Artigo de Fernando Gabeira
Quase todo dia somos obrigados a demonstrar em nossa vida
digital que não somos um robô. Michel Temer, ao lado de Rodrigo Maia, anunciou
um grande plano de segurança para o Rio. E até o meio da semana não tinha feito
nada. Para milhões que não os conhecem pessoalmente agora precisam provar que
não são robôs, que não passavam apenas de uma combinação de vozes gravadas e
milhares de pixels. A situação tornou-se insustentável.
O próprio Maia, presidente da Câmara, reconheceu que o
governo do Rio perdeu o controle. Temer e Maia estavam discutindo no princípio
da semana quem ficaria com um grupo de deputados do PSB. Em suma, estavam
absortos na luta pelo poder. Os tiroteios são diários, escolas são atacadas, crianças,
alvejadas ou atropeladas no ventre da mãe, os policiais morrendo mais do que em
qualquer época de nossa história recente.
Há outro problema: o crescimento do roubo de cargas. As
estradas estão perigosas para quem chega ao Rio. O perigo assombra os
motoristas de caminhão. As consequências já estão anunciadas: seguradoras não
aceitam mais cobrir cargas que têm o Rio como destino, e as empresas podem
parar de abastecer a cidade. Um colapso no abastecimento nos jogaria na
Venezuela e seríamos forçados a emigrar para Roraima em busca de supermercados.
Se Temer não é um robô creio que já se fez uma pergunta
elementar: por que um país que teve a capacidade de desmontar um gigantesco
esquema de corrupção não consegue desarticular as quadrilhas de assaltantes que
operam nas estradas do Rio?
Talvez não tenha percebido, como se percebe daqui, que o
governo está no chão. Num spa de Penedo, mas de qualquer forma no chão. O ideal
seria resolvermos nossos próprios problemas. Mas estamos numa federação, e o
país, nesse caso, precisa intervir. A única saída que me parece trazer alguma
possibilidade não só de evitar o pior como de recolocar o Rio nos trilhos é uma
intervenção federal.
O universo político imerso na luta pela sobrevivência,
diante da Lava Jato, não consegue incluir esse tema na agenda nacional. Pode
haver até a necessidade de convencer outros estados da federação. Há custos
que, na verdade, podem se transformar em investimentos.
Guardadas as proporções, a inclusão do lado oriental custou
muito à Alemanha. Mas o país continua crescendo. Sinal de que os gastos, na
verdade, foram investimentos. Acho o exemplo precário. No entanto, o
raciocínio, em termos abstratos, é válido. Temer não é Helmut Kohl, as
economias tinham dimensões e produtividades diferentes.
Em compensação o Rio daria, proporcionalmente, muito mais do
que a Alemanha comunista. Retomar a segurança pública reanimaria sua grande
fonte de renda, o turismo. E numa posição estratégica como porta de entrada do
turismo internacional.
A produção do conhecimento, apesar dos embates que a crise
lhe impôs, como declínio da pesquisa, fuga de cérebros, ainda é um recurso
também estratégico para a economia nacional. No momento em que esses temas são
secundários no universo político, a esperança é a de que as Forças Armadas
também não deem as costas para ele, sob o argumento de que sua tarefa é
defender o país de inimigos externos.
Mas o povo do Rio está desamparado. É preciso que os
agressores vistam um uniforme estrangeiro para que se saia, provisoriamente, em
sua defesa? Não se trata aqui apenas de fazer o papel da polícia, mas sim de
evitar que ela seja dizimada. Vivemos uma situação grave a que os próprios
estudiosos de guerra deveriam dar alguma atenção. O projeto das UPPs, que
reuniu recursos do estado e de empresas, foi uma opção com resultados muito rápidos,
portanto muito mais gratificantes de um ponto de vista político e eficazes para
garantir Copa e Olimpíada. Ele ignorou as leis da guerra de guerrilha que se
aplicam a uma realidade assimétrica independente de ideologias. Seria preciso o
Exército chinês, com seus milhões de soldados, para instalar UPPs operantes em
cerca de mil comunidades do Rio.
A lei da guerrilha acabou se impondo no comportamento do
mundo do crime: quando o inimigo se concentra, você se dispersa; quando o
inimigo se dispersa, você se concentra. A dispersão para comunidades sem UPPs,
para a Baixada, para cidades médias foi uma realidade. Campos tornou-se a mais
violenta do estado.
Agora, com a crise nacional, prisão de políticos do Rio que
se mostraram assaltantes em escala monumental, vivemos o que o inesquecível
Marinho Celestino chamava de a volta do retorno. Numericamente, nossas perdas
se igualam ou superam as provocadas pelo terrorismo. Sem governantes aptos, a
própria sociedade terá de demonstrar que não é um robô. Num outro país, os
líderes políticos teriam visitado as mães atingidas, prestariam homenagem aos
policiais mortos. Existe ainda, ao lado da alienação dos políticos, um caldo de
cultura que estigmatiza a polícia e romantiza o crime.
Simpathy for the devil, como no título da canção.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 23/07/2017
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