quarta-feira, 11 de outubro de 2017

A AMEAÇA BOLSONARO

Da VEJA
O deputado Jair Bolsonaro quer ser presidente do Brasil. O deputado Jair Bolsonaro tem chances reais de vir a ser presidente do Brasil. Há alguns anos, essas duas frases juntas fariam a maior parte dos brasileiros rir às escâncaras. Hoje, provocam reações diversas, que vão da celebração ao pavor, mas não incluem mais as antigas gargalhadas. A mais recente pesquisa do instituto Datafolha mostra que o deputado se consolidou em segundo lugar na corrida eleitoral para a Presidência da República, com 17% das intenções de voto no primeiro turno, atrás apenas do líder de sempre, o ex-­presidente Lula, com 35%. Os números significam que, se o petista desistir ou for impedido de concorrer por motivos penais, hipótese cada vez mais provável, Bolsonaro é hoje o candidato com maior chance de assumir a liderança. É uma novidade e tanto — e talvez a maior ameaça que o Brasil já enfrentou no atual ciclo democrático.
Debulhando-se a pesquisa, constata-­se que Bolsonaro tem um desempenho especialmente favorável entre os jovens, na faixa de 24 a 32 anos, do sexo masculino, com renda acima de cinco salários mínimos, que residem em cidades com mais de 50 000 habitantes das regiões Sudeste e Nordeste. Isso mostra que o grosso do seu público não viveu sob a ditadura militar e pertence a um segmento da classe média. Não é o pedaço mais expressivo do eleitorado brasileiro, mas já reúne entre 20 milhões e 30 milhões de pessoas, dependendo dos nomes que aparecem na cédula.
Com esse apoio, Bolsonaro colocou definitivamente a direita radical no jogo eleitoral, num país que, há poucos anos, tinha vergonha de expor ideais dessa tendência. “Eu sempre fui de direita, mesmo quando isso era crime”, orgulha-se. Sua ascensão ganhou um impulso monumental justamente de seu maior inimigo — o PT, que, com a desmoralização provocada pela revelação de seus intestinos criminosos, conseguiu imprimir um estrago histórico à esquerda brasileira. Antes de Bolsonaro, o maior sucesso da direita extremista foi protagonizado por Enéas Carneiro, um cardiologista folclórico e estridente que se celebrizou pelo bordão “Meu nome é Enéas” e teve 7% dos votos na eleição de 1994 — e que, não por acaso, é um dos ídolos de Bolsonaro.
Bolsonaro já é maior que dois Enéas. É recebido com fanfarra nos aeroportos por fãs entusiasmados, é solicitado para selfies até nos corredores do Congresso. Numa noite recente, depois de ser abordado por uma dezena de deputados em sessão da Câmara, comentou com a reportagem de VEJA, que o acompanhava: “Ouviu o que me disseram lá dentro? ‘Vou estar contigo no ano que vem.’ Não tem opção, cara”. Apesar dos rapapés e uivos, Bolsonaro vive em isolamento político. Não tem ligação sólida com nenhum partido. Em quase três décadas como deputado, conseguiu aprovar apenas dois projetos e virou um saltimbanco de siglas. Pertenceu ao PDC, PP, PPR, PPB, PTB, PFL, PSC e, agora, está prestes a aderir ao PEN, cujo nome está mudando para Patriotas. No PSC, sua legenda anterior, quem lhe abriu as portas foi o pastor Everaldo Dias Pereira, aquele que a Odebrecht acusou de cobrar 6 milhões de reais para dar apoio ao candidato presidencial Aécio Neves, do PSDB. O pastor, aliás, tornou-se tão íntimo de Bolsonaro que o convenceu a cruzar o Oceano Atlântico pela primeira vez, no ano passado, para visitar Israel e ser batizado no Rio Jordão, junto com seus quatro filhos mais velhos.
