Elio Gaspari, Folha de S.Paulo
A quantidade de farinha que o ex-governador Sérgio Cabral colocou na sua repentina conversão à causa da verdade deu um cheiro de pizza às suas confissões. O doutor reconheceu-se viciado em roubo. Isso até as pedras sabem, tanto que ele já amealhou sentenças que lhe dão a fortuna de 198 anos de cadeia.
Sua confissão vale nada, mas pode vir a valer muito, desde que o juiz Marcelo Bretas e o Ministério Público Federal no Rio percebam que Cabral pode se transformar no maior colaborador da história daquilo que se convencionou chamar de Lava Jato.
Cabral presidiu a Assembleia Legislativa, foi senador, governou o Rio por oito anos, reelegeu-se com dois terços dos votos e emplacou um cúmplice como sucessor. Ele sabe tudo, sabe mais do que souberam os empreiteiros e é o primeiro gato gordo do aparelho do Estado a mostrar que pode falar. Nada a ver com a colaboração seletiva e pasteurizada do ex-ministro Antonio Palocci.
A guinada de Cabral sugere que ele busca um acerto no escurinho dos processos. Falando o que já se sabe, aliviaria a situação de seus parentes e conseguiria algum tipo de conforto. Nesse caso, surgiria um Cabral 2.0. O mitológico gestor de propinas daria lugar ao administrador de confissões.
Se o detento quer colaborar com as investigações, precisa sentar com o Ministério Público para contar como funciona a máquina de corrupção política, administrativa e empresarial do andar de cima do Rio de Janeiro. Esse mecanismo arruinou o estado e a cidade. A roubalheira na privataria da saúde é exemplar na sua crueldade. Tem um pé nos hospitais públicos e outro operando o prestígio e a força moral da Arquidiocese. O andar de baixo conhece a ruína porque convive com ela, o que se precisa expor é o mecanismo com que o andar de cima operou e opera essa máquina.
O Ministério Público em Curitiba desvendou as tramas das empreiteiras porque trabalhou duro, com inédita independência.
No Rio essa máquina rateou, tanto que ao tempo em que Cabral cabalava, a Procuradoria dormiu em berço esplêndido.
A Lava Jato quebrou o mundo dos comissários petistas e das empreiteiras em 2014, quando o doleiro Alberto Youssef começou a falar. Cabral pode vir a ocupar esse lugar, desde que responda direito às perguntas certas. Nesse caso, poderia ganhar paz de espírito e leniência.
Fora daí, é pizza.
Bolsonaro passou pela primeira pesquisa
Bolsonaro tem filhos encrenqueiros e ministros perigosamente folclóricos, como Ricardo Vélez, Damares Alves e Ernesto Araújo, mas a pesquisa CNT/MDA mostrou que ele vai bem, obrigado. Seu desempenho no cargo foi aprovado por 57,5%, percentagem um pouco superior à dos votos que teve no segundo turno (55%). Já a avaliação do governo ficou rala, em 39% de aprovação. No primeiro turno um eleitorado fiel deu a Bolsonaro 46% dos votos.
Considerando-se a polarização que marcou o segundo turno, só 7,6% dos entrevistados que votaram para presidente arrependeram-se da escolha que fizeram. (Nessa percentagem há pessoas que votaram nele ou em Fernando Haddad, mas pode-se especular que poucos eleitores do PT estejam arrependidos.) A percentagem de pessoas que acharam o governo ruim ou péssimo (19%) é menor que a dos eleitores de Haddad no primeiro ou no segundo turnos (29% e 45%).
A sabedoria convencional permitia supor que mais gente que votou em Bolsonaro para derrotar o PT tivesse ficado desencantada com as trapalhadas do início do governo. Isso não aconteceu.
Madame Natasha
Natasha concedeu uma bolsa de estudos ao ministro Sergio Moro pela nota que divulgou ao comunicar que revogou a nomeação (feita por ele) da pesquisadora Ilona Szabó para uma suplência do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
O doutor disse o seguinte:
“Diante da repercussão negativa em alguns segmentos, optou-se por revogar a nomeação, o que foi previamente comunicado à nomeada e a quem o ministério respeitosamente apresenta escusas”.
Natasha lamenta que Moro torture o idioma.
O “optou-se” esconde a autoria da opção, que foi dele. Poderia ter dito “optei”.
O ex-juiz de Curitiba curvou-se à “repercussão negativa em alguns segmentos”. Se repercussão negativa dobrasse suas convicções, teria mandado soltar boa parte das pessoas que condenou. Vá lá que o Moro de Brasília precisa ser outro, mas falar em “alguns segmentos” ofende a inteligência de quem lhe dá crédito. Há “segmentos” reclamando de qualquer coisa, até de vacinas. Moro sabe quais foram os “segmentos” que pressionaram Bolsonaro.
Finalmente, o ministro pediu “escusas” a Szabó. Natasha acredita que Moro deve aprender a usar a palavra “desculpas”.
Em 2016, quando ele divulgou uma conversa de Lula com Dilma Rousseff, grampeada fora do prazo da interceptação autorizado pela Justiça, pediu “respeitosas escusas” ao Supremo Tribunal Federal.
Sistema S
A caixa de surpresas da Fecomércio do Rio assombra vários escritórios de advocacia da cidade. O Ministério Público está atrás de contratos onde estava combinada uma rachadinha com os maganos da instituição.
Infeliz coincidência
A sorte faltou ao Tribunal de Contas da União quando acatou um pedido para abrir uma auditoria na Receita Federal dias depois do vazamento de informações de que o Leão xeretava as contas de magistrados.
O tribunal poderia ter acordado há anos, meses ou semanas, mas despertou quando entrou na roda a doutora Isabel Gallotti, do STJ. Ela é casada com Walton Alencar, um dos ministros do TCU.
A ministra informou que sua movimentação financeira derivou de uma herança materna, declarada à Receita.
Adrenalina
Chegará nesta semana à TV paga o documentário “Free Solo”, vencedor do Oscar. Vendo-o, ganha-se uma dose de adrenalina sem que se tenha que queimar calorias.
Em uma hora e meia o filme conta a história de Alex Honnold escalando sozinho e sem cordas os 900 metros da escarpa de El Capitán. (O Pão de Açúcar tem 390 metros). Um erro e ele morreria. Um dos integrantes da equipe que filmou a proeza evitava olhar para a cena.
A primeira escalada do penhasco, com cordas, levou 47 dias. Honnold, subiu em duas horas. Ele é um vegetariano frio que gosta de viver em vans.
Numa época em que o cinema faz de tudo com efeitos especiais, “Free Solo” mostra a audácia e o sangue frio de um atleta que tinha apenas as mãos, breu e um par de tênis.
Bloomberg
Se Deus quiser, Michael Bloomberg disputará a presidência dos Estados Unidos em 2020. A seu favor tem a biografia, pois começou de baixo, tem uma fortuna de US$ 51 bilhões e foi um grande prefeito de Nova York por 12 anos. Não recebia salário. Contra, só a idade, pois entraria na Casa Branca com 79 anos.
Em 2016, antes da eleição de Trump, ele o definiu:
— Como nova-iorquino, eu reconheço um vigarista quando o vejo.
Elio Gaspari, jornalista, autor de cinco volumes sobre a história do regime militar, entre eles “A Ditadura Encurralada”.
domingo, 3 de março de 2019
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