Aos 64 anos, o ministro Luis Fux sorri nervoso quando
pergunta sobre o ineditismo de uma denúncia por corrupção contra o presidente
da República e diz acreditar que a depuração da classe política brasileira
avançará com ênfase nas eleições de 2018. Indicado pela ex-presidente Dilma
Rousseff, chegou à vaga com a esperança petista de que iria “matar no peito” o
julgamento do mensalão. Foi implacável com as lideranças do PT. Fux é assertivo
ao afirmar que todos os políticos denunciados na Operação Lava-Jato serão
julgados em até cinco anos e que o Supremo não admitirá a prescrição de nenhum
caso. Em entrevista a VEJA, o ministro conta que, desde que assumiu o cargo, há
pouco mais que seis anos, teve de abandonar uma de suas paixões, a guitarra (na
juventude, ele integrou uma banda de rock), e mitigar outra, o jiu-jítsu (é
faixa coral). Hoje, com a popularidade que a Lava-Jato levou aos juízes, diz
que sofre abordagens diárias durante as caminhadas matinais que faz no Lago
Sul, o bairro onde mora em Brasília, ocasião em que ouve uma pergunta
recorrente: “Quando é que o senhor vai prender aquela gente toda?”.
A Lava-Jato em Curitiba desvendou o petróleo e já houve mais
de uma centena de condenações. No Supremo, onde se julgam os políticos com foro
privilegiado, não houve sequer uma única condenação até hoje. Quando é que o
senhor vai prender aquela gente toda?
Lá em Curitiba há uma vara especializada só nesse tema. Ela
produz, no máximo, dez, quinze sentenças por mês. A competência do Supremo
abarca todo o território nacional, todas as matérias possíveis e imagináveis, e
nós temos de produzir uma média de 900 decisões por mês. Não temos só a
Lava-Jato para julgar.
No momento em que a sociedade clama por justiça, não seria o
caso de o Supremo fazer alguma coisa para reverter esse quadro?
Entendo que o Supremo esteja cumprindo o papel de dar
propriedade à Lava-Jato. A mudança de competência do plenário para as turmas
também teve esse escopo de agilizar o julgamento, porque o mensalão deixou um
exemplo muito difícil, com o plenário mobilizado por seis meses durante todos
os dias da semana. Não queríamos experimentar isso de novo. Mas não pode haver
atropelos porque este é um momento em que o Brasil está sendo passado a limpo.
É preciso respeitar o que se denomina de devido processo legal.
A demora não leva à impunidade?
Entendo que a Lava-Jato é uma operação absolutamente
exemplar. É uma operação que tem sido realizada
com os comedimentos exigíveis, os juízes têm agido com muita coragem e independência. Há uma perfeita
independência e um descompromisso de fazer justiça a qualquer preço. O
importante é que temos de ter o sentimento de justiça, que permeia a vontade
popular. Mas não podemos fazer justiçamento..
O senhor vai assumir a presidência do STF em setembro de 2020.
O julgamento dos políticos da Lava-Jato vai ser antes, durante ou depois de sua
gestão?
Acho que alguns serão
antes, outros durantes. De 2022, não passa.
O senhor também será presidente do TSE a partir de fevereiro
de 2018. O que acha que deveria constar da reforma politica para evitar que os
problemas que vemos hoje se repitam?
Qual foi a experiência do pluripartidarismo? Legendas de
aluguel e venda de espaço em meios de comunicação. A reforma politica começa
por aí. Em segundo lugar, o financiamento privado de campanha só deveria ser
autorizado se as empresas não pudessem fazer contratos com o poder público. Só
financiamento público vai onerar muito a sociedade. Não acho justo. Também sou
a favor da candidatura avulsa. Faz parte do jogo democrático e seria mais um
item interessante.
Alguns setores do Ministério Público defendem a ideia de que
se proponha uma anistia aos crimes de caixa dois que não envolvem propina. O
senhor acha isso possível?
Acho que a Lava-Jato deve ser irreversível e não voltar
atrás. Não deve haver anistia alguma. Se for o caso de caixa dois eleitoral,
que se enquadre na lei eleitoral. Se for o caso de corrupção, que se enquadre
no Código Penal. No mensalão entendemos taxativamente que o caixa dois era
crime de corrupção. Mas já houve também entendimentos de que algumas doações
eleitorais aparentemente lícitas foram usadas como forma de lavagem de
dinheiro. Essa suspensão condicional proposta pelo Ministério Público, se
houver, certamente vai ser discutida judicialmente.
Um juiz deve levar em conta questões como governabilidade na
hora de tomar uma decisão?
Acho que sim. Entendo que o STF também exerce uma atividade
politica. Costumo dizer, parafraseando Abraham Lincoln, que todo poder se
exerce para o povo, pelo povo em nome do povo. Com isso, o Judiciário deve
prestar satisfação à sociedade e verificar o grau de governabilidade em relação
ao resultado de sua decisão, mas não no sentido, por exemplo, de absolver um
crime patente em nome da governabilidade.
O senhor prometeu aos petistas “matar no peito” o mensalão.
