Felipe Guilherme Antunes queria deixar o morro do Fallet e levar a família para Vassouras, terra da avó materna, mas acabou na gaveta 582 do Cemitério São João Batista. No dia 8 de fevereiro o rapaz de 21 anos tornou-se o cadáver 5857/2019, número do laudo de necropsia no Instituto Médico Legal. Dois vídeos aos quais piauí teve acesso, gravados naquele dia por uma funcionária do Hospital Municipal Souza Aguiar, no Centro do Rio de Janeiro, revelam o estado do corpo de 1,60 metro de altura. Cheio de feridas, o cadáver tem sangue no rosto, no nariz e nas orelhas, marcas no pescoço e no peito, cabeça inchada, com um lado mais fundo que o outro. Um tiro perto do coração. Os vídeos mostram o resultado mais brutal da operação policial que matou quinze pessoas na manhã daquela sexta-feira: Felipe estava eviscerado, com os intestinos totalmente expostos, em cima da barriga. Um mês depois, ainda não se sabe como isso aconteceu. Oficialmente, não aconteceu.
“Cadáver de um homem pardo”, diz o laudo feito no dia seguinte. Embora tenha observado “bom estado nutricional”, “cabelos castanhos curtos”, “barba e bigode” no cadáver, o perito legista Reginaldo Franklin Pereira, ex-diretor do Instituto Médico Legal, não mencionou que as vísceras de Felipe estavam para fora. O documento de quatro páginas diz que o corpo foi atravessado por sete tiros de fuzil, que provocaram catorze feridas no crânio e no tronco – sete marcas de entrada, sete de saída. Segundo a análise, as balas vieram de todos os lados: de frente para trás, de trás para a frente, da esquerda para a direita, e o inverso. Acertaram cabeça, pulmão esquerdo, coração, diafragma, fígado, estômago e alças intestinais. Três tiros deixaram rastros de pólvora, o que significa que foram disparados a menos de 30 centímetros de distância, mas o laudo de necropsia não tem imagens das feridas. Cita que foram “tiradas tomadas fotográficas para reconhecimento”, ou seja: apenas fotos do rosto.
Os vídeos gravados no hospital mostram a distância entre o que se vê nas imagens e o que se lê nos laudos obtidos por piauí. Enquanto alguém da equipe médica dá instruções para que três dos quinze corpos sejam retirados de macas e colocados no chão – “Leva esse aí, bota os três no chão, bota enfileiradinho lá”, diz uma voz masculina na emergência –, a autora da filmagem caminha registrando os mortos com o celular. Os dois vídeos revelam sintonia entre médicos de plantão e policiais do Batalhão de Choque. Um homem sem jaleco, de camisa azul, e um médico recebem instruções, aparentemente, de um PM. “Bota um diagnóstico aí. Essa é a primeira leva, a segunda tá chegando”, diz o homem, sem aparecer.
A operação policial mais letal da década no Rio de Janeiro completou um mês na sexta-feira, dia 8. Sobre ela pairam quinze fantasmas, número de mortos em cinco horas de incursões nas três favelas dominadas pelo Comando Vermelho (CV), na região conhecida como Complexo de Santa Teresa. Só morreram homens ligados ao CV, facção em conflito com o Terceiro Comando Puro (TCP). O TCP controlava o tráfico no vizinho morro da Coroa e fora expulso pelo CV. No dia seguinte à operação, o TCP retomou o controle da Coroa.
Como uma operação policial termina com um homem eviscerado? É um mistério, mas não o único. Tiros de fuzil alcançam dois quilômetros de distância e atravessam corpos como se fossem folhas de papel, provocando rombos do tamanho de maçãs, ou até maiores, nos buracos de saída. Com sete disparos de grosso calibre, era de se imaginar que o caixão de Felipe estivesse fechado no velório, especialmente pelo tiro na cabeça. Mas não foi preciso: permaneceu aberto até o fim da cerimônia. Havia uma deformação no crânio do rapaz, mas sua mãe diz que a única marca de tiro era da bala que ele já tinha alojada perto do coração.
