Editorial O Estado de S.Paulo
A trajetória de vida de Luiz Inácio Lula da Silva é marcada
pela vitimização. Até certo ponto, a condição lhe teria sido determinada pelas
adversidades que afligem tantos milhões de brasileiros como ele. Só mais tarde,
quando a malandragem já estava suficientemente desenvolvida para capturar o
potencial político daquela condição, é que nasceu a persona pública de Lula, a
eterna vítima.
Ele é o sétimo de oito filhos de um humilde casal de
lavradores analfabetos, o menino que passou fome e não teve acesso à plena
educação formal. É o sertanejo forte descrito por Euclides da Cunha, o jovem
que sobreviveu à inclemência do agreste pernambucano e veio fazer a vida na
Grande São Paulo. É o metalúrgico que ousou enfrentar a ganância da burguesia e
ascendeu como a maior liderança sindical do Brasil. É o político nato que lutou
contra a ditadura e ajudou a escrever uma nova Constituição democrática. É o
candidato que passou quatro campanhas presidenciais sendo achincalhado por não
ter um diploma universitário, mas triunfou no final. “Fui acusado de não ter
diploma superior. Ganho como meu primeiro diploma, o diploma de presidente da
República do meu País”, disse ele, chorando, em dezembro de 2002. Agora, é o
criminoso condenado injustamente a nove anos e seis meses de prisão por
corrupção passiva e lavagem de dinheiro.
Lula da Silva não existe na esfera pública se não estiver
sendo vítima de alguma injustiça ou atacado pela força de uma arbitrariedade.
Jamais é o sujeito ativo de seus próprios infortúnios, o único responsável
pelas consequências das más escolhas que faz. Quando os fatos contradizem o mito,
que se reescrevam os fatos.
No primeiro pronunciamento após a condenação histórica pelo
ineditismo – Lula da Silva é o primeiro ex-presidente da República condenado
por um crime comum –, a cantilena da vitimização deu o tom. O que se viu na
manhã de ontem, no diretório do PT em São Paulo, foi o personagem de sempre,
dizendo as platitudes de sempre. Durante o discurso, que durou pouco mais de
meia hora, em nenhum momento Lula da Silva contestou objetivamente as razões de
sua condenação, minuciosamente descritas ao longo das 238 páginas da sentença
proferida pelo juiz Sérgio Moro.
Sabedor de que a esmagadora maioria de sua audiência cativa
não irá ler a peça condenatória – e aqueles que a lerem o farão com os olhos
enviesados pela paixão que devotam ao demiurgo –, Lula se dedicou ao discurso
político de candidato à Presidência, um recurso, aliás, que hoje lhe parece ser
mais importante do que aqueles que seus advogados, certamente, irão interpor na
Justiça.
O desapreço que Lula demonstra ter pelo Poder Judiciário é
tal que o ex-presidente não se limitou a criticar o teor da sentença que o
condenou, um direito legítimo que assiste a qualquer réu. No que chamou de
“entrevista coletiva” – outra mistificação, pois não abriu espaço para
perguntas dos jornalistas –, Lula foi além e questionou a própria legitimidade
do Poder Judiciário para julgá-lo. “Só quem tem o direito de decretar o meu fim
é o povo brasileiro”, disse ele.
A fragilidade de Lula da Silva no campo jurídico é evidente.
A sentença condenatória divulgada ontem corresponde apenas a um dos cinco
processos a que o ex-presidente responde. Para ele e seus sequazes, a
alternativa à cadeia é a aposta numa candidatura à Presidência em 2018.
“Senhores da Casa Grande, permitam que alguém da senzala
cuide deste povo”, disse o pré-candidato, agora condenado, transformando o que
deveria ser um ato de contrição em um ato político-eleitoral.
A sentença do juiz Sérgio Moro expôs ao Brasil o verdadeiro
Lula da Silva, não o personagem que ele criou para sua própria conveniência
política, envernizado ao longo dos anos por marqueteiros contratados a peso de
ouro.
Mantida a sentença condenatória da primeira instância pelo
Tribunal Regional Federal (TRF) da 4.ª Região, Lula estará inelegível. Caso o
tempo da Justiça não seja o mesmo da política, que as urnas sejam tão
implacáveis quanto a sentença. Para o bem do Brasil e dos brasileiros.
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