Bolsonaro não oferece a seus eleitores um conjunto concatenado de ideias, não articula uma visão de Estado nem se alinha com nenhuma escola econômica. “Sou ignorante em economia”, confessa. Mas, entre suas ideias, observa-se uma tendência conspiratória, comum entre os militares, segundo a qual os estrangeiros estão sempre tramando para afanar as riquezas nacionais (veja o quadro na pág. 47). Outro sinal do isolamento está em seu entorno. Seus conselheiros mais próximos são os três filhos mais velhos, do primeiro casamento: o deputado estadual Flávio Bolsonaro, a quem o pai chama de Zero Um; o vereador Carlos Bolsonaro, o Zero Dois; e o deputado federal Eduardo Bolsonaro, o Zero Três, todos do PSC. Em tempos de Lava-­Jato, Bolsonaro vende seu isolamento político como um ativo. “Nenhum partido vai querer se coligar comigo porque sabem que não sou ‘piranha’ para receber certas propostas indecorosas”, diz. Apresentar-se como um solitário lírio no lodo pode parecer positivo, mas esconde um perigo. “Não ter uma base ampla e organizada não é novidade em uma eleição. Outros candidatos menos asquerosos disputarão as eleições de 2018 também sem amplas bases. Isso tudo coloca um problema: como conseguirão maioria parlamentar que dê sustentação às decisões? Todos os isolados teriam de responder a isso”, diz o sociólogo Demétrio Magnoli, da Universidade de São Paulo, que, em seguida, toca no ponto fulcral: “Agora, no campo da especulação, um presidente isolado com o perfil de Bolsonaro pode tentar apelar diretamente ao povo, por cima das instituições de mediação democráticas, como já vimos acontecer em outros países. Isso é uma ameaça à democracia porque põe em risco não a relação direta entre o presidente e o povo, mas sim as mediações entre o poder e o povo, que são fundamentais em um Estado democrático”.
O mesmo isolamento se verifica no ambiente em que Bolsonaro passou a juventude e parte da idade adulta, as Forças Armadas. Ali, o capitão da reserva faz sucesso entre as baixas patentes, mas é visto com desconfiança pelo comando, que não apoia sua candidatura presidencial, tampouco enxerga com bons olhos o empenho do capitão da reserva em personificar a imagem da corporação. Há dois meses, na cerimônia de entrega do espadim de Duque de Caxias, na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman), Bolsonaro ganhou tratamento de celebridade por parte dos 450 cadetes e seus familiares, mas teve recepção fria entre quem tinha mais estrelas no peito. Generais fingiam ignorar sua presença. O ministro da Defesa, Raul Jungmann, sentou-se o mais distante possível dele. Com esse clima de indiferença, na mesa que Bolsonaro dividiu com a terceira mulher, Michelle, alguém comentou: “As Forças Armadas estão cheias de comunistas. Só por isso os militares permitiram que o PT ficasse tanto tempo no poder”.
Na corporação — na qual Bolsonaro é chamado de “bunda-suja”, termo usado pelos militares de alta patente para designar os que não galgaram posições na carreira —, o presidenciável deixou um passado de insubordinação que a alta hierarquia não esquece. Em 1986, Bolsonaro escreveu um artigo em VEJA reclamando dos salários e benefícios dos militares. No ano seguinte, uma reportagem, também de VEJA, revelou que ele urdira um plano para explodir bombas em locais públicos e chamar a atenção do Exército para seu pleito de aumento do soldo militar (fato que ele nega até hoje). Um processo foi aberto para investigar o caso e Bolsonaro foi absolvido pelo Superior Tribunal Militar, numa decisão que ainda é contestada. Mas as marcas do episódio ficaram nos arquivos do Exército, onde Bolsonaro é tido como um militar dado a “proselitismos políticos”.