“Só vi uma marca de tiro. Há quase cinco anos, ele tomou uma bala perdida no peito e sobreviveu. Os policiais meteram um flagrante nele, dizendo que era bandido, mas com 16 anos ele não era. Passou oito meses preso”, conta a mãe, Tatiana Antunes, de 38 anos, desempregada e mãe de três filhos mais novos, dois meninos de 8 e 10 anos, e uma adolescente de 14. Foi encontrado um projétil de arma de fogo no corpo, mas a perícia não especificou em que local. Desde o primeiro dia, Tatiana repete a mesma frase: “Ele foi torturado, mataram meu filho a facada.” Ela quer desenterrar o corpo e fazer nova necropsia.
Uma foto tirada numa casa na entrada do Fallet, no número 39 da rua Eliseu Visconti, bairro do Catumbi, onde Felipe e outros oito homens foram mortos por policiais, naquela manhã de 8 de fevereiro, reforça as suspeitas de Tatiana. Na imagem, feita por um dos policiais, Felipe aparece deitado de barriga para baixo, sobre uma poça de sangue, com marcas de coturnos na mancha vermelha ao seu redor. Pelo ângulo, seria possível ver as feridas de entrada e saída de tiros, já que ele estava sem camisa. Mas as costas estão intactas – a única coisa que se vê é uma tatuagem com rosto de mulher. A Polícia Militar diz que os soldados do tráfico, como são chamados os encarregados da segurança no morro, foram baleados em confronto; parentes dos mortos e defensores públicos afirmam que estavam todos rendidos. Entre eles havia um adolescente de 16 anos.
Uma necropsia cuidadosa, segundo especialistas em medicina legal, demora no mínimo duas horas, tempo necessário para abrir três grandes cavidades no corpo (na cabeça, no tórax e no abdome) e, de acordo com a técnica criada há quase 150 anos pelo médico polonês Rudolf Virchow, retirar um a um os órgãos e examiná-los. É essencial em inquéritos para analisar as feridas no cadáver, medir aberturas provocadas por projéteis ou facas, estimar trajetórias de tiros, saber se a vítima estava em pé, deitada ou de joelhos, se houve ou não execução. Na chacina do Fallet, cada laudo foi elaborado em menos de quarenta minutos, de acordo com informações dos exames. Um deles, de um morto que ainda não havia sido identificado quando chegou ao IML, em apenas dez minutos. Em média, os mortos da operação foram atingidos por três tiros. A necropsia de Felipe, que estava eviscerado, era a mais complexa. Durou meia hora, das 8h10 às 8h40.
Para o médico e perito legista Leví Inimá de Miranda, aposentado pela Polícia Civil fluminense e ex-chefe do Serviço de Medicina Legal do Exército, não é possível realizar uma necropsia como essa em tão pouco tempo. Ele afirma que “ao não descrever aquela grandíssima evisceração, o perito deixou de examinar o tipo de ferida por baixo das alças evisceradas, se de natureza pérfuro-contundente ou resultante de objeto cortante”. Segundo o profissional, que tem quase cinquenta anos de experiência, “todas as lesões têm que ser fotografadas, tanto numa imagem ampla quanto aproximada, pois é a maneira de perpetuar as feridas para serem apresentadas em processo penal. Certamente ele tirou fotos para seu acervo pessoal, para usá-las em suas aulas, mas não as incluiu no laudo. Um exame sem fotos e sem descrição de todas as feridas, que não menciona uma evisceração, é catastrófico”.
Pelos laudos é possível notar um padrão: tiro pelas costas. Ao menos sete foram baleados dessa forma. Um dos mortos tomou três da cintura para baixo, outro foi atingido na perna esquerda, e abriu-se um buraco do joelho até o meio da canela. Carlos Alberto Castilho, de 26 anos – o cadáver 5852/2019 –, tinha um corte na face esquerda descrito no laudo como tiro de fuzil, mas os defensores suspeitam que tenha sido provocado por faca. Os peritos ouvidos pela reportagem admitiram essa possibilidade ao verem o corte, registrado em um dos vídeos.
Segundo o perito legista e professor da Uerj Nelson Massini, não raro policiais levam cadáveres de favelas para as emergências de hospitais públicos com a intenção de alterarem o local do crime. “É o chamado falso atendimento. Alegam que foram todos socorridos para desfazerem a cena”, diz o médico. Questionada, a Polícia Civil afirma que a casa 39 da rua Eliseu Visconti foi periciada, embora o legista responsável pelos laudos de necropsia tenha afirmado nos documentos que “não há informações sobre a perícia de local até o momento”.