Queria dizer que absolveria os réus em troca de sua indicação ao cargo?
A realidade é que há uma liturgia para todos os que disputam
cargo em tribunais superiores. Dizer que bateram à sua porta para convidá-lo a
integrar um tribunal superior é absolutamente irreal. A técnica mais lícita de
fazer essa caminhada é apresentar seus trabalhos, aquilo que caracteriza seu
mérito. Eu tinha quinze livros publicados, era professor titular da Uerj, tinha
todos os títulos acadêmicos, tirei o primeiro lugar em todos os concursos que
fiz. Entreguei currículos a pessoas que mais tarde vieram a ser foco de
investigação e, dentro da minha independência, depois condenei quem eu tinha de
condenar.
Mas, afinal, o senhor prometeu ou não “matar no peito”?
Na época, a pergunta que me foi feita era como é que eu me
comportaria diante desses casos tão
difíceis. Eu disse: ”Sou juiz de carreira. Não tenho medo de decidir nada. Essas coisas eu mato no peito”. Foi nesse
contexto. Tanto foi que mostrei como é que eu matava. É o meu jeito de falar.
Seu padrinho político para chegar ao STF foi o ex-governador
Sérgio Cabral, já condenado a catorze anos de prisão e réu em diversos
processos da Lava-Jato. Está surpreso com o que foi descoberto no Rio?
Estou perplexo. Nunca imaginei na minha vida que houvesse
esse tipo de prática no meu estado, nem eu nem as cariocas. Até porque, num
conceito geral, Cabral foi o melhor governador do Estado do Rio. Não quero
prejulgar, mas o que se tem noticiado não era de conhecimento de ninguém, nem
como suspeita.
O senhor concorda com o sistema em que cabe ao presidente da
Republica indicar ministros das cortes superiores?
Tenho a impressão que esse tipo de escolha ainda é uma boa
maneira porque no Brasil só meritocracia não adianta. E só indicação politica
também não adianta. O binômio meritocracia-indicação politica funciona. Se se
deixar a indicação ser feita pela magistratura, não haverá consenso, porque
existe magistratura estadual, federal e há estados com maior importância que
outros. Assim, há um balanceamento: você precisa fazer carreira expressiva para
ser conhecido e, depois, disputar a preferência do Executivo. E então o
Executivo vai submeter a indicação ao Parlamento.
Sua filha, Marianna Fux, foi alvo no ano passado de uma
polêmica devido a esse sistema de inclinação ao ser escolhida desembargadora.
Ela recebeu críticas porque é minha filha, porque se fosse
outra pessoa não receberia. Ela foi a segunda colocada na lista da OAB e no
tribunal obteve cerca de 120 votos. O caso dela é de meritocracia com indicação
política.
Como cidadão, o que o senhor sente ao ouvir tantas suspeitas
e acusações de corrupção, inclusive envolvendo o presidente da República?
Não vou entrar nessa questão. Isso ainda será alvo de
analise do plenário do tribunal. Não quero me antecipar a nada. Agora, como
opinião pessoal, é lamentável que haja essa suspeita sobre o presidente da
República. Não imaginávamos que havia essa proliferação de manobras pouco
recomendáveis na área mais importante de Estado democrático de direito, que é o
poder político. Revelou-se um quadro lamentável. O Brasil não precisava estar
passando por tudo isso.
Este é um dos momentos em que se pondera o equilíbrio entre
governabilidade e Justiça?
Não. Isso não pode impedir o Estado de impor a sua ordem
penal. Quando falo em governabilidade, é no sentido das consequências das
decisões judiciais sobre o plano econômico, sobre o plano social, sobre o
ângulo trabalhista, sobre questão de equilíbrio das finanças do país. Governabilidade
não significa um país ter um Judiciário condescendente.
O que lhe parece ter um juiz ou ex-juiz candidato à
Presidência?
Não vejo nenhuma inconveniente no fato de que a população
enxergue num magistrado uma pessoa ideal para o exercício do comando da nação.
Hoje nos eventos que frequentamos surge essa relação sinérgica com o Poder
Judiciário. O Judiciário inspira confiança e esperança.
Os nomes que são postos encontram receptividade?
Os nomes postos são respeitáveis, como Joaquim Barbosa,
Ayres Britto. O ministro Joaquim é um homem muito inteligente, muito preparado,
que poderia formar uma grande equipe. Ele não iria administrar sozinho. Sergio
Moro acho também um nome, mas o Brasil não pode viver só de combate à
corrupção. O Brasil precisa da classe política.
O Judiciário inspira esperança e confiança, como o senhor
disse. O que se deve esperar do Judiciário em relação à punição de políticos?
O que se pode esperar do Judiciário é independência total.
Se as provas no processo forem tal como no mensalão, quem estiver nessa
condição será irremediavelmente condenado. Posso garantir que o Supremo não vai
deixar prescrever nenhuma pena. O Supremo Tribunal Federal vai fazer com que o
Brasil passe a vivenciar um novo padrão ético e moral, que é o que o país merece.
Posso garantir isso.
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