A ilha política em que se transformou, no mundo civil ou militar, convive bem com suas posições extremadas. Em nome delas, Bolsonaro já foi classificado de quase tudo: homofóbico, racista, xenófobo, misógino, fascista. Ele atribuiu tudo a acusações distorcidas ou a pura armação promovida por inimigos da esquerda — ou, para usar sua definição predileta, “os imbecis”. Sua artilharia verbal insultuosa, que mira quase sempre as minorias, tem lhe rendido dissabores na medida em que sua popularidade cresce. Na semana passada, ele foi condenado por mais uma ofensa — nesse caso, contra os quilombolas. Em abril, em palestra no Clube Hebraica, no Rio de Janeiro, rememorou uma visita a um quilombo e disse que “afrodescendente mais leve lá pesava 7 arrobas”. E acrescentou: “Não fazem nada. Eu acho que nem para procriadores eles servem mais”. A juíza Frana Elizabeth Mendes, da 26ª Vara Federal do Rio, que o condenou a pagar indenização de 50 000 reais, deu-­lhe um pito público: “Política não é piada, não é brincadeira”. E acrescentou que um parlamentar tem “o dever de assumir uma postura mais respeitosa com relação aos cidadãos”.
As intervenções provocadoras, destinadas mais a ofender opositores do que a clarear ideias, são uma marca de Bolsonaro. Na votação do impeachment de Dilma Rousseff, ele fez questão de dedicar seu voto a Carlos Alberto Brilhante Ustra, o famoso “doutor Tibiriçá” dos porões da tortura do regime militar. Embora Ustra esteja entre seus mentores intelectuais, Bolsonaro, ao mencioná-lo, queria apenas ofender os adversários políticos, sobretudo a própria presidente Dilma, que sofreu o suplício da tortura durante a ditadura. Dilma construiu todos os motivos para ser apeada do Palácio do Planalto, mas ter sido torturada não é um deles.
O discurso agressivo de Bolsonaro encaixa-se no clima politicamente polarizado do Brasil atual e faz sucesso entre uma camada de eleitores, mas talvez só ajude a radicalizar ainda mais o ambiente político. Diz Maurício Santoro, cientista político da Universidade do Estado do Rio de Janeiro: “Assim como ocorre com Trump e Marine Le Pen, muitas das declarações de Bolsonaro extrapolam a legalidade e são explicitamente racistas, discriminatórias ou de incitação ao crime. Só em 2017 ele já foi condenado duas vezes por incentivar o estupro e por agressões verbais contra negros. Agora, o que aconteceria se ele estivesse numa posição forte no Poder Executivo, como a Presidência da República? Ele provavelmente não hesitaria em promover discursos de ódio contra adversários ideológicos, o que pode ter consequências nefastas num país que já é muito violento”. A hostilidade ao diálogo não é novidade para Bolsonaro. Ele tem por hábito fugir de situações que não domina para evitar ser confrontado. Só viaja a locais onde é convidado por grupos de seguidores que defendem suas ideias. Os convites costumam partir de deputados estaduais e federais e de empresários locais.
OS MENTORES INTELECTUAIS
Entre os ídolos declarados do Bolsonaro estão expoentes da ditadura e ativistas de extrema direita que acreditam que o Brasil está prestes a ser tomado por comunistas.
O general – Ex-chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI) e ex-comandante militar do Planalto, o general Newton Cruz foi réu na ação penal do atentado do Riocentro. Para Bolsonaro, o militar é uma “inspiração”.
O torturador – O coronel Carlos Brilhante Ustra, ex-chefe do DOI-Codi, foi responsabilizado por torturas cometidas durante a ditadura. Bolsonaro o considera “herói”.
O patriota – Morto em 2007, Enéas Carneiro especializou-se em discursos de teor nacionalista. Bolsonaro quer o ex-deputado no Livro dos Heróis da Pátria.
O professor – Radicado nos Estados Unidos, o filósofo Olavo de Carvalho é o guru dos ultraconservadores e diz que não houve ditadura no Brasil. É consultor informal de Bolsonaro para assuntos externos.
