. Ao argumentar que as notícias da crise não poderiam mover a ação ao
infinito, Gilmar não mencionou que, em 2015, dizia que “o noticiário diário
reforça o suporte probatório mínimo constante destes autos”. O próprio Gilmar
admite agora, reprimindo uma imaginária modéstia, que, não fosse por seu esforço,
a ação pela cassação provavelmente já teria derretido na Corte. “Esta ação só
existe graças a meu empenho, modéstia às favas. Vossa Excelência só está
brilhando no Brasil todo, na TV, graças a isso”, disse Gilmar a Herman.
“Processo em que se discute condenação, em qualquer natureza, não tem e não
deve ter nenhum glamour pessoal”, o relator replicou. No dia seguinte, Gilmar
retomou os trabalhos com uma declaração de imensa amizade por Herman, de mais
de três décadas, emotivo com “tudo que já passamos, como a viagem a Águas de
São Pedro, de monomotor”. Briga de faca embalada em cordiais “data venia, Vossa
Excelência”.
A divisão da corte
O ministro Napoleão Nunes Maia tumultuou o início da sessão
de quinta-feira. Embora Herman tivesse pedido repetidamente que queria ler todo
o seu voto antes que os demais decidissem sobre a inclusão ou não das provas da
Odebrecht, Napoleão queria que isso fosse resolvido logo. Ele, Admar e Tarcísio
se posicionaram de um lado; Rosa e Fux de outro. Nenhuma mudança clara no
roteiro. Fux, defensor voraz de Herman nas sessões, fez um chamamento firme aos
colegas. “Nós somos uma Corte. Avestruz é que enfia a cabeça no chão.” Com a
maioria formada pela exclusão das provas, o exercício era assistir a cada
ministro justificando sua posição.
O clima na sessão da sexta-feira era de decisão tomada. Às
8h50, o advogado Gustavo Guedes estava só no plenário de cadeiras vermelhas.
Primeiro a chegar ao último dia de julgamento, o defensor de Michel Temer
dirigiu-se à fila do gargarejo, de frente para o púlpito onde logo estariam os
ministros. O assento estampava uma placa
retangular dourada com o número 13. “Ironia, meu lugar é o 13. Sentei-me aqui
todos os dias”, diz, referindo-se ao número do PT. Abordado em seguida pelo
colega Flavio Caetano, que defende a petista Dilma Rousseff, comenta a
coincidência do assento. “Não é coincidência, é coerência. O Michel também fez
assim e hoje é 13, é coerência”, retruca Caetano. Ambos caíram na gargalhada.
Os destinos estavam imbricados.
Herman, com muita paciência, seguiu desnudando as
contradições alheias. O ministro lembrou que cada passo que tomou no processo o
fez respaldado pelos colegas, que jamais o contestaram no caminho. Como
relator, colheu depoimentos que o colegiado decidiu que deveriam ser colhidos.
Produziu provas que os ministros que as pediram agora queriam excluir. “Quem
quiser rasgar as investigações que o próprio tribunal determinou que o faça
sozinho”, disse Herman. Foi então que Herman armou sua arapuca. Insistiu com
Gilmar e com os demais se a questão era, então, excluir somente Odebrecht.
Ouviu dos colegas que sim. A armadilha seria acionada mais adiante. A discussão
jurídica seguinte foi a da avaliação que se faria das doações recebidas pela
chapa Dilma-Temer. Herman foi claro: não é possível para o TSE avaliar somente caixa um. Isso
tornaria a Corte inócua. Herman falou dirigindo-se ao ministro Admar Gonzaga.
“Olho para o ministro Admar porque [ele] disse que só iria examinar caixa um e
que o caixa dois não estaria na petição inicial. Então, boa sorte no momento em
que Vossa Excelência for examinar apenas caixa um.” Admar contestou, furioso.
“Não adianta fazer discurso para a plateia para constranger seus colegas. Vossa
Excelência está com aura de relator, querendo constranger seus colegas.”
Herman, plácido, replicou. “Nossos votos constrangem – ou não – a nós
próprios.” (Mais adiante, numa discussão sobre como saber se o dinheiro de uma
campanha era fruto de propina ou não, Fux disse que quem ganha 20 mil e tem 600
mil na conta e não sabe de onde veio tem no mínimo cegueira deliberada. Admar
retrucara: “Pode ser alguém como eu. Eu não olho meu saldo”.)
Conforme Herman finalmente leu seu voto, depois de
discutidas todas as questões preliminares, a arapuca armada mais cedo foi
ficando mais evidente. Herman construiu boa parte de sua argumentação sem usar
as provas e os depoimentos da Odebrecht. Examinou falas de Paulo Roberto Costa,
Alberto Youssef, Sérgio Machado. E de Zwi Skornicki. Foi ele quem primeiro
relatou o pagamento, em caixa dois, a João Santana e Mônica Moura no exterior.
Valor: US$ 5 milhões. Em 2014. Foi o próprio Herman quem disse: “Nada a ver com
Odebrecht. Mas confirmado pelos depoimentos dos marqueteiros. O que a Corte vai
fazer com esses depoimentos de Mônica Moura e João Santana, que a própria Corte
mandou colher?”. O relator revelava, aqui, mais uma enorme contradição dos
colegas da Corte. “Essa seria uma decisão memorável se esta Corte extirpar os
depoimentos autorizados por esta Corte, ou, pelo menos, pela maioria que está
aqui”, disse Herman.
