Míriam Leitão, O GLOBO
Sofri um ataque de violência verbal por parte de delegados
do PT dentro de um voo. Foram duas horas de gritos, xingamentos, palavras de
ordem contra mim e contra a TV Globo. Não eram jovens militantes, eram homens e
mulheres representantes partidários. Alguns já em seus cinquenta anos. Fui
ameaçada, tive meu nome achincalhado e fui acusada de ter defendido posições
que não defendo.
Sábado, 3 de junho, o voo 6237 da Avianca, das 19h05, de
Brasília para o Santos Dumont, estava no horário. O Congresso do PT em Brasília
havia acabado naquela tarde e por isso eles estavam ainda vestidos com
camisetas do encontro. Eu tinha ido a Brasília gravar o programa da Globonews.
Antes de chegar ao portão, fui comprar água e ouvi gritos do
outro lado. Olhei instintivamente e vi que um grupo me dirigia ofensas. O
barulho parou em seguida, e achei que embarcariam em outro voo.
Fui uma das primeiras a entrar no avião e me sentei na 15C.
Logo depois eles entraram e começaram as hostilidades antes mesmo de sentarem.
Por coincidência, estavam todos, talvez uns 20, em cadeiras próximas de mim.
Alguns à minha frente, outros do lado, outros atrás. Alguns mais silenciosos me
dirigiram olhares de ódio ou risos debochados, outros lançavam ofensas.
— Terrorista, terrorista — gritaram alguns.
Pensei na ironia. Foi “terrorista” a palavra com que fui
recebida em um quartel do Exército, aos 19 anos, durante minha prisão na
ditadura. Tantas décadas depois, em plena democracia, a mesma palavra era
lançada contra mim.
Uma comissária, a única mulher na tripulação, veio,
abaixou-se e falou:
— O comandante te convida a sentar na frente.
— Diga ao comandante que eu comprei a 15C e é aqui que eu
vou ficar — respondi.
O avião já estava atrasado àquela altura. Os gritos,
slogans, cantorias continuavam, diante de uma tripulação inerte, que nada fazia
para restabelecer a ordem a bordo em respeito aos passageiros. Os petistas
pareciam estar numa manifestação. Minutos depois, a aeromoça voltou:
— A Polícia Federal está mandando você ir para frente. Disse
que se a senhora não for o avião não sai.
— Diga à Polícia Federal que enfrentei a ditadura. Não tenho
medo. De nada.
Não vi ninguém da Polícia Federal. Se esteve lá, ficou na
porta do avião e não andou pelo corredor, não chegou até a minha cadeira.
Durante todo o voo, os delegados do PT me ofenderam,
mostrando uma visão totalmente distorcida do meu trabalho. Certamente não o
acompanham. Não sou inimiga do partido, não torci pela crise, alertei que ela
ocorreria pelos erros que estavam sendo cometidos. Quando os governos do PT
acertaram, fiz avaliações positivas e há vários registros disso.
Durante o voo foram muitas as ofensas, e, nos momentos de
maior tensão, alguns levantavam o celular esperando a reação que eu não tive.
Houve um gesto de tão baixo nível que prefiro nem relatar aqui. Calculavam que
eu perderia o autocontrole. Não filmei porque isso seria visto como provocação.
Permaneci em silêncio. Alguns, ao andarem no corredor, empurravam minha
cadeira, entre outras grosserias. Ameaçaram atacar fisicamente a emissora,
mostrando desconhecimento histórico mínimo: “quando eles mataram Getúlio o povo
foi lá e quebrou a Globo”, berrou um deles. Ela foi fundada onze anos depois do
suicídio de Vargas.
O piloto nada disse ou fez para restabelecer a paz a bordo.
Nem mesmo um pedido de silêncio pelo serviço de som. Ele é a autoridade dentro
do avião, mas não a exerceu. A viagem transcorreu em clima de comício, e, em
meio a refrões, pousamos no Santos Dumont. A Avianca não me deu — nem aos
demais passageiros — qualquer explicação sobre sua inusitada leniência e
flagrante desrespeito às regras de segurança em voo. Alguns dos delegados do PT
estavam bem exaltados. Quando me levantei, um deles, no corredor, me apontou o
dedo xingando em altos brados. Passei entre eles no saguão do aeroporto debaixo
do coro ofensivo.
Não acho que o PT é isso, mas repito que os protagonistas
desse ataque de ódio eram profissionais do partido. Lula citou, mais de uma
vez, meu nome em comícios ou reuniões partidárias. Como fez nesse último fim de
semana. É um erro. Não devo ser alvo do partido, nem do seu líder. Sou apenas
uma jornalista e continuarei fazendo meu trabalho.
(Com Alvaro Gribel, de São Paulo)
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