Entretanto, há um ambiente — o digital — em que Bolsonaro reina soberano. Tem 5,5 milhões de seguidores nas redes sociais, muito mais do que o ex-presidente Lula, por exemplo, que tem 3,2 milhões. Na companhia permanente de um celular, ele mesmo fica praticamente todo o tempo on-line. Quem comanda seu núcleo virtual é o filho Flávio, o Zero Um. Ele criou um repertório de vídeos, memes e gritos de guerra de fácil assimilação e viés radical (com pequenas variações, são as seguintes as frases preferidas dos seguidores do deputado: “Bandido bom é bandido morto”, “Comunista tem que morrer, gay e feminazis também”, “Não gostou? Vai pra Cuba”). Recentemente, fez sucesso nas redes o tuíte em que o “Mito”, como o deputado é chamado por apoiadores, elogia o vídeo do general Hamilton Mourão, que defendeu uma intervenção militar no Brasil. “Ele (refere-se a Mourão) falou como um brasileiro qualquer que está indignado com esse estado de putrefação da política brasileira”, disse. Urros e vivas espoucaram no Facebook.
Atento à importância das redes sociais, Bolsonaro é zeloso com sua imagem digital. Na Câmara, ele percorre a passos largos e rápidos a distância de 400 metros que separa o Salão Verde de seu gabinete, no Anexo III (a “favela da Câmara”, diz ele). O gabinete de seu filho Eduardo, onde costuma receber visitas, é decorado com distintivos da Polícia Federal e da NRA, a poderosa associação que faz o lobby pró-­armas nos Estados Unidos. No percurso, um entusiasta o parou para pedir que gravasse em vídeo palavras de apoio a uma campanha de sua cidade pela renovação das armas da Polícia Civil. Outro quis uma selfie para mostrar à mulher, “fã” do deputado, segundo disse. Minutos depois, jovens da Universidade Federal da Integração Latino-­Americana (Unila) abordaram o parlamentar. Queriam seu apoio para “desmistificar a ideia de que a universidade é bolivariana”. Esses, o deputado nem parou para ouvir. “Imagine se assino alguma coisa desse lugar. Depois sou esculhambado.”
Nascido em Glicério, no interior de São Paulo, Bolsonaro criou-se em Eldorado, no Vale do Ribeira, um lugarejo de 20 000 habitantes. Ali, o grosso dos moradores atribui o atraso da cidade à demarcação de reservas ambientais, que impediriam a exploração agrícola. De família modesta (seu pai fabricava próteses dentárias, a mãe é dona de casa), ele frequentava a escola pública, era goleiro do time de futebol local e aturava a gozação dos colegas por causa do jeito desengonçado com que apanhava a bola. Seus passatempos eram caçar passarinhos com espingarda de chumbo, pescar no Rio Ribeira, ouvir no rádio o programa de Tonico e Tinoco, assistir aos filmes de Mazzaropi e — desde cedo, garante quem conviveu com ele — falar mal de comunistas. Segundo o professor Olavo Amado Ribeiro, hoje com 85 anos, de quem Bolsonaro foi aluno de português e educação moral e cívica, ele já era na adolescência um dos mais ácidos críticos de João Goulart, presidente derrubado no golpe de 1964. Mas o jovem Bolsonaro não era uma voz dissonante na cidade. “Eldorado não tinha esquerdistas”, diz o professor.
O episódio que mais moldou a forma de Bolsonaro, porém, deu-se com a chegada à região da trupe de Carlos Lamarca, o líder da VPR, organização guerrilheira de extrema esquerda. Em 8 de maio de 1970, um enfrentamento com soldados locais terminou com troca de tiros na praça de Eldorado. Bolsonaro, então com 15 anos, estava na escola no momento dos ataques. Ele lembra que os professores, amedrontados pelos tiros, esvaziaram as salas de aula e mandaram as crianças atravessar a praça rastejando para se proteger das balas. Seis soldados e uma moradora foram feridos, mas ninguém morreu. O episódio marcou para sempre a cidade e fez com que o Exército direcionasse tropas para o Vale do Ribeira. Os soldados que se confrontaram com Lamarca e a VPR, vistos como heróis, passaram a receber visitas constantes do jovem Bolsonaro, a quem estimularam a entrar na carreira militar.
