Heródoto Barbeiro, Observatório da Imprensa
O rei está nu. Esta foi a melhor definição de transparência
de todos os tempos. Todos viam as partes pudicas de sua majestade e não
comentavam. Temiam a reação do soberano. Foi preciso que uma criança dissesse a
verdade. Nos dias atuais o rei mudou de comportamento. Cobre tudo com o mais
pesado tecido para que o povo não veja o que se passa no governo. Há um biombo
que foi recentemente e parcialmente derrubado pelo portal da transparência. O
que se viu foi uma suruba, usando a expressão de um probo senador da república.
O manto diáfano ainda cobre grande parte das instituições do
Estado e o provedor de tudo, o contribuinte não tem acesso quanto e como se
gasta o imposto que paga. A casta que domina o Estado privatizou suas
atividades e perpetua esse domínio com as reeleições consecutivas para os
cargos no legislativo e executivo. O judiciário é aparelhado pela promoção de
escolhidos para os tribunais superiores que também são indicações políticas e
não de notável saber jurídico. Uma tempestade perfeita contra o cidadão.
As autoridades de vários níveis exacerbam na realização de
rituais e cerimonias. Dão a impressão à população que estão sendo
transparentes, mas o que ocorre é apenas um processo narrativo. Todos saem do
evento, uns com a sensação que há transparência, outros que conseguiram enganar
o distinto público mais uma vez. Querem todos ficar bem na foto, tanto o
principal oficiante como seus coadjuvantes. Para realizar uma narração perfeita
leem disfarçadamente as mensagens que julgam mais importantes. Treinam ler o
teleprompter duplo, transparente, que proporciona virar a cabeça de um lado e
outro como se estivesse falando com os dois lados do auditório.
No vídeo publicado na internet passam a impressão que falam
com convicção. Leem na câmara de tevê. Ou usam um púlpito especialmente
construído com uma inclinação que impede o auditório, e as câmaras, mostrarem o
papel com as key messages lá escolhidas. Mistura-se o improviso sobre o
irrelevante com as mensagens escritas e lidas discretamente. Gestos, pausas,
olhares no horizonte reforçam a encenação. Uma vez dado o recado, o condutor da
cerimonia retira-se com sorriso falso e se recolhe com os seus assessores.
Perguntas dos jornalistas não fazem parte cerimonial, portanto estão
descartadas.
Mais informações e mais comunicação, necessariamente, não
clarificam as instituições do Estado. Com o crescimento das mídias sociais é
possível encher o vazio de notícias falsas que levem os cidadãos a acreditar
que sabem de tudo o que tem direito. Elas também eximem os governantes de
plantão de serem humilhados com a bateção de panelas quando convocam uma rede
oficial de rádio e televisão. Portanto é preciso ficar atento que a massa de
informação não gera verdade. Há necessidade que elas sejam processadas, avaliadas,
criticadas e debatidas. Ou seja que a narrativa seja substituída pela adição de
novas formas de avaliação intelectual.
Assim a sociedade da transparência elimina todos os rituais
e cerimonias caras e que demonstram que os oficiantes não tem muito mais coisa
para fazer durante o dia. Elas atrapalham a aceleração de circulação da
informação, da comunicação e da produção. A agenda se torna mais encorpada e
ganha destaque na divulgação.
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