Da ÉPOCA
Na manhã da quinta-feira (15), o empresário Joesley Batista,
um dos donos do grupo J&F, recebeu ÉPOCA para conceder sua primeira
entrevista exclusiva desde que fechou a mais pesada delação dos três anos de
Lava Jato. Em mais de quatro horas de conversa, precedidas de semanas de
intensa negociação, Joesley explicou minuciosamente, sempre fazendo referência
aos documentos entregues à Procuradoria-Geral da República, como se tornou o
maior comprador de políticos do Brasil. Discorreu sobre os motivos que o
levaram a gravar o presidente Michel Temer e a se oferecer à PGR para flagrar
crimes em andamento contra a Lava Jato. Atacou o presidente, a quem acusa, com casos
e detalhes inéditos, de liderar “a maior e mais perigosa organização criminosa
do Brasil” – e de usar a máquina do governo para retaliá-lo. Contou como o PT
de Lula “institucionalizou” a corrupção no Brasil e de que modo o PSDB de Aécio
Neves entrou em leilões para comprar partidos nas eleições de 2014. O
empresário garante estar arrependido dos crimes que cometeu e se defendeu das
acusações de que lucrou com a própria delação.
A seguir, os principais trechos da entrevista publicada na
edição de ÉPOCA desta semana. Leia as 12 páginas da conversa com Joesley na
edição que chega às bancas neste sábado (17) ou disponível agora nos
aplicativos ÉPOCA e Globo+:
ÉPOCA – Quando o senhor conheceu Temer?
Joesley Batista – Conheci Temer através do ministro Wagner Rossi,
em 2009, 2010. Logo no segundo encontro ele já me deu o celular dele. Daí em
diante passamos a falar. Eu mandava mensagem para ele, ele mandava para mim. De
2010 em diante. Sempre tive relação direta. Fui várias vezes ao escritório da
Praça Pan-Americana, fui várias vezes ao escritório no Itaim, fui várias vezes
à casa dele em São Paulo, fui alguma vezes ao Jaburu, ele já esteve aqui em
casa, ele foi ao meu casamento. Foi inaugurar a fábrica da Eldorado.
ÉPOCA – Qual, afinal, a natureza da relação do senhor com o
presidente Temer?
Joesley – Nunca foi uma relação de amizade. Sempre foi uma
relação institucional, de um empresário que precisava resolver problemas e via
nele a condição de resolver problemas. Acho que ele me via como um empresário
que poderia financiar as campanhas dele – e fazer esquemas que renderiam
propina. Toda a vida tive total acesso a ele. Ele por vezes me ligava para
conversar, me chamava, e eu ia lá.
ÉPOCA – Conversar sobre política?
Joesley – Ele sempre tinha um assunto específico. Nunca me
chamou lá para bater papo. Sempre que me chamava, eu sabia que ele ia me pedir
alguma coisa ou ele queria alguma informação.
ÉPOCA – Segundo a colaboração, Temer pediu dinheiro ao
senhor já em 2010. É isso?
Joesley – Isso. Logo no início. Conheci Temer, e esse
negócio de dinheiro para campanha aconteceu logo no iniciozinho. O Temer não
tem muita cerimônia para tratar desse assunto. Não é um cara cerimonioso com
dinheiro.
ÉPOCA – Ele sempre pediu sem algo em troca?
Joesley – Sempre estava ligado a alguma coisa ou a algum
favor. Raras vezes não. Uma delas foi quando ele pediu os R$ 300 mil para fazer
campanha na internet antes do impeachment, preocupado com a imagem dele. Fazia
pequenos pedidos. Quando o Wagner saiu, Temer pediu um dinheiro para ele se
manter. Também pediu para um tal de Milton Ortolon, que está lá na nossa
colaboração. Um sujeito que é ligado a ele. Pediu para fazermos um mensalinho.
Fizemos. Volta e meia fazia pedidos assim. Uma vez ele me chamou para
apresentar o Yunes. Disse que o Yunes era amigo dele e para ver se dava para
ajudar o Yunes.
ÉPOCA – E ajudou?
Joesley – Não chegamos a contratar. Teve uma vez também que
ele me pediu para ver se eu pagava o aluguel do escritório dele na praça
[Pan-Americana, em São Paulo]. Eu desconversei, fiz de conta que não entendi,
não ouvi. Ele nunca mais me cobrou.
ÉPOCA – Ele explicava a razão desses pedidos? Por que o
senhor deveria pagar?
Joesley – O Temer tem esse jeito calmo, esse jeito dócil de
tratar e coisa. Não falava.
ÉPOCA – Ele não deu nenhuma razão?
