Na década de 1940, o cinema americano desembarcou de vez no
Brasil. Foram 134 filmes, 406 documentários e 1.700 cinejornais até 1945. Rolos
de 16 e 35 milímetros, projetores e demais equipamentos eram transportados em
charretes puxadas por cavalos ou burros pelos rincões do país sob a rubrica
Comitê de Coordenação Americana.
O comitê, na verdade, era o OCIAA (Escritório do Coordenador
de Assuntos Inter-Americanos), agência americana responsável pela
"política de boa vizinhança" durante a Segunda Guerra (1939-45). Na
época, a boa vizinhança pretendia firmar vínculos militares e diplomáticos
entre EUA e América Latina contra o nazifascismo.
Dirigido pelo bilionário Nelson Aldrich Rockefeller, que nos
anos 1970 se tornaria vice-presidente dos EUA, o OCIAA organizou a BD (Divisão
Brasileira, na sigla em inglês), cuja missão era disseminar o "American
way of life" no Brasil.
"O cinema foi o mais importante instrumento de
persuasão política dos EUA", afirma Alexandre Busko Valim, autor de
"O Triunfo da Persuasão" (Alameda, 2017) e professor da Universidade
Federal de Santa Catarina.
Valim vasculhou o Arquivo Nacional em College Park,
Maryland, durante seu pós-doutorado na Universidade de Nova York, entre 2015 e
2016. No livro, recém-lançado, o historiador revela documentos confidenciais e
informações inéditas sobre essas operações de diplomacia cultural.
Um dos documentos é um memorando de abril de 1942, que
explicita as propostas do OCIAA: destacar o poderio militar, reforçando a ideia
de que os EUA tinham o que era preciso para vencer a guerra; indicar que uma
vitória dos inimigos escravizaria a América do Sul; e mostrar motivos para uma
"ativa amizade".
O interesse dos EUA no Brasil era estratégico nos tempos de
guerra: cá estavam matérias-primas como alumínio, amianto, bauxita, borracha e
manganês, entre outras.
A BD se instalou quase que clandestinamente no país
governado por Getúlio Vargas. Um decreto-lei à época proibia o exercício de
atividade de natureza política por estrangeiros. Para contorná-lo, a BD
funcionaria como subcomitê da Câmara Americana de Comércio no Rio.
Ativa entre 1941 e 1945, a BD fundou comitês no Rio, São
Paulo, Salvador, Recife, Porto Alegre, Natal, Fortaleza, Curitiba, Belo
Horizonte e Belém. Em busca de uma audiência maior, levou projeções gratuitas a
quartéis, clubes, praças, presídios, sindicatos e missas no interior.
Em cidades pequenas, muitas vezes a única fonte de luz eram
lamparinas a querosene. Sob a fachada de filmes educativos, mais de mil foram
exibidos pela BD aqui.
Muitas mensagens não eram subliminares, como dizia a
introdução de um pequeno curta-metragem: "Este filme que você está prestes
a assistir é oferecido pelo povo americano ao povo brasileiro. Aqui nos EUA nós
estamos continuamente vendo filmes sobre o Brasil, e nós esperamos que você
aprecie nossas coisas e gostem de nós assim como nós gostamos de vocês".
Transmitidos em inglês, legendados sempre que possível, os
filmes eram feitos sob contratos intermediados pelo OCIAA: as reuniões da BD,
no Rio, contavam com a participação da embaixada dos EUA e representantes de
estúdios como 20th Century Fox e Paramount, e às vezes convidados especiais,
como Orson Welles durante a temporada em que filmou no país.
Nesse contexto, Carmen Miranda se tornou uma espécie de
embaixatriz do Brasil nos EUA: os filmes dela fizeram sucesso estrondoso na
aproximação entre os países.
Outro sucesso foi Walt Disney, que fez uma série de
animações sob encomenda do OCIAA. No filme "Alô, Amigos" (1943),
Disney apresentou um novo personagem, Zé Carioca, que passeava por territórios
sul-americanos ao som de "Aquarela do Brasil".
Segundo Valim, a animação causou alvoroço. "Era
considerada uma das produções mais exitosas na disseminação da política da boa
vizinhança em solo brasileiro."
Em 1945, com o fim da guerra, o complexo logístico da BD foi
desmontado. Além da aliança diplomática, o investimento garantiu um mercado
consumidor no Brasil aos EUA pós-guerra.
O TRIUNFO DA PERSUASÃO
autor: Alexandre Busko Valim
editora: Alameda
Quanto: R$ 68
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