Mais velho dos cinco filhos de uma família da alta classe
média argentina, Ernesto Guevara de La Serna tinha tudo para se tornar apenas
um rapaz latino-americano. Mas seu espírito irrequieto falou mais alto. Em
1951, aos 23 anos, seis meses antes de se formar em Medicina, fez uma longa
viagem de motocicleta pelo continente, de Buenos Aires a Caracas. Conheceu
minas de cobre, leprosários e povoações indígenas e ficou marcado por isso. Em
julho de 1953, já formado, voltou a botar o pé na estrada. Desta vez, passou
pela Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Panamá, Costa Rica, El Salvador e
Guatemala. Diante das injustiças que viu, concluiu que a única resposta para
tamanha desigualdade era o comunismo e a revolução. E assim surgiu o mito de
Che Guevara, o guerrilheiro que, 50 anos após sua morte na Bolívia, ainda
desperta paixão entre os jovens da América Latina.
O pensamento de esquerda tornou-se hegemônico na vida de
Guevara após sua passagem no final de 1953 pela Guatemala, cujo governo
socialista enfrentava forte oposição dos Estado Unidos. A partir dessa
experiência, o médico argentino passou a se definir como um revolucionário. Em
1954, no México, aconteceu o encontro que mudou definitivamente seu destino.
Guevara foi apresentado a Raúl Castro, irmão mais novo de Fidel Castro. E
integrou-se ao pequeno grupo que partiu para Cuba em 1956, a bordo do iate
Granma, com o difícil desafio de derrubar o ditador Fulgêncio Batista. Do alto
da Sierra Maestra, eles deram combate às forças de Batista, até que as
derrotaram nos últimos meses de 1958. Em 1° de janeiro de 1959. Fidel Castro,
Raúl Castro, Che Guevara e Camilo Cienfuegos entraram em Havana nos braços do
povo. E a revolução cubana passou a inspirar moças e rapazes de esquerda pelo
mundo afora.
Sobre a revolução cubana, tudo já foi dito, com defensores
intransigentes à esquerda e críticos ferozes à direita. Que correu sangue todos
sabem. O próprio Che admitia a violência. Mas ressaltava que é preciso
“endurecer, mas sem jamais perder a ternura”. No período pós-revolucionário,
foi presidente do Banco Nacional e Ministro da Indústria. Também representou
Cuba em missões diplomáticas. Em agosto de 1961, esteve no Brasil e foi
condecorado pelo presidente Jânio Quadros com a Grão-Cruz da Ordem Nacional do
Cruzeiro do Sul. Em 1965, já cansado dos salamaleques oficiais, o Che deixou
Cuba, com o apoio de Fidel, para propagar a luta armada pelo Terceiro Mundo. Nunca
mais voltou.
“SEM PERDER A TERNURA”
Primeiro, foi para o Congo, com tropas cubanas em missão de
apoio à guerra de independência local. A presença estrangeira foi rejeitada e
vários cubanos morreram em combate. Sob o olhar crítico de Fidel Castro, decidiu,
por sua conta e risco, dar início a um foco guerrilheiro nas montanhas da
Bolívia, inspirado no exemplo da Sierra Maestra. Deu tudo errado. Sem apoio dos
comunistas bolivianos, Che não conquistou a confiança dos camponeses e
enfrentou fortes crises de asma, doença que o acompanhava desde a infância.
Isolado, não resistiu ao cerco das forças governistas, que tiveram apoio da
CIA. No dia 8 de outubro, ferido e maltrapilho (com uma bota de pano) foi
capturado na aldeia de La Higuera e levado para uma lavanderia, onde passou a
noite. Na manhã seguinte veio de La Paz a ordem para seu assassinato. Guevara
foi executado com uma rajada de fuzil automático. Teve suas mãos cortadas e
guardadas em formol.
Che Guevara morreu em 9 de outubro de 1967. Mas está mais vivo
do que nunca. A revista Time incluiu seu nome na lista das 100 personalidades
mais importantes do Século 20, no segmento “Líderes e Revolucionários”. Na
Argentina, foi eleito o maior político do século passado, à frente de Juan e
Evita Perón. Che está toda parte, de anúncios de bancos a estampas de biquínis,
de rótulos de cerveja a tatuagens nos braços de boxeadores e jogadores de
futebol. Sua mais famosa foto, feita por Alberto Korda, que o mostra de boina e
olhar firme, é conhecida em todo mundo. Outra foto, da mesma época, em que ele
aparece sorridente, com um charuto entre os dedos, tornou-se igualmente
simbólica.
O poder público também fatura com seu carisma. Em 1997, foi
construído, em Cuba, um mausoléu em homenagem ao Che em Santa Clara. Ali, estão
seus restos mortais e os de 29 de seus companheiros. A área inclui uma estátua
de bronze e é visitada por milhares de pessoas todo ano. Na Bolívia, o governo
encontrou um filão turístico na região montanhosa por onde o guerrilheiro
passou. Foi criada a “trilha do Che”, de Santa Cruz de La Sierra a La Higuera.
Atrai um número cada vez maior de turistas e pelegrinos ideológicos.
Seria um erro atribuir o interesse por Che apenas à simpatia
dos jovens pelo marxismo ou pelo regime cubano. A grande maioria se espelha no
exemplo libertário do médico argentino, como mostrada em “Diários da
Motocicleta”, do brasileiro Walter Salles. O filme “Che”, de Steven Soderbergh,
com mais de 4 horas de duração, narra da revolução cubana ao sacrifício na
Bolívia. O que importa, portanto, é o homem, o revolucionário romântico e
sonhador. É assim que a juventude vê Ernesto Che Guevara.
As gerações que compram os produtos com o rosto de Che não
são formadas por comunistas e nem pretendem pegar em armas contra os governos
locais e suas instituições. Seu recado é muito mais simples: acreditam em
idealistas que não se deixam corromper pelas delícias do poder. Reside aí a
força do mito. Por isso, o Che está presente nas mochilas e nas paredes 50 anos
após sua morte. Como diz uma das músicas mais conhecidas de Cuba: “Aqui se
queda la clara/La entrañada transparência/De tu querida presencia/Comandante
Che Guevara”. Ou seja, ainda hoje, para os jovens da América Latina, está clara
a presença de Che Guevara.
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