Zuenir Ventura, O Globo
Um dos problemas do Rio é que não adianta se queixar ao bispo.
Como queixar-se dele a ele mesmo, que cada vez mais se apropria de atribuições
que são do prefeito. E prefeito de uma cidade que é laboratório de diversidade
religiosa, onde convivem doutrinas e confissões variadas, e que tem, como
padroeiro, São Sebastião e adeptos de quase todas as denominações: católicos,
evangélicos tradicionais, pentecostais, neopentecostais e devoções de matriz
africana.
Graças a Deus, não tenho crença, sou a favor de todas; só
sou contra a intolerância do tipo que chuta imagens de santa e ataca centros
espíritas e terreiros de umbanda e candomblé — como, aliás, fizeram membros da
igreja da qual o nosso bispo está licenciado.
Vejam a presteza com que Crivella vetou a “Queermuseu”, no
Museu de Arte do Rio, e comparem com a demora em se manifestar sobre a guerra
da Rocinha.
No caso da exposição, ele a censurou — alegando que era
vontade do povo — antes mesmo de acontecer (“se vier para o MAR, vai ser para o
fundo do mar”, disse, num trocadilho que não deixava dúvidas quanto ao destino
que ele gostaria de dar à mostra).
Desse modo, o pastor conseguiu trazer de volta a censura
prévia, que tanto mal fez à arte brasileira durante a ditadura militar.
No segundo caso, o prefeito levou uma semana para se dar
conta de um conflito armado que abalou a cidade e sensibilizou autoridades
federais e estaduais.
Só deu o ar de sua graça depois de muita cobrança da
imprensa. Assim mesmo, para produzir uma
frase que soava como deboche em meio ao tiroteio: “Vamos aproveitar para dar um
banho de loja na Rocinha”.
Na visita que fez à comunidade para compensar a sua omissão,
ouviu muitos gritos de “sumido” e a lição de uma moradora, que reclamou: “A
gente precisa é de saúde e educação”.
Além de não saber quais eram as necessidades básicas de uma
das maiores favelas da cidade, o prefeito também viu desmentida a afirmação de
que não era ele, mas o “povo” que não queria a exposição aqui.
Em vez de apoio popular à proibição, o que se está vendo é a
mobilização de artistas em uma campanha de arrecadação de fundos para instalar
a exposição em outro espaço.
A Escola de Artes Visuais do Parque Laje, que já recebeu
nomes da importância de Beatriz Milhazes, Adriana Varejão e Ernesto Neto, quer
expor a “Queermuseu”. Seu diretor, Fábio Szwarcwald, já entrou em contato com o
secretário estadual de Cultura, André Lazaroni, para juntos buscarem parceiros
privados que possam ajudar nos custos logísticos de instalação e seguro.
Como a EAV é uma instituição do estado, a mostra estaria
livre da censura de Crivella como pastor e como prefeito.
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