Gostaria de estar à altura do nível dramático desta semana
no Brasil. No entanto, aconteceu algo que me deixou frio e calmo. Viajávamos
para Serafina Correa (RS) e, na altura de um lugar que se chama Encantado, um
carro perdeu a direção, cruzou a estrada e bateu violentamente no nosso. Em
meio à fumaça, lembro-me de ter dito apenas: sobrevivemos.
Quando se vê a morte tão de perto e se escapa dela, pelo
menos no primeiro momento tudo fica mais simples.
Horas depois conseguimos um novo carro, o outro teve perda
total, e voltamos a ouvir os longos votos dos ministros do Supremo sobre o
habeas corpus de Lula. Sinceramente, talvez influenciado pela alegria de
sobreviver, não via o fim de tudo se o STF derrubasse a prisão em segunda
instância.
O velho mecanismo de corrupção seria de novo azeitado e,
para nos impressionar, de vez em quando prenderiam um ancião e criariam um
vaivém de cadeiras de rodas no presídio. Como somos sentimentais, aceitaríamos
que os anciões fossem libertados logo para cumprir prisão domiciliar.
O único problema dessa opção: a Justiça no Brasil deixaria
de funcionar em nome do belo princípio de presunção da inocência. As vítimas
dos crimes continuariam desemparadas.
Mas a recusa do habeas corpus também não me parece um drama.
É apenas a continuidade do bem-sucedido processo da Lava-Jato e da política do
STF desde 2015.
Quando Lula foi condenado na segunda instância, não entendia
os repórteres que diziam: o destino de Lula é incerto. Destino incerto é o meu
e de todos que estão em liberdade. Lula será preso.
Infelizmente, com a calma dos sobreviventes, não consigo
entender a agitação da imprensa. Há sempre alguém falando de um recurso, de um
embargo do embargo, dando a falsa impressão de que as coisas vão mudar. Uma
pessoa que vê a imprensa à distância pode supor que produzir tantas tramas
artificiais é algo feito para ajudar Lula. Mas não é o caso. As pessoas
precisam de emoção, de criar tramas que mantenham o interesse. Nesse filme, o
ator não pode morrer no princípio, pois seria um anticlímax.
Nesse momento em que vejo a vida como um milagre, pouco me
importam as pancadas, mas devo dizer que o fato mais previsível do mundo quando
alguém é condenado pela Justiça, caso não fuja, é ser preso.
Todo esse miolo dramático, todas essas tramas que se criam
entre a definição da Justiça e o momento da prisão são apenas tentativa de
alongar o interesse pelo caso. Somos novelistas, criando enredos secundários.
Naturalmente, para o PT e seus aliados, as manobras e as
constantes dúvidas mantêm a chama e podem ser de interesse político. Mesmo
nesse caso, duvido da eficácia do cálculo. Se estivessem de olho no futuro,
talvez escolhessem outra tática.
Toda essa intepretação talvez seja resultado da visão esquisita
que tomou conta de mim desde o acidente em Encantado. Nada mais tedioso de quem
supõe que conhece todo o enredo e subestima os lances emocionantes das tramas
que eletrizam a imprensa.
Espero me curar disso, na próxima semana. Ou então deixar de
escrever, pois, realmente, eu me sinto numa outra galáxia. Num lugar onde a lei
vale para todos, as pessoas são condenadas e o fato mais banal é sua prisão.
A cidade onde nos acidentamos chama-se Encantado. Ao
contrário do que seu nome sugere, foi ali que o Brasil finalmente se
desencantou para mim.
Precisaria voltar a viver todas essas emoções, como um ateu
que recupera sua fé. E voltar a acreditar em embargos dos embargos e em toda
essa conversa.
Artigo publicado no Globo em 07/04/2018
Nenhum comentário:
Postar um comentário