Massini afirma que, “além do número excessivo de disparos, todos os tiros parecem ter sido mirados no peito e nas costas. Pelas lesões descritas, os policiais atiraram de cinco a oito metros de distância, o que mostra que havia domínio sobre os bandidos”, interpreta. “Pelas fotos e laudos já se pode concluir que houve invasão da casa, e que todos foram executados.”
O legista que assina as necropsias, Reginaldo Franklin Pereira, professor universitário, cirurgião da Santa Casa da Misericórdia e autor de livros sobre ciência forense, disse à piauí, por telefone, que está proibido de falar. Indagado sobre por que a evisceração de Felipe Guilherme Antunes não foi descrita no laudo 5857/2019, respondeu: “Não lembro dessa evisceração. São tantos casos, não me lembro pontualmente de um ou de outro.” “Entre em contato com a assessoria de imprensa da Polícia Civil, por favor.” Sobre as fotos das feridas, afirmou que foram feitas, embora os laudos não indiquem. “Sou perito do caso. A Polícia Civil é que detém toda e qualquer informação”, disse, encerrando a conversa.
O defensor público Daniel Lozoya está esperando os laudos até hoje, embora tenha solicitado os documentos há mais de um mês à Polícia Civil e ao Ministério Público. Diz que “a omissão da evisceração é um erro imperdoável”, e que a Defensoria vai pedir a exumação dos corpos caso as fotos das feridas não tenham sido produzidas. “Precisamos analisar a possibilidade de ter havido tortura, mas até agora não tivemos acesso aos inquéritos nem aos laudos. Não estamos lançando suspeita sobre a imparcialidade dos peritos. O fato é que as perícias oficiais no Rio, no Brasil, são departamentos que fazem parte da polícia, diretamente subordinada ao governador do estado. Temos um problema de independência, além da sobrecarga de trabalho”, afirma Lozoya, coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria. Era imprescindível, diz ele, que todos os policiais tivessem sido ouvidos no dia da operação, “mas parece que isso até hoje não aconteceu. É um caso difícil”.
Se as imagens não tiverem sido produzidas, Lozoya diz que irá representar contra o perito na Corregedoria da Polícia Civil. Vai solicitar que o profissional seja ouvido no processo para esclarecer, entre outros pontos, por que a evisceração não foi descrita. O Ministério Público pretende realizar a reconstituição das mortes, mas não se sabe quando. Segundo a assessoria do órgão, “o caso está com a 23ª Promotoria de Investigação Penal e o Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) está auxiliando”. Ainda serão ouvidos os Comandantes dos Batalhões de Choque, Bope e do Comando de Operações Especiais – o COE, ao qual as duas forças são subordinadas.
Procurados por intermédio das assessorias de imprensa, não quiseram dar entrevista a promotora Débora Cagy Erlich, responsável pelo caso, o secretário de estado da Polícia Militar, coronel Rogério Figueiredo de Lacerda, o comandante do Batalhão de Choque, André Luís de Souza Batista, assim como o delegado Marcos Drucker, da Divisão de Homicídios, que cuida da investigação. “Diligências estão sendo realizadas. Testemunhas e familiares foram ouvidos, e a unidade aguarda o resultado dos laudos periciais”, informou a Polícia Civil, em nota. A corporação não respondeu se as facas táticas dos policiais que participaram da operação – cada homem das forças de elite do Rio usa um modelo de uso restrito da marca Zakharov, com lâmina preta de 24 centímetros e o emblema do seu batalhão gravado – foram entregues à perícia.
No primeiro comunicado sobre o caso, a Polícia Militar disse que “todos os corpos foram encontrados em vias das comunidades”, sem mencionar que a maioria foi fuzilada dentro de uma casa. Depois, informou que a ação foi planejada para intervir na guerra entre as facções Comando Vermelho (CV) e Terceiro Comando Puro (TCP), “tendo como principal preocupação a preservação de vidas”.
“Perdi, perdi”, berrou o homem na casa da rua Eliseu Visconti, nos fundos do número 39. Uma vizinha ouviu os gritos enquanto cortava batatas para o almoço. “Perdi”, ouviu novamente a senhora, e a resposta não demorou: uma rajada de tiros de fuzil que ecoou pelo morro do Fallet.