Joesley – Não, não ele. Há políticos que acreditam que pelo
simples fato do cargo que ele está ocupando já o habilita a você ficar devendo
favores a ele. Já o habilita a pedir algo a você de maneira que seja quase uma
obrigação você fazer. Temer é assim.
ÉPOCA – O empréstimo do jatinho da JBS ao presidente também
ocorreu dessa maneira?
Joesley – Não lembro direito. Mas é dentro desse contexto:
“Eu preciso viajar, você tem um avião, me empresta aí”. Acha que o cargo já o
habilita. Sempre pedindo dinheiro. Pediu para o Chalita em 2012, pediu para o
grupo dele em 2014.
ÉPOCA – Houve uma briga por dinheiro dentro do PMDB na
campanha de 2014, segundo o lobista Ricardo Saud, que está na colaboração da
JBS.
Joesley – Ricardinho falava direto com Temer, além de mim. O
PT mandou dar um dinheiro para os senadores do PMDB. Acho que R$ 35 milhões. O
Temer e o Eduardo descobriram e deu uma briga danada. Pediram R$ 15 milhões, o
Temer reclamou conosco. Demos o dinheiro. Foi aí que Temer voltou à Presidência
do PMDB, da qual ele havia se ausentado. O Eduardo também participou ativamente
disso.
ÉPOCA – Como era a relação entre Temer e Eduardo Cunha?
Joesley – A pessoa a qual o Eduardo se referia como seu
superior hierárquico sempre foi o Temer. Sempre falando em nome do Temer. Tudo
que o Eduardo conseguia resolver sozinho, ele resolvia. Quando ficava difícil,
levava para o Temer. Essa era a hierarquia. Funcionava assim: primeiro vinha o
Lúcio [o operador Lúcio Funaro]. O que ele não conseguia resolver pedia para o
Eduardo. Se o Eduardo não conseguia resolver, envolvia o Michel.
ÉPOCA – Segundo as provas da delação da JBS e de outras
investigações, o senhor pagava constantemente tanto para Eduardo Cunha quanto
para Lúcio Funaro, seja por acertos na Câmara, seja por acertos na Caixa, entre
outros. Quem ficava com o dinheiro?
Joesley – Em grande parte do período que convivemos, meu
acerto era direto com o Lúcio. Eu não sei como era o acerto do Lúcio do
Eduardo, tampouco do Eduardo com o Michel. Eu não sei como era a distribuição
entre eles. Eu evitava falar de dinheiro de um com o outro. Não sabia como era
o acerto entre eles. Depois, comecei a tratar uns negócios direto com o
Eduardo. Em 2015, quando ele assumiu a presidência da Câmara. Não sei também
quanto desses acertos iam para o Michel. E com o Michel mesmo eu também tratei
várias doações. Quando eu ia falar de esquema mais estrutural com Michel, ele
sempre pedia para falar com o Eduardo. “Presidente, o negócio do Ministério da
Agricultura, o negócio dos acertos…” Ele dizia: “Joesley, essa parte financeira
toca com o Eduardo e se acerta com o Eduardo”. Ele se envolvia somente nos
pequenos favores pessoais ou em disputas internas, como a de 2014.
ÉPOCA – O senhor realmente precisava tanto assim desse grupo
de Eduardo Cunha, Lúcio Funaro e Temer?
Joesley – Eles foram crescendo no FI-FGTS, na Caixa, na
Agricultura – todos órgãos onde tínhamos interesses. Eu morria de medo de eles
encamparem o Ministério da Agricultura. Eu sabia que o achaque ia ser grande.
Eles tentaram. Graças a Deus, mudou o governo e eles saíram. O mais relevante
foi quando Eduardo tomou a Câmara. Aí virou CPI para cá, achaque para lá. Tinha
de tudo. Eduardo sempre deixava claro que o fortalecimento dele era o
fortalecimento do grupo da Câmara e do próprio Michel. Aquele grupo tem o
estilo de entrar na sua vida sem ser convidado.
ÉPOCA – Pode dar um exemplo?
Joesley – O Eduardo, quando já era presidente da Câmara, um
dia me disse assim: “Joesley, tão querendo abrir uma CPI contra a JBS para
investigar o BNDES. É o seguinte: você me dá R$ 5 milhões que eu acabo com a
CPI”. Falei: “Eduardo, pode abrir, não tem problema”. “Como não tem problema?
Investigar o BNDES, vocês.” Falei: “Não, não tem problema”. “Você tá louco?”
Depois de tanto insistir, ele virou bem sério: “É sério que não tem problema?”.
Eu: “É sério”. Ele: “Não vai te prejudicar em nada?”. “Não, Eduardo.” Ele
imediatamente falou assim: “Seu concorrente me paga R$ 5 milhões para abrir
essa CPI. Se não vai te prejudicar, se não tem problema… Eu acho que eles me
dão os R$ 5 milhões”. “Uai, Eduardo, vai sua consciência. Faz o que você achar
melhor.” Esse é o Eduardo. Não paguei e não abriu. Não sei se ele foi atrás.
