Editorial ISTOÉ
O marco “legal” estabelecido pela presidente do Supremo,
Cármen Lúcia, de que o STF não pode se apequenar e pautar suas decisões de
acordo com as conveniências de um único indivíduo é digno de nota. Serviu para
calar, mais do que isso, para dirimir quaisquer dúvidas sobre a postura
absolutamente imparcial que a Corte pretende adotar em meio ao festival de
aberrações politiqueiras e desvios de toda ordem que tomaram conta da Nação.
Seria o procedimento natural e esperado de uma Justiça que
se diz cega e imparcial, mas episódios recentes suscitaram receios acerca desse
comportamento. Daí a reafirmação da juíza ter um peso específico e fundamental
neste momento. Cármen Lúcia foi além do mero comentário, numa escalada de tom
que subia dia a dia ao longo da semana.
Em entrevista após encontro com jornalistas, apontou que não
iria colocar em agenda revisões de jurisprudência já votada três vezes e
deliberada para a entrada em vigor desde 2016. Mais adiante, em cerimônia ao
lado do presidente Temer, reagiu a críticas e alertou que discordar da Justiça
é possível, mas desacatá-la era inadmissível.
O recado tinha destino certo: a trupe de militantes petistas
e o poderoso “chefão” do Partido, Lula da Silva, que em um desvario coletivo e
antidemocrático passaram a incitar abertamente a desobediência civil, com
ameaças claras às instituições constituídas. Lula, em reunião da Executiva
Nacional do PT, chegou a afirmar que não respeitaria o veredicto da oitava
turma do TRF-4 que o condenou.
A própria nota oficial da agremiação falou em “farsa
judicial” sobre a sentença. Serviu como senha para conclamar aliados e
simpatizantes ao confronto. O senador Lindbergh vociferou em comício que a
condenação era “golpe” e pediu da mirrada plateia que o ouvia, sem sucesso, uma
resposta radical nas ruas. Ao lado de Gleisi, do “exército” brancaleone de João
Stédile e de poucos agregados, o senador almejou mudar tudo na marra. Faltou
senso de ridículo e de responsabilidade, dado o cargo que ocupa. Espernear vem
resultando em nada.
Evidentemente, o STF não se prestaria ao papel de rearrumar
uma lei para atender ou beneficiar quem quer que fosse, muito menos alguém que
se imagina acima da Carta Magna. A suposta disposição de beneficiar Lula,
revendo entendimentos anteriores justamente nessas circunstâncias, violaria de
maneira constrangedora a isonomia da Justiça, num casuísmo gritante.
A questão em voga era a prisão em segunda instância,
recolocada em discussão após os três desembargadores, de forma unânime,
reiterarem a culpa do ex-presidente em um processo por corrupção – que, no seu
caso, teve agravante de pena de 12 anos e um mês – e que pode trancafiá-lo
atrás das grades a partir de março próximo. A parolagem petista fala em rever a
sentença através de apelação naquele que consideram um tribunal mais maleável,
digamos assim.
No entender dessa turma o STF tem sido permissível a
pressões políticas e, por isso, lá Lula joga suas melhores chances. Seria, para
dizer o mínimo, um movimento desastroso e constrangedor se o Supremo confirmasse
essas expectativas, botando para votar de novo a prisão em segunda instância,
eventualmente reciclando a regra que vigora no momento para livrar Lula da
prisão.
Como um verdadeiro cordão de isolamento a favor da lei
atual, diversas organizações de magistrados se manifestaram pedindo coerência e
respeito ao que foi estabelecido e transita em julgado. Lançaram assim uma
espécie de ofensiva contra o que consideram riscos de enfraquecimento do Poder
Judiciário. A legião de advogados do PT, numa manobra derradeira, ainda buscou
arrancar um habeas corpus no STJ com argumentos risíveis, misturando política
nas alegações para uma soltura preventiva de Lula, que não foi concedida.
Diz o requerimento
que ele “é líder absoluto nas pesquisas” e, logo, não deveria ter “a privação
de sua liberdade” dado o risco à democracia. Não condenar alguém em virtude de
representatividade é de uma tolice sem tamanho. Votos não garantem licença para
delinquir.
O intento evidente da defesa é o de transformar tribunais em
palanques, vendendo a tese de uma conspiração generalizada que envolveria
Judiciário, Polícia Federal, mídia e adversários. O PT, decerto, perdeu o eixo.
A paródia de uma perseguição política dessa magnitude é indefensável no plano
da realidade.
Tal patacoada dos advogados só não é maior que a pretensa
ambição deles em estender o debate a fóruns internacionais, denunciando ao
mundo aleivosias. De uma maneira ou de outra, a suprema decisão de Cármen Lúcia
veio na hora certa. Resgatou o bom-senso. Desbaratou as articulações dos que
anseiam por uma Justiça lenta e menos efetiva. E, acima de tudo, evitou uma
mácula ultrajante na imagem da instituição.
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