Artigo de Jorge Maranhão, Congresso em Foco
Se por um lado, e com razão, a ministra Cármen Lúcia reclama
da dignidade da Suprema Corte, a propósito dos grampos dos falastrões da JBS, é
bom também ouvir as redes sociais quanto à dignidade do próprio cidadão
brasileiro que, como ela própria já disse, está cansado de ver a Justiça
tardar.
Ainda mais quando tarda no questionamento da conduta de seus
próprios pares pela PGR, quando cometem excessos na participação do debate
político, que é mais pertinente entre cidadãos eleitores e agentes públicos
eleitos. O que não é mesmo o caso de membros do próprio Supremo, como
recentemente o Sr. ex-advogado Gilmar Mendes, que não tem pejo em frequentar a
mídia com jocosas tiradas e até mesmo impropérios contra a opinião pública.
Diante do pedido de impedimento da PGR, no caso de seu
pronto habeas corpus ao “Rei dos Ônibus” do Rio de Janeiro, o supremo Gilmar
declara que solta presos da Lava Jato hoje para proteger o cidadão do eventual
abuso do Estado de amanhã.
Quando eu mesmo e muitos cidadãos desta província
desgovernada, justamente pelas relações espúrias de políticos com donos de
companhias de ônibus e contraventores menores do bicho e suas generosas
caixinhas eleitorais, dispensamos o pré-juízo do ministro para nos defender do
amanhã. Prefiro que o ministro, batedor de boca inigualável, se limite a julgar
os fatos e não suas suposições.
Já não é a primeira nem será a última decisão retorcida do
supremo árbitro que, por vício de militância de ofício, não desencarnou do vezo
de advogar sem procuração e por causas hipotéticas.
Em 14/12/16 escrevi um artigo no Globo, exatamente com o
mesmo título deste, sobre a interpretação torcida e contorcida do STF em
relação ao impedimento do então presidente do Senado Renan Calheiros. Repito a
dose, não por uma questão de memória fraca ou gosto pelo ritornelo barroquista
de nossa cultura. Mas para evidenciar esta tese que defendo de que a questão da
torção dos significados de nosso ver, entender e agir é geral e atávica.
Cultural e histórica. Compreendendo todos os cidadãos, sem exceção, a começar
dos assentados nos mais altos postos da República.
Em junho passado, foi o rumoroso caso do julgamento da chapa
Dilma-Temer quando nosso Gilmar Mendes torceu pela “estabilidade política” ao
decidir pela não-cassação do presidente da República, embora metade da Corte e
a opinião pública de toda cidadania clamassem para que o douto juízo dos
ministros se cingisse às provas elencadas nos autos do processo, como manda a
boa processualística, e não a conjuntura política nacional como acabou impondo
Gilmar. E agora, o mercurial ministro inaugura a farra geral de habeas corpus
para processados da Lava Jato.
Em artigo mais recente, no Globo de 23/8, nosso grande
antropólogo Roberto DaMatta, questionou o ministro Gilmar Mendes por não se
declarar impedido. E perguntava com fina ironia: “É possível ser juiz e
compadre?”
Para além de seu acintoso desrespeito à opinião pública, um
eventual atentado contra a ética da magistratura, pelo seu jeitinho todo
particular de torcer e interpretar sua decisão pela fria letra da lei e não
pela exigência maior da moralidade
pública, não seria um escárnio para com a dignidade da própria instituição do
STF?
No seu discurso de posse como chefe do Poder Judiciário, a
Sra. ministra Carmen Lúcia afirmava que a Justiça deveria servir ao cidadão.
Chegou mesmo a desafiar o protocolo ao se dirigir ao Presidente da República só
depois de se dirigir à “sua excelência o cidadão”.
Pois bem, ministra, faça-me então o favor de levar esta
Corte a respeitar a dignidade dos cidadãos brasileiros. Impeça o ministro
Gilmar de continuar jogando na lama a sua credibilidade. Pois como cidadão
soberano de qualquer servidor público, me sinto enojado com tamanha desfaçatez.
Se não quiser responder a mim, mero cidadão pagador de
impostos, responda ao menos ao professor Roberto DaMatta, cidadão ilustre e
referência de nossa alta cultura.
É concebível um ministro achincalhar a opinião pública?
Desprezar princípios gerais da moralidade pública e do senso comum, quando o
Brasil todo não pode estar errado?
Se não basta ser honesta a mulher de Cesar, trata-se mesmo
de uma discussão estritamente legal a assertiva do ministro de que seu
compadrio não o impede de julgar?
Ou mais uma vez, não estamos a chafurdar na suprema lei
brasileira do jeitinho? Colocando a moralidade pública para escanteio sob a
sonsa alegação de legalices? Legitimando a doença de nossa cultura barroquista,
nossa paixão pelo paradoxo de torcer, retorcer e distorcer os fatos de acordo
com o interesse do poderoso da vez? Dando margem a que eu mesmo volte a
alcunhar esta Corte de Supremo Jeitinho?
Pois acreditei no seu discurso de posse, ministra, no seu
compromisso em cumprir para com a palavra empenhada.
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