sábado, 9 de setembro de 2017

SUPREMO JEITINHO

Artigo de Jorge Maranhão, Congresso em Foco
Se por um lado, e com razão, a ministra Cármen Lúcia reclama da dignidade da Suprema Corte, a propósito dos grampos dos falastrões da JBS, é bom também ouvir as redes sociais quanto à dignidade do próprio cidadão brasileiro que, como ela própria já disse, está cansado de ver a Justiça tardar.
Ainda mais quando tarda no questionamento da conduta de seus próprios pares pela PGR, quando cometem excessos na participação do debate político, que é mais pertinente entre cidadãos eleitores e agentes públicos eleitos. O que não é mesmo o caso de membros do próprio Supremo, como recentemente o Sr. ex-advogado Gilmar Mendes, que não tem pejo em frequentar a mídia com jocosas tiradas e até mesmo impropérios contra a opinião pública.
Diante do pedido de impedimento da PGR, no caso de seu pronto habeas corpus ao “Rei dos Ônibus” do Rio de Janeiro, o supremo Gilmar declara que solta presos da Lava Jato hoje para proteger o cidadão do eventual abuso do Estado de amanhã.
Quando eu mesmo e muitos cidadãos desta província desgovernada, justamente pelas relações espúrias de políticos com donos de companhias de ônibus e contraventores menores do bicho e suas generosas caixinhas eleitorais, dispensamos o pré-juízo do ministro para nos defender do amanhã. Prefiro que o ministro, batedor de boca inigualável, se limite a julgar os fatos e não suas suposições.
Já não é a primeira nem será a última decisão retorcida do supremo árbitro que, por vício de militância de ofício, não desencarnou do vezo de advogar sem procuração e por causas hipotéticas.
Em 14/12/16 escrevi um artigo no Globo, exatamente com o mesmo título deste, sobre a interpretação torcida e contorcida do STF em relação ao impedimento do então presidente do Senado Renan Calheiros. Repito a dose, não por uma questão de memória fraca ou gosto pelo ritornelo barroquista de nossa cultura. Mas para evidenciar esta tese que defendo de que a questão da torção dos significados de nosso ver, entender e agir é geral e atávica. Cultural e histórica. Compreendendo todos os cidadãos, sem exceção, a começar dos assentados nos mais altos postos da República.
Em junho passado, foi o rumoroso caso do julgamento da chapa Dilma-Temer quando nosso Gilmar Mendes torceu pela “estabilidade política” ao decidir pela não-cassação do presidente da República, embora metade da Corte e a opinião pública de toda cidadania clamassem para que o douto juízo dos ministros se cingisse às provas elencadas nos autos do processo, como manda a boa processualística, e não a conjuntura política nacional como acabou impondo Gilmar. E agora, o mercurial ministro inaugura a farra geral de habeas corpus para processados da Lava Jato.
Em artigo mais recente, no Globo de 23/8, nosso grande antropólogo Roberto DaMatta, questionou o ministro Gilmar Mendes por não se declarar impedido. E perguntava com fina ironia: “É possível ser juiz e compadre?”
Para além de seu acintoso desrespeito à opinião pública, um eventual atentado contra a ética da magistratura, pelo seu jeitinho todo particular de torcer e interpretar sua decisão pela fria letra da lei e não pela  exigência maior da moralidade pública, não seria um escárnio para com a dignidade da própria instituição do STF?
No seu discurso de posse como chefe do Poder Judiciário, a Sra. ministra Carmen Lúcia afirmava que a Justiça deveria servir ao cidadão. Chegou mesmo a desafiar o protocolo ao se dirigir ao Presidente da República só depois de se dirigir à “sua excelência o cidadão”.
Pois bem, ministra, faça-me então o favor de levar esta Corte a respeitar a dignidade dos cidadãos brasileiros. Impeça o ministro Gilmar de continuar jogando na lama a sua credibilidade. Pois como cidadão soberano de qualquer servidor público, me sinto enojado com tamanha desfaçatez.
Se não quiser responder a mim, mero cidadão pagador de impostos, responda ao menos ao professor Roberto DaMatta, cidadão ilustre e referência de nossa alta cultura.
É concebível um ministro achincalhar a opinião pública? Desprezar princípios gerais da moralidade pública e do senso comum, quando o Brasil todo não pode estar errado?
Se não basta ser honesta a mulher de Cesar, trata-se mesmo de uma discussão estritamente legal a assertiva do ministro de que seu compadrio não o impede de julgar?
Ou mais uma vez, não estamos a chafurdar na suprema lei brasileira do jeitinho? Colocando a moralidade pública para escanteio sob a sonsa alegação de legalices? Legitimando a doença de nossa cultura barroquista, nossa paixão pelo paradoxo de torcer, retorcer e distorcer os fatos de acordo com o interesse do poderoso da vez? Dando margem a que eu mesmo volte a alcunhar esta Corte de Supremo Jeitinho?
Pois acreditei no seu discurso de posse, ministra, no seu compromisso em cumprir para com a palavra empenhada.
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