O juiz federal da 14ª Vara do Distrito Federal Waldemar
Cláudio de Carvalho concedeu liminar que abre brecha para que psicólogos
ofereçam a terapia de reversão sexual, conhecida como ‘cura gay’, tratamento
proibido pelo Conselho Federal de Psicologia desde 1999. A decisão atende a
pedido da psicóloga Rozangela Alves Justino em processo aberto contra o
colegiado, que aplicou uma censura à profissional por oferecer a terapia aos seus
pacientes. Segundo Rozângela e outros psicólogos que apoiam a prática, a
Resolução do C.F.P. restringia a liberdade científica.
“Sendo assim, defiro, em parte, a liminar requerida para,
sem suspender os efeitos da Resolução nº 001/1990, determinar ao Conselho
Federal de psicologia que não a interprete de modo a impedir os psicólogos de
promoverem estudos ou atendimento profissional, de forma reservada, pertinente
à (re) orientação sexual, garantindo-lhes, assim, a plena liberdade científica
acerca da matéria, sem qualquer censura ou necessidade de licença prévia por
parte do C.F.P., em razão do disposto no art. 5º. inciso IX, da Constituição de
1988”, anota o magistrado.
Norma. Segundo a resolução 001/1999, do Conselho Federal de
Psicologia, ‘os psicólogos não exercerão qualquer ação que favoreça a
patologização de comportamentos ou práticas homoeróticas, nem adotarão ação
coercitiva tendente a orientar homossexuais para tratamentos não solicitados’.
“os psicólogos não exercerão com eventos e serviços que proponham tratamento e
cura das homossexualidades”. Os autores da ação, que apoiam o tratamento de
reversão sexual, pediam que a norma fosse considerada inconstitucional por
supostamente ‘restringir’ a liberdade científica.
“A fim de interpretar a citada regra em conformidade com a
Constituição, a melhor hermenêutica a ser conferida àquela resolução deve ser
aquela no sentido de não provar o psicólogo de estudar ou atender àqueles que,
voluntariamente, venham em busca de orientação acerca de sua sexualidade, sem
qualquer forma de censura preconceito ou discriminação. Até porque o tema é
complexo e exige aprofundamento científico necessário”, anotou o magistrado, em
ata de audiência no dia 15 de setembro.
O magistrado não considerou a norma que proíbe a cura gay
como inconstitucional, mas disse entender que os profissionais não podem se
negar a fornecer o atendimento.
“Conforme pode ver, a norma em questão, em linhas gerais,
não ofende os princípios maiores da Constituição. Apenas alguns de seus
dispositivos, quando e se mal interpretados, podem levar à equivocada
hermenêutica no sentido de se considerar vedado ao psicólogo realizar qualquer
estudo ou atendimento relacionados à orientação ou reorientação sexual. Digo
isso porque a Constituição, por meio dos já citados princípios constitucionais,
garante a liberdade científica bem como a plena realização da dignidade da
pessoa humana, inclusive sob o aspecto de sua sexualidade, valores esses que
não podem ser desrespeitados por um ato normativo infraconstitucional, no caso,
uma resolução editada pelo C.F.P.”, justificou o juiz.
Autores. Ao conceder a liminar o magistrado ainda permite
que os psicólogos autores da ação voltem
a oferecer a terapia de (re) orientação sexual. “O perigo da demora também se
faz presente, uma vez que , não obstante o ato impugnado datar da década de 90,
os autores encontram-se impedidos de clinicar ou promover estudos científicos
acerca da (re) orientação sexual, o que afeta sobremaneira os eventuais
interessados nesse tipo de assistência psicológica”.
O Conselho Federal de Psicologia (CFP) puniu, com censura
pública, em 2009, a psicóloga carioca Rosângela Alves Justino, que oferecia
terapia para ‘curar’ a homossexualidade masculina e feminina.
De acordo com o colegiado, ela infringiu resolução do
Conselho Federal de Psicologia, de 22 de março de 1999, na qual a entidade
afirma que a homossexualidade “não constitui doença, nem distúrbio e nem
perversão”.
O CFP manteve, naquele ano, a punição que tinha sido
aplicada à psicóloga pelo Conselho Regional de Psicologia do Rio de Janeiro.
Com a liminar, a médica obteve parecer favorável da Justiça
para fornecer o tratamento.
COM A PALAVRA, O CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA
A Justiça Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal
acatou parcialmente o pedido liminar numa ação popular contra a Resolução 01/99
do Conselho Federal de Psicologia (CFP) que orienta os profissionais da área a
atuar nas questões relativas à orientação sexual. A decisão liminar, proferida
nesta sexta-feira (15/9), abre a perigosa possibilidade de uso de terapias de
reversão sexual. A ação foi movida por um grupo de psicólogas (os) defensores
dessa prática, que representa uma violação dos direitos humanos e não tem
qualquer embasamento científico.
Na audiência de justificativa prévia para análise do pedido
de liminar, o Conselho Federal de Psicologia se posicionou contrário à ação,
apresentando evidências jurídicas, científicas e técnicas que refutavam o
pedido liminar. Os representantes do CFP destacaram que a homossexualidade não
é considerada patologia, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) –
entendimento reconhecimento internacionalmente. Também alertaram que as
terapias de reversão sexual não têm resolutividade, como apontam estudos feitos
pelas comunidades científicas nacional e internacional, além de provocarem
sequelas e agravos ao sofrimento psíquico.
O CFP lembrou, ainda, os impactos positivos que a Resolução
01/99 produz no enfrentamento aos preconceitos e na proteção dos direitos da
população LGBT no contexto social brasileiro, que apresenta altos índices de
violência e mortes por LGBTfobia. Demonstrou, também, que não há qualquer
cerceamento da liberdade profissional e de pesquisas na área de sexualidade
decorrentes dos pressupostos da resolução.
A decisão liminar do juiz federal Waldemar Cláudio de
Carvalho mantém a integralidade do texto da Resolução 01/99, mas determina que
o CFP a interprete de modo a não proibir que psicólogas (os) façam atendimento
buscando reorientação sexual. Ressalta, ainda, o caráter reservado do
atendimento e veda a propaganda e a publicidade.
Interpretação – O que está em jogo é o enfraquecimento da
Resolução 01/99 pela disputa de sua interpretação, já que até agora outras
tentativas de sustar a norma, inclusive por meio de lei federal, não obtiveram
sucesso. O Judiciário se equivoca, neste caso, ao desconsiderar a diretriz
ética que embasa a resolução, que é reconhecer como legítimas as orientações
sexuais não heteronormativas, sem as criminalizar ou patologizar. A decisão do
juiz, valendo-se dos manuais psiquiátricos, reintroduz a perspectiva
patologizante, ferindo o cerne da Resolução 01/99.
O Conselho Federal de Psicologia informa que o processo está
em sua fase inicial e afirma que vai recorrer da decisão liminar, bem como
lutará em todas as instâncias possíveis para a manutenção da Resolução 01/99,
motivo de orgulho de defensoras e defensores dos direitos humanos no Brasil.
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