Nove homens morreram na casa de fundos da Eliseu Visconti quando quinze homens do Batalhão de Choque chegaram. Os policiais se dividiram em duas equipes. A primeira entrou por trás da casa, enquanto a outra bateu à porta. Oficialmente, a PM diz que a informação chegou pelo Disque-Denúncia, mas piauí apurou que o serviço telefônico não recebeu essa chamada. A suspeita dos moradores é que a dica tenha vindo de traficantes rivais do Querosene, do outro lado da rua Itapiru, ligados ao Terceiro Comando Puro. Na mesma sexta-feira o Batalhão de Choque concluiu um curso de drone para seus policiais, e os novos conhecimentos foram usados para identificar a casa. “Pode abrir, temos denúncia de que bandidos estão aí”, disse um dos oficiais, segundo um vizinho.
Um morador da casa abriu a porta. A dona do imóvel e seu filho tentaram impedir uma matança, mas foram levados pelos PMs para a residência da frente, de onde só puderam sair quando tudo acabou. Pelo menos dez minutos se passaram entre a entrada dos policiais e os primeiros tiros, de acordo com a mãe de Felipe Antunes, uma das primeiras a chegar ao endereço. Além de palavras de rendição, vizinhos ouviram gritos de desespero abafados por disparos. Segundo relatos à piauí, Felipe foi o primeiro a tentar se entregar.
Havia irmãos entre os mortos: Victor dos Santos Silva e Roger dos Santos Silva, de 16 e 18 anos. Segundo os laudos, o caçula morreu com tiros no peito que provocaram lesão pulmonar e cardíaca, além de hemotórax, o derrame de sangue na cavidade pleural. Roger também morreu com tiros no tórax, que causaram hemorragias, sangue na cavidade peritoneal e lesão polivisceral. Baseado nos vídeos gravados no Souza Aguiar, um tio dos dois questiona os exames. “Disseram que o Roger tomou três tiros no tórax. Mas ele aparece nos vídeos com um tiro de fuzil na perna esquerda”, afirma o tio. A menos que os três disparos de grosso calibre estejam escondidos sob um dos braços do rapaz, apoiado em cima do peito, o tio está certo: as marcas não são visíveis.
Em outra casa do Fallet, os outros irmãos Maikon e David Vicente da Silva, de 17 e 22 anos, um negro e o outro branco, foram torturados durante quarenta minutos antes de serem mortos, segundo uma testemunha contou ao jornal Extra. Eles moravam com a mãe. Um vizinho disse à piauí: “Ouvi gritos, não sei se da mesma pessoa. Os policiais demoraram lá dentro. Alguém chegou a berrar na janela ‘mata logo’, pra ver se davam um ponto final.”
A versão dos policiais é a mesma para as mortes na Eliseu Visconti: eles resistiram, houve tiroteio, morreram em confronto. Os PMs disseram que havia uma pistola na casa e papelotes de cocaína. A mãe nega e diz que os dois foram mortos quando ela saiu para o supermercado. Nos vídeos do Souza Aguiar, Maikon aparece com uma ferida de tiro de fuzil de trás para a frente, na coxa direita. O mais velho foi colocado em uma maca. Não é possível ver marcas de tiro, embora ele estivesse sem camisa e de barriga para cima.
Enquanto médicos e enfermeiros recebiam os cadáveres no hospital, após eles serem transportados com policiais pisando sobre os corpos, como um motorista flagrou e postou nas redes sociais, parentes dos mortos telefonavam sem parar para os filhos, na última esperança de encontrá-los com vida. No dia seguinte, sábado, a mãe de Matheus Lima Diniz, de 22 anos, encontrou o corpo do filho numa cova rasa, coberto por folhas e terra. Perto dele estava Michael da Conceição de Souza, de 20 anos. Os dois cresceram juntos na rua Rubens Nunes Moreira, no morro dos Prazeres.
Gabriel da Silva Carvalho, de 22 anos, foi o primeiro dos quinze a morrer na manhã de 8 de fevereiro. Tentara sair do tráfico e trabalhar como ambulante, vendendo água em Copacabana, mas, em troca de 800 reais por mês, reassumiu o posto na contenção do Comando Vermelho nos Prazeres. Morreu com um tiro de fuzil no peito durante seu plantão na rua Gomes Lopes, uma das mais importantes dos Prazeres. A seu lado, um jovem identificado como Italo Supriano, atingido na barriga, foi socorrido por senhoras que saíam de um culto evangélico e levado ao Hospital Souza Aguiar. Sobreviveu e está internado na UPA do Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu.
