BRASÍLIA — Em acordo de delação premiada com a
Procuradoria-Geral da República (PGR) e homologado pelo Supremo Tribunal
Federal (STF), os executivos da empreiteira Galvão Engenharia relataram que
Lúcio Gomes, irmão do candidato à presidência pelo PDT, Ciro Gomes, recebeu R$
1,1 milhão em dinheiro vivo e captou R$ 5,5 milhões via doações eleitorais
oficiais para o PSB em troca da liberação de pagamentos de obras no governo do
Ceará durante a gestão de Cid Gomes (2007-2014), outro irmão do presidenciável.
O GLOBO teve acesso à delação de Jorge Henrique Marques
Valença, ex-executivo da construtora, homologada em dezembro passado e mantida
até hoje sob sigilo. Ele afirma que “havia uma sistemática por meio da qual se
conectava a liberação de pagamentos devidos pelo estado do Ceará com
financiamento de campanhas e doações oficiais e não-oficiais”.
Segundo Valença, Lúcio “orientava a empresa a procurar
diretamente Ciro ou Cid para uma ‘conversa institucional’, na qual deveriam
indicar a ordem dos recebimentos das pendencias que deveriam ser cobradas”, diz
o delator. A construtora detinha alguns dos principais contratos da gestão
cearense, como a Arena Castelão, Eixão das Águas e o Centro de Eventos da
capital.
Valença afirma, no entanto, que nunca esteve com Ciro e que
o presidenciável e o governador procuravam “dar uma aparência institucional ao
serem abordados sobre pagamentos devidos pelo Estado do Ceará à empresa”.
Procurado, Ciro Gomes negou a acusação e disse que processará o delator. Cid
Gomes não quis se manifestar.
O delator frisou que Lúcio Gomes “fazia questão de
sistematicamente verbalizar que não estava vinculando uma coisa com a outra, no
entanto expressamente fazia pedidos de doação para as campanhas justamente no
contexto de cobranças”. O delator afirma que tratava Lúcio por três pseudônimos
nos e-mails da companhia: “LG”, “Tela” e “Tela plana”. Procurado, Lúcio Gomes
também negou as acusações, embora reconheça que o partido recebeu doações
legais da Galvão.
O caso mais emblemático citado na delação envolve uma
negociação, em 2010, para o pagamento de um crédito de R$ 28 milhões relativos
à construção do Eixão das Águas. O delator afirma ter sido recebido na casa de
Lúcio Gomes, onde ouviu do irmão de Ciro o pedido de R$ 6,4 milhões em espécie
para ser empregado nas eleições daquele ano. A empreiteira teria autorizado a
negociação e recebeu ao longo do ano seguinte R$ 18 milhões do governo cearense
— o saldo de R$ 10 milhões foi prometido para o ano seguinte, mas nunca teria
sido pago.
Em função do pagamento apenas parcial, o delator afirma que
repassou R$ 1,1 milhão em espécie para Lúcio Gomes. Jorge Valença anexou à
delação uma planilha em que discrimina a entrega de seis parcelas entre R$
150.000 e R$ 200.000, que teriam sido recebidas no apartamento do delator e no
escritório da Galvão Engenharia em Fortaleza.
Para corroborar seus relatos, o ex-executivo entregou
comprovantes bancários dos repasses oficiais, trocas de e-mails e planilhas
internas com o controle da entrega de dinheiro em espécie.
Em um e-mail, de 16
de dezembro de 2010, a seus superiores na empreiteira, Valença avisa que já
havia previsão para o pagamento ser feito e pede que os executivos da
empreiteira procurem Cid e Ciro: “Já tem orçamento!!! Só falta ok do governador
(Cid Gomes). Estou agindo, mas é importante a ajuda do Mário (Galvão, sócio da
empresa e também delator) com o irmão mais velho (Ciro Gomes), que já está no
Brasil”. Naquela semana de dezembro de 2010, a imprensa noticiou que Ciro Gomes
estava em viagem à Europa e retornaria ao Brasil na quarta-feira 15. O e-mail
foi enviado, portanto, no dia seguinte ao seu retorno.
CIRO E LÚCIO DESMENTE
Procurado, Lúcio Gomes confirmou que conhece Jorge Valença e
que esteve na empreiteira diversas vezes, mas negou que tenha negociado
recursos. “Eu trabalhava na Oi, que vendeu para o consórcio da empreiteira,
administrador da Arena Castelão, todo o sistema de bilhetagem, controle de
vigilância e telões. Como eu era gerente de vendas, participei de reuniões, mas
aí foi uma relação privada privada. Só estive na empresa nesse contexto”, disse
Lúcio. Ele confirmou, no entanto, que a Galvão contribuiu legalmente para as
campanhas de 2010 e 2012 do PSB no Ceará.
Ciro Gomes também negou as acusações: “Isso é uma completa
mentira. Me causa grande constrangimento ver um jornal como O GLOBO, há poucos
dias da eleição, reproduzir uma infâmia dessas em cima de uma história de 38
anos de vida pública sem nunca ter me envolvido em nenhum escândalo ou
roubalheira. Quem quer que sustente essa calúnia, será por mim processado, como
sempre fiz”.
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