O governo do Reino Unido nunca rejeitou tantos pedidos de
cidadania como agora.
E o motivo mais comum para o recorde de rejeições parece ser
perigosamente subjetivo: as autoridades consideram que muitos candidatos
simplesmente não demonstram ter “bom caráter”.
A legislação de imigração define todos os critérios para as
pessoas se candidatarem à cidadania britânica.
A grande maioria desses pontos é bem objetiva e justa. Os
candidatos têm, por exemplo, que provar residência legal por pelo menos cinco
anos no país para obter um visto permanente. Depois de 12 meses podem pedir
naturalização.
Além disso, precisam passar por um teste de proficiência em
inglês, outro de conhecimentos gerais sobre o país e comprovar a intenção de
permanecer na ilha no futuro.
O problema é que uma parte da legislação foi alterada em
2014, na esteira de uma política do governo conservador de criar um “ambiente
hostil” aos imigrantes ilegais e diminuir a imigração a menos de 100 mil
pessoas por ano.
Essa alteração tocou, entre outras coisas, na definição do
que é ter um "bom caráter".
Até então, a lei barrava a concessão de cidadania apenas a
pessoas condenadas judicialmente, suspeitos de envolvimento com terrorismo ou
culpados por alguma contravenção séria. Nestes casos, os candidatos poderiam
ser considerados como “mau-caracteres” –e não conseguiam o passaporte.
Em dezembro de 2014, no entanto, o Ministério do Interior
(na época liderado pela atual primeira-ministra Theresa May) publicou novas
normas ampliando a definição do mau-caratismo para efeitos de imigração.
A partir de então, passaram a poder ser classificados como
mau-caracteres pessoas que continuam cumprindo a lei, mas, por exemplo, são
vistas como “excêntricas” em suas comunidades.
Também deixaram de ser bem-vindas ao país pessoas que são
consideradas promíscuas sexualmente ou que ficam endividadas de maneira
recorrente.
Problemas com o álcool ou jogo e até pequenas multas de
trânsito também podem impedir os candidatos de obter a almejada cidadania
britânica.
A norma chega a dizer que, isoladamente, nenhum desses
fatores impede necessariamente a concessão da naturalização. Mas deixa a porta
aberta para que burocratas neguem os pedidos se observarem que alguns desses
comportamentos acontecem repetidamente.
Já houve casos de crianças que tiveram os pedidos negados
por infrações causadas pelos pais. Segundo a legislação, qualquer um com mais
de 10 anos de idade tem que cumprir as mesmas exigências.
Tudo isso vem ajudando a aumentar o número de pedidos
barrados.
Em 2016, as autoridades negaram um total de 13.893 pedidos
de naturalização –um recorde e o dobro do total de rejeitados em 2012.
Desse total, nada menos do que 5.525 candidatos falharam no
teste de “bom caráter” e não conseguiram o passaporte do país. Mas os motivos
exatos não foram detalhados.
Na semana passada, por exemplo, a revista The Economist
tentou descobrir com o Ministério do Interior quantos desses casos diziam
respeito a pessoas consideradas promíscuas. Não chega a ser surpreendente, mas
as autoridades não conseguiram dar essa informação.
Américo Martins
Jornalista escreve sobre a vida em Londres, onde mora pela
terceira vez --num total de 15 anos.
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