Gabriel foi abatido por snipers, segundo denúncias ouvidas por piauí no morro dos Prazeres. Seu laudo cadavérico não foi divulgado. Ele e Italo foram alvejados por policiais do Bope que teriam usado como base para os tiros uma unidade da Secretaria Municipal de Educação, o Centro de Educação Integrada Amália Fernandes Conde, mais conhecido como Casarão dos Prazeres, antiga residência no alto do morro que já foi cenário de um filme dos Trapalhões e se tornou o principal espaço cultural da favela. O casarão foi fechado às 16h10 de quinta-feira, dia 7 de fevereiro, véspera da operação. Depois que os policiais deixaram o morro, a porta do Casarão foi encontrada aberta. O imóvel fica a 300 metros do local onde Gabriel e Italo foram atingidos. Na biblioteca, uma janela teve o vidro quebrado. Havia pegadas no chão e garrafas de Coca-Cola vazias, guardadas por um morador na esperança de que o local fosse periciado, o que não aconteceu. Lideranças do morro registraram queixa na delegacia.
Segundo a PM, a operação foi coordenada pelo Comando de Operações Especiais e aconteceu numa sexta-feira porque seria, pelos dados da área de inteligência, o melhor momento, “visando minimizar danos colaterais”. Em nota, a corporação informou que, “durante o confronto, um grupo, do qual fazia parte um dos chefes da quadrilha, tentou fugir pelos fundos da casa, mas acabou se entregando. Cinco foram presos”. Este grupo estava numa casa ao lado, também na rua Eliseu Visconti. A PM afirma que está apurando, em Inquérito Policial Militar, se os policiais cometeram execuções. Sobre a suspeita de moradores do Fallet, de que policiais atacaram o local para permitir a volta do TCP, a polícia afirma que a única oferta de dinheiro foi de 100 mil reais, feita por um gerente do Fallet para não ser preso.
O governador Wilson Witzel, eleito com a promessa de que transformaria o verbo abater em política de estado, apoiou a operação e disse em suas redes sociais que ela foi legítima. No dia do seu aniversário, menos de duas semanas depois, Witzel começou o dia se exercitando com policiais do Bope, que corriam cantando gritos de guerra como “se o crime é uma doença, o Bope é a cura”. O apoio à operação veio não apenas do governador, mas também de Brasília. O presidente Jair Bolsonaro curtiu no Twitter uma publicação de seu caçula, o vereador Carlos Bolsonaro, em que a operação no Fallet foi anunciada como “a nova era”.
Ouvidor da Defensoria Pública, Pedro Strozenberg está preocupado com o rumo das operações policiais no Rio. “O medo”, diz ele, “é que se configure novo padrão no número de óbitos. Não podemos ver essa operação como dentro da legalidade. Não é um episódio isolado, é resultado da aposta no confronto”, disse o ouvidor. Bruno Paes Manso, pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, lembra uma operação que deixou dezenove mortos no Complexo do Alemão em 2007 e provocou um novo debate sobre a segurança no Rio, culminando, em dezembro do ano seguinte, na criação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). “Vemos hoje a confirmação de um discurso de campanha homicida. Isso numa cidade onde as milícias dominam 40% do território. Com instituições democráticas tão fragilizadas, o risco de infiltração desses grupos nas decisões políticas é real”, analisa Paes Manso.
Na rua Gomes Lopes, nos Prazeres, traficantes colocaram uma faixa preta: “Luto por nossos irmãos que se foram no comprimento (sic) do dever. Prazeres chora.” Pouco depois de um mês da operação, um carro da Polícia Militar, às vezes um caveirão, entra em velocidade reduzida na rua Eliseu Visconti quase todos os dias. Passa em frente ao número 39, entra à direita e segue até sair da favela. Os soldados do tráfico têm ordem para não atirar, mas ficam à espreita, e os moradores prendem a respiração. Na casa de fundos do número 39, os buracos dos tiros de fuzil foram fechados pela proprietária. Um grupo de oração foi chamado para fazer um culto de limpeza no espaço, que está com a “energia pesada”, diz um morador. O terror visitou a rua, e hoje a vida é suspense.
CAIO BARRETTO BRISO
Repórter, trabalhou nos jornais O Globo e Folha de S.Paulo, e nas revistas Veja Rio e IstoÉ.
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