Por longas horas, o relator elencou três episódios que, sem
Odebrecht, seriam suficientes para a condenação da chapa: o pagamento de
propina com recursos da Petrobras aos partidos oriundo de contrato com
empreiteiras, o pagamento de US$ 5 milhões aos marqueteiros e propinas a
partidos decorrentes de contratos de sondas da Sete Brasil. Os colegas estavam
emparedados.
Herman finalmente passou a ler o trecho de seu voto em que analisava
as provas provenientes dos executivos da Odebrecht. Admar, que se sentira tão
constrangido na véspera, pôs-se a atacar o relator. Insinuou que Herman estava
incluindo trechos inverídicos dos depoimentos de Marcelo Odebrecht e o acusou
de não ter distribuído cópias de seu voto aos colegas propositadamente. Herman
ficou boquiaberto. Mas rebateu que Admar devia ler os autos, e não votar
baseado na opinião dos colegas. “Os depoimentos todos estão à disposição dos
brasileiros”. Herman se orgulha muito de ter aberto os autos na internet e
mencionou isso várias vezes. Admar aquietou-se. Ele voltaria a ocupar os
holofotes na retomada da sessão na tarde da sexta-feira. Herman já encerrara
sua leitura, e a sessão prosseguiria para o voto dos demais ministros. O
vice-procurador-geral eleitoral, Nicolao Dino, apresentou um pedido de
suspeição de Admar, porque ele advogou para a chapa Dilma-Temer em 2010. Gilmar
Mendes, que já expressara seu descontentamento com o Ministério Público ao
insinuar, sem nenhuma prova, que procuradores estavam combinando versões com
delatores da JBS, ficou enfurecido. Exigiu respeito de Dino. Por unanimidade,
os ministros rejeitaram o pedido. Ao iniciar seu voto, Admar disse que
“engana-se quem acha que eu estou constrangido. Eu estou honrado de ser
advogado”.
O medo de Napoleão
Em um ponto da longa sessão da quinta-feira, o ministro
Napoleão dissera que, ao defender que juízes não só podiam, como deviam incluir
provas relevantes nos autos, Herman assustava a magistratura. Napoleão afirmou
que colegas do Ceará ficaram com medo – “o tal do medo líquido”, disse, em
referência ao sociólogo Zygmunt Bauman. Com muita ironia, Herman perguntou:
“Ficou com medo, Napoleão?”. Gilmar e Napoleão, em momentos distintos, também
questionaram com veemência a validade das delações premiadas e do que dizem os
delatores. Depois que Herman disse que a delação de Sérgio Machado era uma aula
de história da corrupção, por exemplo, Gilmar respondeu, com deboche, que
Machado se beneficiara de um dos mais generosos acordos de delação de que se
tem notícia. Formava-se ali uma voz uníssona entre Gilmar e Napoleão de crítica
às colaborações premiadas firmadas pelo Ministério Público e homologadas pelos
juízes tanto em primeira instância quanto no Supremo Tribunal Federal. Voz que,
vale dizer, extrapolava o que estava nos autos, já que, como Herman fez questão
de frisar, o relator não usou delações como provas, mas colheu novos
depoimentos de delatores.
Na sexta-feira, Napoleão teve um chilique. Ele era, pela
ordem preestabelecida, o segundo a votar. Ao receber a palavra, começou a
vociferar. Estava indignado com uma notícia do site O Antagonista de que um
“homem misterioso” lhe entregara um envelope naquela manhã. “Era meu filho, que
trazia uma foto de minha neta, que completa 3 anos.” Em seguida, passou a
desancar jornalistas que noticiaram que ele foi citado em delações da
empreiteira OAS e da JBS. Napoleão acusou a imprensa e os jornalistas com
expressões fortíssimas. “Essa pessoa é desqualificada, indigna, incapaz de
portar em si a qualidade de ser humano! Não dignifica a liberdade de imprensa
quem faz isso”, Napoleão esbravejou. “Não é jornalista quem faz isso! Me
desculpe a revolta e a veemência e o perigo de descambar para palavras que não
devo dizer.” Em tom de ameaça, o ministro disse que é preciso “dar um freio
nisso tudo, ou não vai ter um bom termo”. Napoleão disse que fez um
levantamento em seu gabinete e que todas as suas sete decisões referentes à OAS
foram contra a empreiteira. Sobre a JBS, Napoleão voltou a desqualificar o
instituto da delação premiada. “Se isso não terminar, o final não será bom.
Todos nós estamos sujeitos ao alcance dessas pessoas. Publicam o que quiser com
quem quiser.” Unindo delatores e jornalistas sob a mesma aba de detratores, o
evangélico ministro relatou que fora questionado por seu pastor em Fortaleza.
Com o dedo em riste, contou que sua resposta foi: “Com a medida com que me
medem serão medidos. E que sobre eles desabe a ira do profeta”. “É uma anátema
islâmica e a ira do profeta eu não vou dizer o que é. Mas vou fazer o gesto”,
completou Napoleão, levando a mão direita ao pescoço, encenando uma
decapitação. A sessão foi suspensa.
A votação seguiu sem incidentes, sem surpresas. O placar de
4 a 3 pela absolvição se confirmou. Dilma Rousseff e Michel Temer receberam um
carimbo de lisura da Justiça. O TSE, por sua vez, se apequenou.
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