Artigo de Fernando Gabeira
Nas circunstâncias nacionais, parece uma heresia lembrar que
está chegando a primavera. Mas, além de boa notícia, é algo de que estou
seguro. Algo que posso anunciar nas segundas-feiras, quando tento prever os
fatos da semana, num programa de rádio. Em nosso processo histórico tão
imprevisível, a constância das estações do ano é um bálsamo.
Claro que poderia melhorar as previsões. Garotinho já foi
preso três vezes. Dava para prever a época em que seria preso de novo. Mas, se
contasse com a prisão de Garotinho, o imprevisível, o realismo fantástico me
surpreenderia. Garotinho foi preso apresentando um programa de rádio. O locutor
que lhe sucedeu naquele momento disse que Garotinho tinha perdido a voz. Os
médicos recomendaram silêncio. Ele poderia voltar amanhã ou daqui a alguns
dias.
A prisão de Garotinho foi a única que teve uma versão para
as crianças. No plano mais amplo, tempestades se formam e, pela primeira vez,
pressenti um quadro mais completo. Com as gravações de Joesley Batista e
documentos de uma advogada da JBS, entregues por seu ex-marido, a empresa
insinua relações promíscuas com o Poder Judiciário.
Aliás, o próprio Joesley já tinha definido a situação ao
afirmar, num dos áudios, que o Congresso foi atingido pela delação da Odebrecht
e a ele cabia denunciar Temer e o STF. Os dados que havia num dos áudios, no
qual se gravou o ex-ministro José Eduardo Cardozo, eram tão problemáticos que o
procurador Marcello Miller previa até cadeia para quem os mencionasse. Mas a
gravação não foi destruída, e sim enviada para o exterior. Sinal de que Joesley
ainda conta com ela no seu poder de barganha.
Tudo isso está sendo investigado, suponho. Há pedidos da
própria Cármen Lúcia e de Janot nesse sentido. O Poder Judiciário está diante
de um desafio: rigor e transparência nas denúncias sobre ele mesmo.
Joesley Batista gravou muito gente, além de Temer. Alguns,
como Gilmar Mendes, já se adiantaram afirmando que podem ter sido gravados. O
áudio mais importante para Joesley foi o gravado com o Temer. Tornou-se moeda
de troca na delação premiada. Mas, naquele momento, ele tinha com quem
negociar. Agora, talvez interesse mais ocultar essas gravações e esperar uma
nova oportunidade. Ou mesmo ocultá-las para sempre, em sinal de boa vontade em
relação aos seus potenciais julgadores.
Pode ser que o vento afaste as nuvens de tempestade. Mas,
por outro lado, as denúncias foram publicadas. O material divulgado pela
revista “Veja” sugeria compra de ministros do STJ e uma enigmática frase:
Dalide ferrou o Gilmar. Essa frase, na verdade, é vista numa mensagem da
ex-advogada da JBS. Diz respeito a uma gravação entre Dalide Correa, ex-sócia
de Gilmar, e o diretor jurídico da JBS. Vale a pena investigar tudo isso e
colocar mais um poder na berlinda? Os próprios ministros mencionados mostram-se
interessados numa investigação, para esclarecer os fatos. Que venha a transparência.
Na temperatura das águas, nas amoreiras, a primavera traz
leveza. O bastante para abordar esse grande debate político-cultural em torno
da exposição patrocinada pelo Santander em Porto Alegre.
Durante muitas anos participei de lutas minoritárias no Brasil.
Minha experiência é que a única forma de não perder o respeito da maioria é
procurar sempre o caminho democrático.
A liberdade de expressão artística é inegável. No entanto,
ao trabalhar com verbas e educação pública, é necessário reconhecer a grande
maioria das famílias que quer ter a primazia na educação sexual de seus filhos.
Enfim, saber em que país está se movendo, e negociar, de forma que não se
produzam reações em cadeia que acabem fortalecendo o retrocesso.
Creio que a experiência americana que resultou na vitória de
Donald Trump merece uma avaliação. Será que não corremos, em circunstâncias
diferentes, o mesmo risco? Um fator que sempre me impressionou na vitória de
Trump era de como o universo informado dos leitores, acadêmicos, enfim todos, levou
um susto com o país real.
Num mundo, Hilary era a vencedora, no outro, Trump. É
preciso levar em conta a maioria e avançar de forma não ameaçadora, respeitar,
em todos os momentos, a pluralidade das posições.
Quando digo não ameaçador, não quero dizer sorrateiro, mas,
sim, um processo claro, uma proposta de convivência onde todos se sintam
seguros.
No caso dos Estados Unidos, a insegurança tinha raízes
também na economia, os empregos perdidos na globalização. Aqui há um grande
nível de desemprego e incerteza econômica.
É nesse contexto que vejo o debate cultural. Poderia ser
tudo mais simples se não houvesse dinheiro público nem visitas escolares como
compensação ao incentivo fiscal. Com recurso do banco e obedecendo aos
parâmetros legais, como todos os outros espetáculos, seria apenas uma exposição
de arte. E com grandes nomes.
São visões de caminho. É um palpite de quem tem experiência
de tratar com as maiorias e um conhecimento de regiões distantes do país.
Certeza mesmo, só a primavera.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 17/09/2017
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