Viva o golpe – O general Mourão, que defendeu uma intervenção militar, é apenas “um brasileiro indignado com esse estado de putrefação da política brasileira”, escreveu o deputado.
Na década de 70, coube ao seu pai, Percy Bolsonaro, trazer a política para dentro da família. Ele foi candidato a prefeito em Eldorado pelo MDB, que fazia oposição ao regime militar, mas não se elegeu. Gostava de “uma cervejinha” e não era “muito rígido” com os filhos. Algumas de suas características contrastavam com as de Bolsonaro desde cedo. “O Jair sempre foi mais radical e conservador que o pai”, diz o professor Ribeiro. Tanto que, em algumas oca­siões, seu Percy julgava que o filho se excedia no “anticomunismo”. Soltava um “o Jair é doido, é um exagerado”. A família, contudo, sempre se entusiasmou com a entrada do filho nas Forças Armadas. A prova disso é que, quando Bolsonaro decidiu abandonar o Exército para se dedicar à política, o pai foi até o Rio de Janeiro para demovê-lo da ideia. Fracassou. Agora, o filho está em segundo lugar nas pesquisas — e passou a levar a sério suas chances de chegar lá.
Tanto que, neste 7 de outubro, Bolsonaro embarca para sua primeira visita como político aos Estados Unidos. Seu cicerone será o filósofo ultraconservador Olavo de Carvalho, que mora lá e convidou o candidato para um road show no país. “Vamos conversar com investidores, membros do Partido Republicano e do governo de Donald Trump”, revela o deputado. Será a segunda viagem de Bolsonaro aos EUA. A primeira foi nos anos 2000, quando levou os filhos a Orlando. O político afirma que não gosta muito de viajar. Prefere passar o tempo livre no condomínio em que mora — com 100 casas de frente para o mar, na Barra da Tijuca. Ultimamente, anda cismado com segurança. Conta que, outro dia, viu um assalto em que o ladrão disparou um tiro para cima. Pensou que o episódio poderia ser “um alerta” para ele. Bolsonaro suspeita da existência de um “sistema” interessado em eliminá-lo “pelo fato de ser um outsider”. “O patinho horroroso está ficando bonito. Por isso querem me tirar. Mas vão ter de tirar na mão grande”, desafia, supondo que, mesmo que saia vitorioso, não estará imune a investidas para apeá-lo do cargo. “O sistema não me quer ali. Não quer que eu escolha ministros do Supremo”, diz.
Como todo populista, Bolsonaro tem uma solução simples para cada problema complexo. Contra a violência, propõe “dar armas ao cidadão de bem”. Ele também quer o fim do regime de progressão de pena e, para abrigar o número crescente de condenados, sugere “construir presídios agrícolas, para o preso produzir alguma coisa e trabalhar, e não ser um fardo para o Estado”. Em suas entrevistas, ele aceita discorrer apenas sobre temas que “domina”, como a exploração de metais por estrangeiros. Vencer o desemprego e fomentar o crescimento econômico, para Bolsonaro, é uma equação que se resolve com “segurança pública”. “Que empresário estrangeiro vai investir no Brasil se não podemos nem andar na rua?”, questiona. Contudo, se o empresário for chinês, ele não quer. “Os chineses estão se apropriando de nosso subsolo e, em breve, de nosso solo”, reclama. “Vamos virar inquilinos da China”, profetiza. Para o deputado, a exploração chinesa do nióbio (metal usado como liga na produção de aços especiais), em Goiás, é “um crime de lesa-­pátria”. Numa mistura de nacionalismo e nostalgia, ele apregoa que as riquezas minerais deveriam ser liberadas para extração pelos brasileiros. “O que seria do Brasil sem os bandeirantes que exploraram os diamantes? Teríamos um terço do território atual se não fossem eles. É preciso parar de tratar o garimpeiro como bandido no Brasil.”
