Artigo de Fernando Gabeira
A semana começou pesada com o massacre em Las Vegas. O
número de mortos e feridos só crescia. De novo, pensei, virão à tona as
discussões de sempre: controle de armas e as causas que levam uma pessoa a
esses crimes tenebrosos. Cheguei a pensar um pouco sobre Stephen Paddock. Ele
foi a uma loja em Mesquite chamada Guns and Guitars. Suponho que venda armas e
guitarras. Se fizesse a escolha certa, no máximo incomodaria o vizinho.
Depois, veio a questão do pai, assaltante de bancos,
fugitivo da prisão. Será que há alguma coisa genética nisso e, se houver, é
possível demonstrá-la cientificamente? Não ouso avançar nesse difícil caminho
de entender o ódio pela Humanidade. Os do amor ferido são mais transparentes.
Digo isso pelo jovem que se jogou da ponte Rio-Niterói e
antes gravou uma sofrida mensagem para a noiva. Ele soube que ela transava com
outros e antes de se jogar disse que estava fazendo isto para puni-la. A única
coisa que poderia fazer contra ela era o suicídio.
Mas, quanto menos entendemos, é preciso mais cautela. Esse
debate que surgiu no Brasil com a exposição em Porto Alegre e, agora, no MAM,
com a performance de um ator nu, poderia ser mais tranquilo.
O ponto de partida é aceitar duas premissas: a liberdade da
arte e as classificações dos espetáculos. Esses dois componentes se completam.
Não é preciso gostar da classificação por idade, mas é o arcabouço legal. Dizer
que houve pedofilia e essas coisas é um exagero que acaba enfraquecendo um
argumento que poderia ter uma grande aceitação: a necessidade de se observar a
classificação por idade.
A discussão sobre o nu e arte é muito antiga. Seria preciso
muitas manhãs de domingo para resenhá-la. Nos últimos anos na Europa, observei
uma tendência a tirá-la do universo estético e torná-la uma espécie de
expressão política. Em Londres, cheguei a fotografar alguns cartazes chamando
para manifestações de gente nua. Aqui e ali apareciam de fato ciclistas e
figuras solitárias nuas.
A crise econômica, a presença maciça de refugiados, tudo
isso tornou isso pesou no clima social europeu. E além do mais, em breve começa
o inverno.
Antônio Callado participou de uma expedição que buscava o
corpo do Coronel Fawcett, o célebre aventureiro inglês que desapareceu no
Brasil. No livro sobre a viagem, Callado conta que, depois de sete horas de
avião, eles se viram no mato entre índios nus. Conclusão de Callado: a
inocência pega. Meia hora depois, já não havia surpresa, embora os índios não
entendessem por que tanta roupa. O máximo que achavam útil era a camisa, para
proteger dos mosquitos.
Ouvi o debate na Câmara sobre o episódio no MAM. Nada
edificante, como sempre. A violência e pornografia brotavam nas próprias
acusações mútuas.
Na mesma semana, outro comportamento humano desafiava nossa
compreensão. Uma família do Piauí deixou o filho de 12 anos num presídio para
buscá-lo dia seguinte. O menino foi encontrado debaixo da cama de um homem
condenado por estupro. Pouco se fala dele.
O que se passou na cabeça desses pais, o que se passou na
cabeça de Stephen Paddock? Talvez não saibamos nunca. O certo é que vivemos num
mundo complicado, num país arruinado pela corrupção, radicalizado nos anos
petistas do “nós contra eles” e, ainda por cima, entrando numa fase pré
eleitoral.
Os protestos em nome da moral e da família são uma forma de
colocar o tema na agenda e fortalecer candidaturas para o ano que vem.
É legítimo que os grupos escolham agendas e queiram que suas
posições sejam aceitas. No entanto, existem tarefas comuns de reconstrução do
país, tarefas que precisam unir pessoas com diferentes estilos de vida. Isso
não significa suprimir o debate sobre costumes. Apenas colocá-lo nos seus
trilhos, desdramatizá-lo para que uma unidade maior possa cuidar da
reconstrução.
Utopia? Não creio. A esperança é de que, entre a arma e a
guitarra, a maioria faça a escolha certa. Isto é, que a maioria prefira uma
discussão racional sobre esses problemas, não se deixe levar pelas paixões
reais ou encenadas.
Um jovem empresário de Niterói, Luiz Gabriel Tiago, foi
indicado para o Prêmio Nobel da Paz pelo seu trabalho no projeto Ponto de Luz,
que ajuda centenas de pessoas.
O próprio Trump percebeu no seu discurso que o que une os
Estados Unidos é a imensa solidariedade, e não o ódio. O que une o Brasil são
milhares de pontos de luz que às vezes nem são vistos no noticiário. É com
eles, e não com as trevas, que vamos dar a volta por cima.
A curtíssimo prazo, sonho com uma segunda-feira mais
tranquila. A semana que passou, de certa forma, foi um novo abalo na própria
noção de humanidade.
Artigo publicado no Segundo Caderno do Globo em 08/10/2017
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