Quando se comemorava uma renovação pelo processo eleitoral,
o passado voltou com dois fortes golpes. Um deles, o mais importante, foi o
aumento de 16% concedido aos ministros do STF.
Não creiam que parlamentares votam esses aumentos pelos
belos olhos dos ministros. Eles estão pensando em si próprios, pois nesse
movimento aumentam também o teto do funcionalismo. Um teto para abrigá-los
adiante.
Um dos temas da campanha foi o tamanho do Estado. Ele é um
gigante anêmico que não tem o sangue para investir. As manifestações de 2013 denunciaram
sua ineficácia; as de 2015, o processo de corrupção que o dominava.
Por que não esperar a reforma da Previdência, o enxugamento
da máquina, para reajustar salários no primeiro semestre? Só aí perdemos R$ 6
bilhões. No dia seguinte, os incentivos à industria automobilística levaram
mais R$ 2 bilhões. Nesse caso, para quê? Incentivos para melhorar o motor de
combustão que já está pra lá de Marrakech: não tem futuro.
Bolsonaro reagiu de uma forma discreta. Temo que não tenha
percebido a extensão do golpe. Aliás, temo mais ainda, que ele não tenha ainda
compreendido o caráter parasitário e atrasado da grande máquina estatal.
Não tenho condições de questionar a mudança dos outros,
porque também mudo. Mas afirmar que não contingencia o orçamento das Forças
Armadas é prematuro. Isso só se faz com a noção bem clara do conjunto. E se
houver um gargalo na saúde?
Esses momentos de transição podem ser usados para tentar
entender a fase em que entramos. É que na transição acontece pouca coisa, além
do anúncio da escolha de ministros e da reorganização administrativa. Às vezes,
equipes que entram revelam dados importantes, pois querem mostrar o tamanho do
buraco. Suponho que a nova fase vai se basear na luta contra a corrupção, com a
presença de Moro, e um pouco mais de segurança. Mas o enxugamento da máquina é
essencial.
Há temores de que o processo possa conduzir a uma rejeição
futura às ideias liberais. Não creio. Tanto os liberais como os estatizantes
não escrevem numa página em branco. Mesmo com a correlação de forças a seu
favor, as ideias liberais devem sofrer alguns reparos, adaptações que resultam
do próprio debate.
O que me preocupa é que as coisas estão acontecendo no
Brasil com um tipo de lógica que me desconcerta. Quando vi aquele exame do Enem
que apresentou um dicionário dos travestis, pensei que havia infiltração da
direita para confirmar suas teses. Por que não alguma coisa em guarani, em
italiano, idiomas falados no país e que envolvem muita mais gente? Parecia uma
provocação.
Da mesma forma, quando ouço o ministro Paulo Guedes falar
numa possível futura fusão do Banco do Brasil com o Bank of America, temo que
um esquerdista infiltrado tenha soprado essa sugestão. Por que dizer isso
agora, sem que nenhum estudo, nenhuma negociação preliminar tenha sido feita?
Tanto Bolsonaro como Guedes têm afirmado que o fracasso do
seu governo poderia trazer o PT de volta. Dependendo do fracasso e das
circunstâncias, pode surgir algo mais radical ainda.
Nada começou ainda. Mas nesses momentos de transição, creio
que o presidente deveria brigar mais contra essas benesses de fim de mandato.
O general Heleno disse que o aumento dos juízes era uma
preocupação. O governo pode ter sentido assim. Mas as pessoas comuns ficaram
indignadas.
O novo governador de Minas venceu com 72% dos votos. Isso é
inédito na História. Os eleitores rejeitaram o PT e o PSDB por uma promessa de
reforma do Estado.
As forças políticas que sobem agora ao poder o fazem com um
apoio de uma frente que amalgama expectativas políticas e ideológicas. Será uma
ingenuidade supor que o cimento ideológico possa manter o edifício em pé com
mudanças apenas cosméticas na vida real. Se as promessas não forem cumpridas,
vão todos para o espaço, como foram PT e PSDB. Não existe fidelidade eterna.
Cada momento tem de ser vivido com a gravidade que merece.
Não pretendo antecipar críticas, muito menos torcer contra.
Não me surpreende pauta-bomba em fim de mandato. Sempre foi
assim. O que me surpreendeu foi como os novos atores foram polidos e discretos
diante desse tipo de facada.
Artigo publicado no O Globo em 12/11/2018
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