Helena Chagas, Blog do Noblat
Andamos tão embrutecidos que ninguém mais se choca com o
noticiário das operações da PF no café-da-manhã, nem com as imagens
corriqueiras de alguém sendo preso, nem
com as avalanches de gravações, depoimentos e delações que jorram o tempo todo.
A banalização das investigações da corrupção, e a exposição, em doses diárias e
cavalares, de mais casos envolvendo cada vez
mais gente, mais partidos, mais dinheiro, parecem estar tendo efeito
anestésico na maioria das pessoas.
A ponto de não se pensar mais em questionar, a cada nova
cena do espetáculo a que assistimos: é justo? Não é justo? Esse aí é culpado? É
inocente? Deveria ser preso?
Talvez tenhamos parado de fazer essas perguntas porque, por
tudo o que se viu nos últimos tempos – um show de corrupção endêmica,
avassaladora, ramificada nos mais diversos graus do poder público e privado –
começamos a pensar que todo mundo é desonesto, culpado, merecedor de cadeia.
Acostumamo-nos a ver o indivíduo no roldão que leva a todos,
a julgar por indícios, a condenar com meias palavras. E talvez tenhamos passado
a acreditar que os que se levantam contra as autoridades que acusam e os
investigadores que prendem estão sempre do lado dos corruptos.
É desse jeito simplista, binário, que boa parte da opinião
pública no Brasil parece estar
funcionando: ou você apóia a Lava Jato, e todas as arbitrariedades em
seu nome cometidas – porque elas existem
- ou você está do lado dos corruptos. Ponto final. Escolha o seu time.
Até que, um dia, aparece, sob a forma de tragédia, um fato
que nos leva a pensar e, quem sabe, a rever comportamentos, como indivíduos e
como sociedade.
O suicídio do ex-reitor da UFSC, Luiz Carlos Cancellier,
afastado do cargo depois de preso e solto pela Operação Ouvidos Moucos, que
investigava desvios em programas de educação à distância, pode ser um desses
fatos.
No país do caradurismo, em que boa parte dos acusados
enfrenta denúncias envolvendo malas de dinheiro e as atribui a “torpes”
conspirações políticas, pode, a muitos, parecer espantoso que alguém venha a
tirar a própria vida por se sentir injustiçado por uma acusação não comprovada
e humilhado pela prisão e pelo afastamento do cargo.
Pois é. Ainda há pessoas assim, para quem a acusação
infundada e o tratamento injusto podem representar, literalmente, a morte. Tudo
indica que esse foi o caso de Cancellier - um episódio que se reveste de uma
gravidade imensa se, de fato, exageros e precipitações relacionados à
investigação tenham tido responsabilidade direta na tragédia.
Sua função, neste momento, é servir de alerta e, quem sabe,
nos dar aquela sacudida necessária para acordar de manhã e começar a ver as
operações do dia com os olhos mais abertos.
Haverá, evidentemente, exploração política de todos os lados
e muita gente enrolada posando de inocente. Mas isso será o de menos se, no
outro lado da moeda, a reflexão que resultar da movimentação que já se vê nas
redes sociais, na mídia, e em entidades da sociedade organizada, como OAB e
Andifes, resultar em maior discernimento e vigilância em relação a abusos e
exageros das autoridades de investigação.
Do despertar desse torpor geral diante do espetáculo da
corrupção, pode sair, quem sabe, uma discussão mais equilibrada, alicerçada nos
pilares do Estado de Direito, sem o risco de se perder o que já se ganhou.
Afinal, é possível evitar os excessos do que muitos já estão chamando de Estado
policial sem, ao mesmo tempo, retroceder e voltar à situação anterior em que
corruptos, sobretudo ricos e poderosos, nunca iam para a cadeia.
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