quinta-feira, 17 de agosto de 2017

CERIMÔNIA DA MENTIRA

Heródoto Barbeiro, Observatório da Imprensa
O rei está nu. Esta foi a melhor definição de transparência de todos os tempos. Todos viam as partes pudicas de sua majestade e não comentavam. Temiam a reação do soberano. Foi preciso que uma criança dissesse a verdade. Nos dias atuais o rei mudou de comportamento. Cobre tudo com o mais pesado tecido para que o povo não veja o que se passa no governo. Há um biombo que foi recentemente e parcialmente derrubado pelo portal da transparência. O que se viu foi uma suruba, usando a expressão de um probo senador da república.
O manto diáfano ainda cobre grande parte das instituições do Estado e o provedor de tudo, o contribuinte não tem acesso quanto e como se gasta o imposto que paga. A casta que domina o Estado privatizou suas atividades e perpetua esse domínio com as reeleições consecutivas para os cargos no legislativo e executivo. O judiciário é aparelhado pela promoção de escolhidos para os tribunais superiores que também são indicações políticas e não de notável saber jurídico. Uma tempestade perfeita contra o cidadão.
As autoridades de vários níveis exacerbam na realização de rituais e cerimonias. Dão a impressão à população que estão sendo transparentes, mas o que ocorre é apenas um processo narrativo. Todos saem do evento, uns com a sensação que há transparência, outros que conseguiram enganar o distinto público mais uma vez. Querem todos ficar bem na foto, tanto o principal oficiante como seus coadjuvantes. Para realizar uma narração perfeita leem disfarçadamente as mensagens que julgam mais importantes. Treinam ler o teleprompter duplo, transparente, que proporciona virar a cabeça de um lado e outro como se estivesse falando com os dois lados do auditório.
No vídeo publicado na internet passam a impressão que falam com convicção. Leem na câmara de tevê. Ou usam um púlpito especialmente construído com uma inclinação que impede o auditório, e as câmaras, mostrarem o papel com as key messages lá escolhidas. Mistura-se o improviso sobre o irrelevante com as mensagens escritas e lidas discretamente. Gestos, pausas, olhares no horizonte reforçam a encenação. Uma vez dado o recado, o condutor da cerimonia retira-se com sorriso falso e se recolhe com os seus assessores. Perguntas dos jornalistas não fazem parte cerimonial, portanto estão descartadas.
Mais informações e mais comunicação, necessariamente, não clarificam as instituições do Estado. Com o crescimento das mídias sociais é possível encher o vazio de notícias falsas que levem os cidadãos a acreditar que sabem de tudo o que tem direito. Elas também eximem os governantes de plantão de serem humilhados com a bateção de panelas quando convocam uma rede oficial de rádio e televisão. Portanto é preciso ficar atento que a massa de informação não gera verdade. Há necessidade que elas sejam processadas, avaliadas, criticadas e debatidas. Ou seja que a narrativa seja substituída pela adição de novas formas de avaliação intelectual.
Assim a sociedade da transparência elimina todos os rituais e cerimonias caras e que demonstram que os oficiantes não tem muito mais coisa para fazer durante o dia. Elas atrapalham a aceleração de circulação da informação, da comunicação e da produção. A agenda se torna mais encorpada e ganha destaque na divulgação.
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