Entre os especialistas ouvidos por VEJA, nenhum se arrisca a apostar que o deputado saia vitorioso de um pleito presidencial. Mas o fato de um grande grupo de brasileiros se engajar na campanha precoce de um candidato como ele causa preocupação. “Bolsonaro é contra todo o ideário que edifica uma democracia sólida, o que inclui a defesa dos direitos humanos e o combate à desigualdade”, diz Ricardo Sennes, da consultoria política Prospectiva. “Ele opta sistematicamente por partidos cada vez menores e cria um cenário que remete ao do ex-presidente Fernando Collor quando se filiou ao PRN. Essa falta de coalizão resultaria numa dificuldade de governar tamanha que um impeachment poderia se tornar inevitável.” Caminhando sozinho, um candidato pode até vencer a eleição, mas governar sozinho ninguém governa.
“Sou ignorante em economia”
Mesmo assim, Bolsonaro se declara contrário à política de aumento de juros para combater a inflação e votou contra o pacote fiscal de resgate do Rio.
TAXA SELIC
Bolsonaro critica a política de aumentar juros para conter a inflação — o baluarte do pensamento liberal. Para ele, o Banco Central só cortou a Selic no último ano para “beneficiar banqueiros”, que temiam que os juros altos tornassem a dívida pública impagável, pondo em risco a rentabilidade de títulos públicos nos quais os bancos investem. “Banqueiro não quer levar calote”, diz. Bolsonaro afirma que defende a queda da Selic “há muito tempo”. Mas diz ser criticado por essa convicção porque o mercado acredita que “é pecado” o governo intervir na política de juros.
PRIVATIZAÇÕES
Sobre as privatizações anunciadas por Temer, ele se esquiva de dizer se manterá o plano caso seja eleito. “Tem coisa que dá para privatizar para acabar com o loteamento político. Mas setor estratégico não se privatiza. Nos Estados Unidos, é o Exército americano que cuida das hidrelétricas. Algumas coisas não podem sair da tutela do Estado. Chamam os militares de estatizantes, mas como fazer Itaipu com dinheiro privado?” Contudo, Bolsonaro votou a favor de desobrigar a Petrobras de participar dos leilões do pré-sal e discordou quando o governo Dilma determinou que a empresa tivesse participação obrigatória de 30% nos consórcios.
AJUSTE FISCAL
Bolsonaro nunca esteve alinhado à agenda de corte de gastos públicos nos seus sete mandatos como deputado. Sempre defendeu corporações do funcionalismo, em especial os militares, sua base eleitoral, votando a favor de reajustes salariais e de pensões. Neste ano, opôs-se ao pacote fiscal de resgate do Rio de Janeiro, que previa a venda de estatais fluminenses e a redução de benefícios de servidores. Mas, numa flagrante contradição, causou revolta nos próprios eleitores ao votar a favor da proposta que estabelece um teto de gastos para o governo em 2016, apesar de ter discursado contra a medida.
EQUIPE ECONÔMICA
Bolsonaro diz receber conselhos de um economista do setor financeiro cuja identidade não revela. Afirma ainda não ter pensado em um nome para assumir a Fazenda, caso ganhe. Costuma dizer que os generais não eram economistas e fizeram o Brasil crescer como nunca nos anos 1970. “Sou ignorante em economia, mas foram os especialistas que levaram o país para o buraco”, declara, deixando de lado o fato de que foram os especialistas que venceram o ciclo de hiperinflação.
CHINA
Ele faz críticas à China, país ao qual o Brasil “está entregando o seu solo e subsolo”, segundo diz. Tem obsessão pela ideia de que o Brasil possui riquezas geológicas pouco exploradas, como o nióbio e o grafeno, que, um dia, serão tomadas pelos chineses. “O chinês não tem coração. Não manda seus homens para o Afeganistão nem para lutar no Iraque. Manda homens de negócios para comprar tudo. A China está garantindo sua segurança alimentar com as nossas terras, e vamos nos tornar inquilinos dela”, diz.
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