Tudo o que um político deseja é que um técnico com
credenciais acadêmicas tenha diagnóstico simples para problemas complexos.
Paulo Guedes, com a ênfase na privatização e, possivelmente,
na redução das reservas internacionais como políticas para reduzir o
endividamento público, pode se prestar a esse papel. O de mercador de ilusão.
Os políticos, felizes da vida, empurram os problemas para a
próxima legislatura e para as próximas gerações. O país não sai do lugar.
Privatização e redução do nível de reservas podem ser políticas
auxiliares importantes para reduzir o endividamento público e o custo da
dívida, mas somente após haver caminho definido que solucione o problema
fiscal.
É esse caminho que recuperará a confiança e o valor do
patrimônio público.
Nos últimos anos, os economistas de “esquerda” têm sido
pródigos em vender ilusões aos políticos. Um caso recorrente é a tese do “moto
perpétuo” na política fiscal: a elevação do déficit público para financiar o
aumento do investimento público gera impacto tão elevado sobre o crescimento e,
portanto, sobre a arrecadação de impostos que, no fim do processo, a dívida
pública como proporção do PIB cai.
No momento, o verdadeiro ornitorrinco representado pela
coligação entre a extrema direita e a esquerda na Itália se prepara para testar
essa tese.
Olivier Blanchard, ex-economista-chefe do FMI e pesquisador
do Peterson Institute for International Economics, apontou, em recente post com
colegas, que o impacto negativo sobre o crescimento da Itália da elevação dos
juros de mercado, em consequência da maior percepção de risco pela piora
fiscal, mais do que compensa possível efeito expansionista dos gastos sobre o
crescimento.
Tese comum entre os economistas de “esquerda” é que impostos
sobre ricos podem resolver o problema fiscal. A técnica é superestimar em muito
—em até dez vezes mais— os ganhos de arrecadação com alguma modalidade de
imposto sobre os ricos.
Os profissionais que fazem conta corretamente e, portanto,
não inflam os números são tachados de “contrários aos pobres”.
No dia 3, Pochmann e Feldmann afirmaram que eu não gosto “do
sentido de nossas (deles) propostas”, no caso um imposto de 50% sobre o lucro
dos bancos que arrecadaria R$ 55 bilhões, pois o lucro do setor neste ano será
de R$ 110 bilhões.
Tratei da importância de elevar a tributação sobre os mais
ricos em minha coluna de novembro de 2015 na revista Conjuntura Econômica, bem
como neste espaço em 8 de abril.
Novamente os mercadores de ilusão erraram as contas. O lucro
dos bancos líquido de impostos foi em 2018 algo próximo de R$ 80 bilhões.
Os bancos já foram tributados em 45%. Descontando o
abatimento do JCP, a alíquota foi de 36%, ou seja, para um lucro bruto (sem
descontar os impostos) de R$ 125 bilhões, a arrecadação foi de R$ 45 bilhões.
Se a alíquota fosse de 50%, em vez de 45%, e se não houvesse
a isenção do JCP, a arrecadação seria de R$ 63 bilhões, R$ 18 bilhões a mais, e
não os R$ 55 bilhões propalado pelos mercadores de ilusão.
Essencialmente os mercadores de ilusão inflaram a receita de
2018, esqueceram que os lucros já são tributados em 45% e desconsideraram a
importante isenção dada pelo juro sobre o capital próprio (JCP).
Oxalá Paulo Guedes, economista muito respeitado, formado em
Chicago e com exitosa atuação no setor privado, não entre para a categoria dos
mercadores de ilusão.
*Samuel Pessôa é pesquisador do Instituto Brasileiro de
Economia (FGV) e sócio da consultoria Reliance. É doutor em economia pela USP.
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