Esse é o exemplo mais bem-acabado da lógica dessa Orcrim.
ÉPOCA – Algum outro?
Joesley – Lúcio fazia a mesma coisa. Virava para mim e
dizia: “Tem um requerimento numa CPI para te convocar. Me dá R$ 1 milhão que eu
barro”. Mas a gente ia ver e descobria que era algum deputado a mando dele que
estava fazendo. É uma coisa de louco.
ÉPOCA – O senhor não pagou?
Joesley – Nesse tipo de coisa, não. Tinha alguns limites.
Tinha que tomar cuidado. Essa é a maior e mais perigosa organização criminosa
deste país. Liderada pelo presidente.
ÉPOCA – O chefe é o presidente Temer?
Joesley – O Temer é o chefe da Orcrim da Câmara. Temer,
Eduardo, Geddel, Henrique, Padilha e Moreira. É o grupo deles. Quem não está
preso está hoje no Planalto. Essa turma é muita perigosa. Não pode brigar com
eles. Nunca tive coragem de brigar com eles. Por outro lado, se você baixar a
guarda, eles não têm limites. Então meu convívio com eles foi sempre mantendo à
meia distância: nem deixando eles aproximarem demais nem deixando eles longe
demais. Para não armar alguma coisa contra mim. A realidade é que esse grupo é
o de mais difícil convívio que já tive na minha vida. Daquele sujeito que nunca
tive coragem de romper, mas também morria de medo de me abraçar com ele.
ÉPOCA – No decorrer de 2016, o senhor, segundo admite e as
provas corroboram, estava pagando pelo silêncio de Eduardo Cunha e Lúcio
Funaro, ambos já presos na Lava Jato, com quem o senhor tivera acertos na Caixa
e na Câmara. O custo de manter esse silêncio ficou alto demais? Muito
arriscado?
Joesley – Virei refém de dois presidiários. Combinei quando
já estava claro que eles seriam presos, no ano passado. O Eduardo me pediu R$ 5
milhões. Disse que eu devia a ele. Não devia, mas como ia brigar com ele? Dez
dias depois ele foi preso. Eu tinha perguntado para ele: “Se você for preso,
quem é a pessoa que posso considerar seu mensageiro?”. Ele disse: “O Altair
procura vocês. Qualquer outra pessoa não atenda”. Passou um mês, veio o Altair. Meu Deus, como
vou dar esse dinheiro para o cara que está preso? Aí o Altair disse que a
família do Eduardo precisava e que ele estaria solto logo, logo. E que o
dinheiro duraria até março deste ano. Fui pagando, em dinheiro vivo, ao longo
de 2016. E eu sabia que, quando ele não saísse da cadeia, ia mandar recados.
ÉPOCA – E o Lúcio Funaro?
Joesley – Foi parecido. Perguntei para ele quem seria o
mensageiro se ele fosse preso. Ele disse que seria um irmão dele, o Dante.
Depois virou a irmã. Fomos pagando mesada. O Eduardo sempre dizia: “Joesley,
estamos juntos, estamos juntos. Não te delato nunca. Eu confio em você. Sei que
nunca vai me deixar na mão, vai cuidar da minha família”. Lúcio era a mesma
coisa: “Confio em você, eu posso ir preso porque eu sei que você não vai deixar
minha família mal. Não te delato”.
ÉPOCA – E eles cumpriram o acerto, não?
Joesley – Sim. Sempre me mandando recados: “Você está
cumprindo tudo direitinho. Não vão te delatar. Podem delatar todo mundo menos
você”. Mas não era sustentável. Não tinha fim. E toda hora o mensageiro do
presidente me procurando para garantir que eu estava mantendo esse sistema.
ÉPOCA – Quem era o mensageiro?
Joesley – Geddel. De 15 em 15 dias era uma agonia terrível.
Sempre querendo saber se estava tudo certo, se ia ter delação, se eu estava
cuidando dos dois. O presidente estava preocupado. Quem estava incumbido de
manter Eduardo e Lúcio calmos era eu.
ÉPOCA – O ministro Geddel falava em nome do presidente
Temer?
Joesley – Sem dúvida. Depois que o Eduardo foi preso,
mantive a interlocução desses assuntos via Geddel. O presidente sabia de tudo.
Eu informava o presidente por meio do Geddel. E ele sabia que eu estava pagando
o Lúcio e o Eduardo. Quando o Geddel caiu, deixei de ter interlocução com o
Planalto por um tempo. Até por precaução.
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