No dia da estreia do Brasil na Copa, resolvi subir a
montanha para conhecer o lago de Kezenoy. Duas horas de viagem, numa estrada
sinuosa, cheia de cabras e vacas. Queria relaxar e fazer um vídeo curto sobre a
montanha chechena. Relaxar e filmar paisagens, para mim, são sinônimos.
De um modo geral, não tenho ansiedade com meu trabalho,
exceto com cumprir prazos. Mas como torcedor, no momento em que a Copa começa
para todo o Brasil, domingo era um dia especial. Aqui na Chechênia, gostam do
futebol, mas não tanto quanto nós.
Visitei o hotel onde está a seleção egípcia, cuja estrela é
Salah. A Chechênia é muçulmana. Ele é um craque da mesma religião, um ídolo no
mundo árabe. O estádio construído para os treinos egípcios e o novo hotel
erguido com capital árabe estão num quarteirão bloqueado pela polícia.
Meu filme seria mudo, pois meu diálogo com o motorista e
todos os outros possíveis personagens era feito com ajuda de aplicativos de
tradução. Mesmo assim, ele parecia saber que eu era do Brasil. Disse qualquer
parecida com “Hoje, Brasil. Marcelo super”.
Foi uma viagem muito bonita, um dia de sol. Paramos para
tomar água na montanha. Diante da fonte, havia uma foto de Akhmad Kadyrov e seu
filho Ramzan, presidente da Chechênia.
O estádio de futebol se chama Arena Akhamad Kadyrov; no
rádio do carro, segundo o motorista, tocava uma canção sobre Akhmad; em todo
lugar há um retrato dele. Akhmad morreu num atentado. Sua presença é tão
disseminada que os críticos de Sarney no Maranhão iam achá-lo discreto se
visitassem a Chechênia.
Na descida da montanha, um acidente. Começou a chover e cair
pedra na estrada. Uma imensa barreira, com pedra, água e barro, bloqueou o
caminho. Fiquei assustado, o motorista também. Será que ia perder o jogo do
Brasil? Ele me confortou dizendo que, se saíssemos muito tarde, poderia ver na
televisão de um tio dele no vilarejo de Harachoy. Mas o tio morava a quatro
quilômetros montanha abaixo. Como descê-la com chuva e equipamento nas costas?
Felizmente, ao contrário dos motoristas bloqueados na
Transamazônica, dois tratores vindos de direções diferentes resolveram a
situação em três horas. A estrada continuava perigosa. Na subida, a névoa já
era envolvente. Quase não vimos uma cabra que amamentava o filhote no meio da
estrada.
O motorista mostrou a tabela da Copa no telefone, apontou
para o jogo da Alemanha com o México e fez um sinal de que este iria para o
espaço. Dei de ombros: afinal, minha questão era o jogo do Brasil.
Independentemente do resultado, ele, eu e o tio vivemos juntos a mesma
expectativa.
O Presidente da Chechênia deve ter acompanhado o jogo. Razam
Kadyrov gosta do futebol brasileiro e, uma vez, trouxe para um jogo aqui
Romário, Bebeto e Cafu. Mas o presidente da Chechênia escolheria um jornalista
estrangeiro como a penúltima opção para compartilhar um grande jogo. A última
certamente seria um gay.
Mas isso é um outro jogo, sobre o qual falaremos um dia. A
emoção da estreia passou.
P.S. Peço desculpas por dois erros. Maior país do mundo, a
Rússia tem 17 milhões de quilômetros quadrados e não metros. Perdeu mais de 20
milhões de pessoas na II Guerra, e não 20 mil. Foi digitação apressada e não
ignorância.
Artigo publicado no Globo em 18/06/2018
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