Confissões de
Sérgio Cabral são espetáculo do Brasil corrupto
Um dos episódios mais
sublimes da psicopatia nacional dedicada à corrupção tem sido protagonizado
pelo ex-governador Sérgio Cabraldiante
de autoridades da Lava Jato no
Rio.
A pedido de seus advogados, Cabral foi ao Ministério Público
Federal e ao juiz Marcelo Bretas nesta semana para
confessar crimes.
Mostrando-se bem disposto, finalmente reconheceu
ter sido beneficiado pela corrupção. “Era propina direta e indireta. Muito
dinheiro”, disse. Ao se abrir, também entregou ex-colaboradores, inclusive o
seu então vice, Pezão, que está preso.
Cabral não é um Raskólnikov de Fiódor Dostoiévski
(1821-1881), que em "Crime e Castigo” confessa espontaneamente roubo e
assassinato ao se ver atormentado por arrependimento e angústia.
O ex-governador negou por mais de dois anos ter recebido
propina e dizia que o dinheiro para luxos como vasos sanitários hi-tec e peças
de kobe beef era sobra de caixa dois.
É possível que após nova condenação em dezembro e muita
reflexão nas horas vagas o ex-governador finalmente se veja como um homem
acabado, execrado nacionalmente e condenado a 197 anos e 11 meses de prisão.
Mas depois de confessar seus crimes, diz o que todos buscam
nessas horas: “Hoje sou um homem muito mais aliviado”.
A “cura pela fala (ou palavra)” que parece ter acometido
Cabral é a base do método psicanalítico descoberto em Viena a partir de 1880 e
que ajudou a retirar dos confessionários da igreja um certo monopólio nessa
área.
Foi no chamado Caso Anna O. que o médico Josef Breuer
(1842-1925) usou a expressão pela primeira vez a partir de comentários de sua
paciente Bertha Pappenheim. Nas consultas, ela comparava a uma “limpeza de
chaminé” as associações livres que fazia e que acabavam por aliviar seus
sintomas.
O método de falar, sobretudo a verdade, tem aplicações que
vão das DRs dos namorados aos grupos de AA.
Mas parece muito otimismo acreditar que Cabral esteja nesse
caminho, jamais trilhado no Brasil por gente do ramo e desprovida de superego
como Paulo Maluf e Eduardo Cunha.
É notável que as confissões de alívio de Cabral tenham sido
feitas ao mesmo juiz Marcelo Bretas que já condenou sua mulher, Adriana
Ancelmo, na primeira instância. Segundo Cabral, que agora
diz não esconder nada, Adriana ignorava seus esquemas e foi enganada
o tempo todo por ele.
Dá até pena imaginar o sofrimento psíquico do ex-governador
nessa íntima convivência com a mulher, que usufruía de tudo sem que ele lhe
dissesse nada.
Fernando Canzian
Jornalista, autor de "Desastre Global - Um Ano na Pior
Crise desde 1929". Vencedor de quatro prêmios Esso.
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