Aos trancos, caminhamos. Caiu o foro privilegiado, caiu o
esquema de doleiros que atendia a políticos e milionários de modo geral. Houve
também uma evolução interessante, naquela decisão de retirar a delação da
Odebrecht do processo contra Lula. Menos de uma semana depois, a delação da
Odebrecht voltou a assombrar. Dessa vez, Lula e mais quatro foram denunciados
pelos investimentos em Angola. Se volto ao tema é apenas para enfatizar a
amplitude da delação da Odebrecht, uma empresa que se organizou de forma
profissional e sofisticada para corromper autoridades. Talvez tenha sido a
maior do mundo nessa especialidade.
No entanto, não apenas os ministros Gilmar, Lewandowski e
Toffoli tentam neutralizar as confissões da Odebrecht. Há uma dificuldade geral
de reconhecer sua importância. Inicialmente, foi descrita como um tsunami. Mas
não era. Ela apenas castiga com ondas fortes não só o PT, mas também outros
partidos, entre eles, PSDB e PMDB.
A delação da Odebrecht cruzou fronteiras e devastou a
política tradicional na América do Sul. No Peru, por exemplo, praticamente
todos os ex-presidentes foram atingidos, um deles caiu, outro foi preso por um
bom período. Talvez a dificuldade de avaliar como a delação da Odebrecht bateu
fundo seja uma espécie de constrangimento nacional pelo fato de o Brasil ter se
envolvido oficialmente no ataque às democracias latino-americanas.
O escritor peruano Vargas Llosa afirmou que a delação da
Odebrecht fez um grande favor ao continente. E disse também que Lula era um elo
entre a empresa e os governos corrompidos. Nesse ponto, discordo um pouco. O
esquema de corrupção que cruzou fronteiras não era apenas algo da Odebrecht com
a ajuda de Lula. Era algo articulado entre o governo petista e a empresa. A
abertura de novas frentes no exterior não se destinava apenas a aumentar os
lucros da Odebrecht, embora isto fosse um elemento essencial. Dentro dos planos
conjuntos, buscava-se também projetar Lula como líder internacional, ampliar a
influência do PT em todas as frentes de esquerda que disputavam eleições.
A ideia não era apenas ganhar dinheiro, embora fosse, em
última análise, o que mais importava. O esquema brasileiro consistia em enviar
marqueteiros para eleger aliados, com o mesmo tipo de financiamento consagrado
aqui: propina da Odebrecht. Da mesma forma como tinha se viabilizado na esfera
nacional, o PT exportava seus métodos com um objetivo bem claro de ampliar seu
poder de influência no continente.
Portanto, Lula não era simples emissário da Odebrecht. A
empresa estava consciente de seu projeto de influência. Não sei se
ideologicamente acreditava numa América Latina em que todos os governos fossem
como o do PT. Mas certamente a achava a mais lucrativa e confortável das
estratégias e se dedicou profundamente a ela. Uma das hipóteses que levanto
para que o tema não fosse visto com toda a transparência é o constrangimento em
admitir que através de seu presidente e de uma política oficial de
financiamento o Brasil se meteu até o pescoço na degradação das democracias
latinas. Algum dia, teremos de oficialmente pedir desculpas. Nossas atenuantes,
no entanto, são muito fortes: foi a Lava-Jato que desmontou o esquema, e o uso
do dinheiro foi um golpe nos contribuintes nacionais.
Esta semana, o Congresso decidiu que vamos pagar o crédito
de R$ 1,1 bilhão à Venezuela e a Moçambique.
Subestimamos o papel do Brasil e pagamos discretamente as
despesas da aventura. Gente fina é outra coisa.
Artigo publicado no Globo em 05/05/2018
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